Em 2023, completam-se dez anos desde que nos despedimos de uma das vozes mais marcantes e autênticas que o Brasil já conheceu: Reginaldo Rossi.
Em uma conversa descontraída, que reflete a essência do Rei do Brega, Sandro Nóbrega, parceiro de jornada por mais de duas décadas, e Ledo Silva, atual vocalista da The Rossi, uma banda que mantém viva a chama da música do saudoso cantor, aceitaram o convite do Blog. Em uma tarde de sol forte, eles chegaram ao nosso estúdio, localizado em Candeias, Jaboatão dos Guararapes, para relembrar histórias únicas.
Na entrevista, a dupla revela detalhes da vida do Rei, desvendando mitos e lendas que cercaram sua carreira, desde os primeiros encontros até a notícia avassaladora de sua partida.
“Eu estava em casa às nove horas da manhã quando Geraldo Freire ligou para mim e disse que ele morreu”, recorda Sandro, primeiro a falar na entrevista que o leitor confere a seguir.
Andros Silva – É um prazer ter vocês aqui para conversar sobre Reginaldo Rossi. Vou começar com Sandro e em seguida Ledo entra nessa conversa que sem dúvidas será maravilhosa. Então conta Sandro, como você conheceu Reginaldo?
Sandro Nóbrega – Minha esposa, Simone, é sobrinha da esposa dele, a Celeide. Eu trabalhava na Casa Lux Ótica e ela trabalhava, a minha esposa, nessa mesma empresa. Foi aí que eu conheci ela e começamos a namorar. Eu conheci Reginaldo através dela. Fui para Salvador, onde morei cinco anos. Reginaldo na época do Plano Collor (um conjunto de medidas econômicas adotadas pelo governo do presidente Fernando Collor de Mello) tinha duas lojas de móveis, chamava-se “Lojas Rossi”, uma em Boa Viagem e outra na Rua do Rangel, no Centro do Recife. Ele, Reginaldo, chamou a minha esposa e me chamou para tomar conta das lojas com ele. Reginaldo não tinha experiência nenhuma de administração. Como eu tinha vontade de voltar para Recife, voltei com ela e fiquei como gerente geral das lojas e ela com a parte de finanças. Mas com o tempo difícil na época do Collor, as lojas fecharam. Ele (o presidente) trancou tudo, era só cinquentinha para todo mundo, lembra? Ninguém tinha dinheiro e aí não vendia.
E foi aí que começou sua história com ele, musicalmente falando?
Sandro – Na época era Denilson Holanda, ele já faleceu. Denilson era o empresário dele e eu comecei a andar com Denilson e Reginaldo. Em 1990, Denilson foi para Fortaleza, fazer um projeto de forró lá e eu fiquei com Reginaldo. Foi quando comecei a ser o empresário. Levei umas lapadas boas no começo, não tinha experiência no negócio. Mas Reginaldo era um nome já muito forte no Norte/Nordeste, muito forte, e conseguimos logo fazer grandes shows, grandes eventos, só que Reginaldo não tinha estrutura. Era ele, a banda, chegava e tocava com qualquer som, qualquer luz que tivesse.
Não crescia ainda mais artisticamente.
Sandro – Não, nem a nível de show. Criei uma estrutura para ele.
Reginaldo vinha dos anos 60 e só nos anos 90 conseguiu ter uma boa estrutura de som. Demorou muito, não?
Sandro – Exatamente, justamente! Eu que montei essa estrutura. Por ele não tinha, mas havia a necessidade disso, porque começamos a fazer shows grandes. O cara é bregueiro, mas tem que ser organizado, véi. A gente fez shows em Barretos, no Metropolitan do Rio (de Janeiro) com uma estrutura bacana, bem feita, um show em Salvador com 80 mil pagantes. Com a estrutura, aumentou cachê, valorizou mais o trabalho dele, as televisões começaram a convidar ele, acho que fizemos todos os programas de televisão do Brasil. Faustão mandou jatinho para pegar ele, Xuxa mandou também. Quando comecei não sabia de nada, ele me ajudou e montamos uma boa estrutura e fomos até o final.
