- Author, Fernanda Paúl
- Role, Da BBC News Mundo
A psiquiatra infanto-juvenil chilena Ana Marina Briceño tem 20 anos de experiência no atendimento a adolescentes deprimidos – algo que se limitava a seu âmbito profissional até que, pouco depois do início da pandemia de covid-19, sua própria filha foi diagnosticada com ansiedade e depressão.
“Coube a mim viver o que eu tantas vezes havia diagnosticado”, diz Briceño à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
“Achei que estaria preparada para algo assim, mas foi muito, muito difícil.”
O problema é global e afeta duramente a América Latina, onde, segundo as estimativas mais recentes do Unicef (braço da ONU para a infância), quase 16 milhões de jovens entre 10 e 19 anos têm algum transtorno mental. Isso equivale a 15% das pessoas dessa faixa etária.
A face mais triste desse fenômeno é o suicídio: mais de 10 adolescentes tiram a própria vida diariamente na América Latina, aponta o Unicef. É a terceira principal causa de mortes na faixa etária de 15 a 19 anos.
Leia a seguir a entrevista de Briceño, que é autora de Depressão em adolescentes: como acompanhá-los a enfrentar a doença e as chaves para preveni-la (tradução livre):
BBC – Como se explica o alto número de adolescentes com transtornos mentais hoje?
Ana Marina Briceño – É muito difícil dar uma só razão, porque é um fenômeno multicausal, com vários elementos.
Vimos empiricamente que a pandemia foi muito complexa para os adolescentes, e uma hipótese é que privá-los da interação social em uma idade-chave disso foi algo complexo.
Mas o aumento dos casos de depressão começou desde antes da pandemia.
Há evidências associadas às redes sociais, de como a permanente comparação dos jovens com outros – tanto sua vida como seus corpos – aumenta problemas relacionados ao ânimo e à ansiedade.
Vale lembrar que sempre se questiona se a sociedade está hoje mais capaz de ver esses problemas, que antes provavelmente ficavam mais ocultos.
BBC – Se fala também de que esta é uma “geração deprimida”, com cada vez mais uso de antidepressivos e frequência a terapias.
Briceño – Sim, há quem ache que esta geração é uma das que cresceram mais solitárias, porque seus pais também estão enfiados nas redes sociais, fazendo sua vida, e não estão emocionalmente disponíveis para os filhos.
Além disso, criou-se foco em uma falsa felicidade, em que se dá aos filhos tudo o que eles pedem, para não frustrá-los, fazendo com que não tenham ferramentas para lidar com a frustração.
A criação mudou. Não se trata de culpar uma ou outra pessoa; são contextos culturais distintos.
BBC – Como identificar que um adolescente sofre de depressão?
Briceño – É o mais difícil. Nós, pais, por um lado tentamos entender o que acontece com nossos filhos usando como explicação a própria adolescência. Então é muito fácil que façamos um diagnóstico errado.
E, por outro lado, os jovens ativamente ocultam seus sintomas, ou porque não querem dar problemas ou por medo.
Eu diria que o importante é estarmos atentos a mudanças de comportamento. Mas não mudanças de um ou dois dias, que são transitórias e próprias da adolescência, mas sim as mudanças que vão além de uma ou duas semanas.
É preciso ver também se essas mudanças ocorrem em mais de um ambiente – não só em casa, mas também na escola ou com os amigos. Se o adolescente, por exemplo, abandona seus interesses, e isso abarca diferentes áreas, é preciso dar atenção e provavelmente pedir ajuda.
BBC – E quais são os sintomas mais comuns?
Briceño – Se espera que alguém depressivo não tenha ânimo, não se levante… Mas às vezes sim, se levantam, são capazes de ir a uma festa, mas estão irritáveis durante a maior parte do dia.
E muitas pessoas não sabem que a irritabilidade também é um sintoma da depressão. É muito fácil confundi-la com a adolescência, por questões hormonais.
BBC – E como prevenir?
Briceño – Primeiro, é preciso ter claro que não é aplicando todas as medidas preventivas que vamos assegurar que um adolescente não se deprima. A ideia é poder diminuir os riscos, mas não há risco zero.
Há muitos elementos práticos a se cultivar com crianças pequenas, como hábitos de sono, refeições em família, estímulo a atividades físicas ou extracurriculares. Também ajudam a luz do sol, a vitamina D, passar tempo longe das telas, na natureza.
E talvez normalizar o pedido de ajuda – poder falar de seus problemas. Saber que às vezes há dias ruins, e está tudo bem com isso.
Por último, acho que é importante acompanhar as crianças e jovens no mundo virtual. É comum que eles ganhem tablets e que seus pais não saibam o que acontece ali.
É como mandá-los ao parquinho sem supervisioná-los.