Mas isso dos apresentadores enviarem jatinho para pegar ele, foi antes do estouro nacional com Garçom, em 1998?
Sandro – Não, foi depois do estouro.
Antes do sucesso com Garçom, Reginaldo ainda não tinha estourado. Então como ele chegou a se apresentar no Chacrinha, que era um programa de grande audiência da época?
Sandro – Foi por causa da gravadora. Na época era um contrato com a EMI Odeon. A gravadora tinha os divulgadores, então quanto mais programa de televisão se fazia, mais disco se vendia e mais dinheiro a gravadora ganhava.
“Faustão mandou jatinho para pegar ele, Xuxa mandou também. Quando comecei não sabia de nada, ele me ajudou e montamos uma boa estrutura e fomos até o final“, Sandro Nóbrega
Reginaldo era um artista genial!
Sandro – Sim.
E só fez um grande sucesso no Brasil com uma música de letra fácil, como Garçom, mesmo tendo letras melhores. Não é injusto?
Sandro – Eu diria que sim, pela trajetória musical dele. Reginaldo fez uma base forte. A mídia surgiu depois. Ele nunca foi atrás da mídia. Ele nunca pagou para fazer um programa de televisão, ele nunca deu um Sonho de Valsa para uma rádio. Claro, todo artista quer fazer sucesso, passa metade da vida procurando sucesso e metade da vida correndo dele (risos), mas a mídia veio atrás dele e a partir daí tudo começou.
Deixa eu aproveitar agora e chamar Ledo para a conversa, que está aí calado e quase dormindo (risos)
Ledo Silva – Eu não dormir (risos), dei um cochilo (risos)
Sandro – Eu notei, depois do biscoitinho, ele deu um cochilinho.
Brincadeira, ele está concentrando em suas memórias, Sandro. (risos)
Ledo não era da banda do Reginaldo, mas como foi o seu primeiro contato com o saudoso cantor? Teve contato direto com ele?
Ledo – Poucas vezes. Não tinha amizade com ele, tinha amizade com os músicos dele.
E o convite para entrar na The Rossi?
Ledo – Veja, só se o cara não for pernambucano para não saber tocar frevo e gostar de Reginaldo Rossi, principalmente se forem cantores da noite. Eu comecei a cantar com 12 anos de idade e já fiz de tudo. Então eu já conhecia toda obra dele. Quando Sandro me chamou (para a The Rossi), que na verdade quem me chamou foi o Bino, que era o baixista do Reginaldo, ele disse: “olha, a gente vai dá continuidade a banda e estamos precisando de uma pessoa que conheça as músicas de Reginaldo” e nem eu sabia, que sabia (risos). O primeiro show foi no Manhattan (Casa de Show localizada no bairro de Boa Viagem, no Recife) onde Reginaldo fez o último show e daí ficou, já vamos fazer dez anos.
Mas você chegou a apresentar uma música para Reginaldo, não foi?
Ledo – Sim, na Vaquejada de Surubim. Um toró caiu nesse dia, muita chuva. Reginaldo chegou numa Mercedes. Ele disse, “bicho, está faltando o refrão”.
“Só se o cara não for pernambucano para não saber tocar frevo e gostar de Reginaldo Rossi, principalmente se forem cantores da noite”, Ledo Silva
Qual era a música mesmo?
Ledo – “Vá Procurar Outro”. A gente chegou a gravar essa música.
Ele conheceu a música e não teve tempo de gravar?
Ledo – Não deu tempo para ninguém. Reginaldo nunca sentiu uma dor, nunca sentiu nada. No dia que ele disse a Sandro: “Sandro me leva para o Hospital” foi e não voltou. Tinha 18 shows já agendados.