É preciso conversar sobre o mundo virtual, seus perigos, o que não se deve fazer, o ciber-bullying etc.
BBC – E o que os pais podem fazer para ajudar filhos com algum transtorno de saúde mental?
Briceño – A primeira medida, muito importante, é procurar ajuda profissional. É uma doença – e se nosso filho estivesse com apendicite, não pensaríamos em tratá-lo em casa.
Mas, dito isso, há coisas que devemos levar em conta para não criar problemas: por exemplo, quando a atitude dos pais é de pouca compreensão ou empatia, e eles veem isso (a depressão) como uma debilidade, sem entender que poderia acontecer com qualquer um. Ninguém está livre.
BBC – O quanto tem aumentado o uso de antidepressivos entre jovens?
Briceño – É difícil saber, mas infelizmente tem sido cada vez mais necessário o apoio farmacológico a jovens, devido à gravidade das doenças.
O que se vê na prática é que hoje a depressão entre adolescentes não só é mais frequente como mais severa, com mais sintomas e mais risco suicida – e, portanto, exige mais apoio de fármacos.
Não é que todos os jovens deprimidos precisem (de antidepressivos). Mas se, por exemplo, houve uma tentativa de suicídio, já estamos no que se chama de uma depressão grave e é muito provável que seja preciso tratá-la com medicamentos.
Ou quando um jovem já está há bastante tempo em tratamento psicológico e não há melhorias. Ou diante de sintomas específicos, como insônia.
BBC – Especialistas têm advertido para um aumento de lesões auto-infringidas entre adolescentes. É comum, e o que está por trás disso?
Briceño – É algo que de fato aumentou exponencialmente.
Quando comecei na psiquiatria, há 20 anos, era algo raro. E hoje é ao contrário: é raro que chegue alguém que não tenha agredido a si próprio.
Antes isso ocorria em lares de acolhida de menores ou entre adolescentes criados em situação de muita vulnerabilidade, mas agora é mais frequente entre adolescentes que não têm esses riscos tão elevados.
Na maioria das vezes, a autoagressão tem um sentido de liberar a dor psiquiátrica através da dor física. De transformar uma dor em outra.
Também pode ter um sentido de culpa, de se machucar por se sentir culpado. E também tem um elemento de vício: os que precisam se autoagredir para se sentirem tranquilos – provoca neles uma sensação parecida às drogas ou o álcool. E esses não conseguem parar.
Se um pai ou uma mãe detecta autoagressões em um adolescente, tem de pedir ajuda profissional. Muitas vezes os pais minimizam isso, mas quando o adolescente chega a esse comportamento é porque o sofrimento é muito intenso.
BBC – E o quanto o risco de suicídio é real nesses casos?
Briceño – As autoagressões se diferenciam do risco de suicídio. É pouco provável que os que se autoagridem queiram se matar desse modo.
Mas o suicídio é um risco real, e qualquer tentativa de minimizá-lo nos deixa mais vulneráveis.
Acho que muitas vezes os pais entram em um estado de negação e acham que os filhos estão tentando chamar a atenção e não veem isso como um desejo real de morrer.
Mas se sabe que toda tentativa de suicídio, inclusive as consumadas, há uma parcela de intenção de mudar o ambiente, mas também uma parcela é desejo real de morrer.
BBC – Foi difícil lidar com a depressão da sua própria filha?
Briceño – Muito mais difícil do que eu achei que poderia ser. Depois de tantos anos ajudando famílias, eu achava que estaria preparada, mas não foi assim.
Minha principal descoberta foi como (os adolescentes) tentam ocultar ativamente os sintomas. Às vezes os pedidos de ajuda são muito pequenos e sutis.
BBC – E o que foi mais complexo?
Briceño – Enfrentar meus próprios erros, vulnerabilidades e fragilidades.
Pelas circunstâncias, você pode fazer o que não deve, não cuidar de forma adequada ou exigir coisas que não deveria exigir.
Cair (nas armadilhas) em que caem todos os pais e mães, apesar de saber o que não se deve fazer.
BBC – Se você fosse dar um conselho a famílias vivendo uma situação parecida, qual seria?
Briceño – Escutem a todo momento. Fiquem atentos. Muitas vezes há uma dissonância entre o que os pais veem e o que os filhos sentem.
BBC – É comum que os adolescentes superem a depressão?
Briceño – Essas doenças melhoram. Eu sempre soube, porque vi várias vezes, que a minha filha iria melhorar.
As terapias funcionam. E a melhora traz um crescimento e um amadurecimento, graças à experiência. As dificuldades criam recursos psicológicos que vão ser positivos para o resto da vida deles.
Se você olha sob essa perspectiva, uma experiência tão difícil como essa pode ganhar um pouco mais de sentido.
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