Sandro – Foi até onde deu. Fez quatro shows e depois foi internado.
Diziam que ele bebia muito, usava drogas, cheirava cocaína, existiu isso?
Ledo – É uma lenda. Às vezes a gente se chateia, porque a gente sabe o que diziam. “Reginaldo bebia muito, fumava maconha, cheirava pó.”
E o vício no jogo?
Ledo – Isso tinha. Ele jogava muito.
Como vocês ficaram sabendo da morte de Reginaldo?
Sandro – Por Geraldo Freire. Eu estava em casa, às nove horas da manhã Geraldo ligou para mim e disse que ele morreu.
Ledo – Eu também fiquei sabendo por Geraldo, mas pelo programa mesmo, ele anunciando na Rádio Jornal.
Como foi a reação dele, quando ele recebeu a notícia que estava com câncer no pulmão?
Sandro – Ele recebeu do Dr. Jorge Pinho, diretor do Memorial São José (hospital no Recife onde Reginaldo ficou internado) e disse “vamos lutar aí doutor”. Só que estava de um jeito que chegou uma hora que ele falou para o doutor “deixa eu ir embora”. Se ele ficasse vivo, ele não ia cantar mais, iria ficar careca, ele tinha o maior ciúme do mundo no cabelo, ele iria definhar, financeiramente ele não tinha estrutura, com saúde, cantava e ganhava o dinheiro, mas reserva não existia para ele.
Por que perdeu no jogo?
Sandro – Com tudo. Jogo, mulher, dava carro de presente. Reginaldo ajudava todo mundo.
Celeide, a esposa, morreu oito meses depois da morte dele. Foi de tristeza, saudades do marido? No dito popular se comenta muito isso.
Sandro – Eu acho que sim. Ela era muito dependente dele. Dependente para tudo, de dinheiro, de tudo. Ela não pagava uma conta, um boleto ela não pagava. O dinheiro chegava, a minha esposa, que era secretária dele, saia pagando. Ela dizia: “nêgo preciso pagar o cartão”, ele dizia: “pague o cartão de Celeide”. Ela não tinha renda. Para você ter ideia, quando Reginaldo morreu, ela conseguiu se aposentar. Fui no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) com ela e ela conseguiu receber apenas duas vezes.
É verdade que Reginaldo deixou dívidas, como disse o filho dele em uma reportagem exibida no programa do Geraldo Luís, na Record?
Sandro – Reginaldo não deixou dinheiro, mas também não deixou dívidas.
O filho dele, disse que ele deixou.
Sandro – Não deixou! O dinheiro era comigo, eu controlava o dinheiro. Diziam: “Reginaldo não teve dinheiro para o enterro”, tinha sim. Se ele não tivesse, eu tinha. Agora o pessoal do Morada da Paz (Cemitério onde Reginaldo está sepultado) disse “queremos ajudar vocês”.
Então não foi o Estado quem pagou as despesas, como foi comentado?
Sandro – O cerimonial, Eduardo Campos (então governador de Pernambuco) disse: “se precisar do cerimonial pode contar com a nossa ajuda”. Mas foi o Morada da Paz que fez tudo. Até hoje é o túmulo mais visitado de lá, o de Reginaldo.
“Reginaldo não deixou dinheiro, mas também não deixou dívidas“, Sandro Nóbrega
Sandro, Ledo… Quero agradecer imensamente esse tempo de vocês aqui no Blog.
Sandro – Ledo é meu irmão, meu parceiro e quero dizer que eu tive muita sorte de encontrar esse cidadão. Muito obrigado, agradeço demais a você e quando precisar pode contar com a gente para a gente fazer outra. Quando quiser ir ao show da The Rossi, filmar, acompanhar, é só avisar.
Ledo – Sandro é meu irmão. Sandro vai passar mais 25 anos comigo (risos). Obrigado pela entrevista Andros, foi muito bom.
29/07/2023 às 14:17 – Por Andros Silva
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