- Veronica Smink
- BBC News Mundo, Argentina
Dois promotores da Argentina pediram na segunda-feira (22/8) pena de até 12 anos de prisão e a perda dos direitos de ocupar cargos públicos para a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, acusada por eles de corrupção na realização de obras públicas durante seu governo (2007-2015).
A ex-presidente é acusada de administração fraudulenta e de ter liderado uma associação ilícita junto com seu falecido marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, durante os governos de ambos, entre 2003 e 2015.
As irregularidades teriam acontecido na gestão pública de obras na província patagônica de Santa Cruz, reduto dos Kirchner. A denúncia aponta que, antes de assumir a presidência, os Kirchner criaram uma empreiteira, chamada Austral Construcciones, que recebeu licitações para realizar 79% das obras em Santa Cruz durante os mandatos do casal. A empresa deixou de operar em dezembro de 2015, quando Cristina Kirchner saiu da presidência.
Segundo os promotores, durante os mandatos dos Kirchner, a empreiteira foi favorecida por grandes aumentos de preços pagos no âmbito das licitações. Os ex-presidentes colocaram um sócio que atuaria como “testa de ferro”, Lázaro Báez — também acusado na Justiça, junto com outros onze ex-funcionários kirchneristas.
O promotor Diego Luciani assegurou que se tratou da “maior manobra de corrupção do país”, com prejuízo em mais de US$ 1 bilhão (R$ 5 bi) para os cofres públicos — quantia que os promotores pediram que fosse confiscada dos acusados em caso de condenação.
Por sua vez, Cristina Kirchner, cujo advogado apresentará sua defesa em setembro, refutou todas as acusações, dizendo ser vítima de “lawfare” (abuso e má utilização dos procedimentos jurídicos para perseguição política). Na terça-feira (23/8), em uma transmissão ao vivo no YouTube, a vice-presidente garantiu que “nada do que os promotores disseram foi comprovado”.
Logo após a notícia de que os promotores pediram a condenação de Kirchner, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, escreveu no Twitter uma mensagem de apoio à sua vice-presidente: “Hoje é um dia muito ingrato para quem, como eu, foi criado na família de um juiz, foi educado no mundo do Direito e ensina Direito Penal há mais de três décadas. Mais uma vez transmito o meu mais profundo carinho e solidariedade à vice-presidente.”
Vários outros líderes da coalizão governista se manifestaram nas redes a favor da ex-presidente.
Mas também foram muitos os que saíram para celebrar o pedido de prisão da líder kirchnerista, tanto na internet quanto nas ruas, agitando bandeiras e batendo panelas. Foram registrados alguns incidentes em frente ao apartamento da vice-presidente em Buenos Aires, por pessoas favoráveis e contrárias à líder.
O que acontece agora?
É a primeira vez que a vice-presidente responde a uma ação penal. As investigações anteriores por supostos crimes de corrupção foram arquivadas por falta de provas.
O julgamento do chamado “caso Vialidad” começou em maio de 2019, durante a presidência de Mauricio Macri. A então senadora foi a julgamento três dias depois de anunciar que concorreria à vice-presidência na chapa de Alberto Fernández. Na época, Kirchner se recusou a responder perguntas sobre o processo e acusou os juízes de já terem uma sentença pronta. “Entre a Presidência da Nação e as obras denunciadas há doze instâncias administrativas nacionais e provinciais”, escreveu a então senadora no Twitter.
Nessa terça-feira, a vice-presidente disse que a Justiça de Santa Cruz já investigou as obras em questão e que os suspeitos foram inocentados.
A expectativa é que, após as alegações finais de todas as partes, o que deve levar várias semanas, três juízes da Justiça Federal anunciem a sentença no final do ano.
Caso a vice-presidente seja condenada, ela não poderá ser presa porque tem foro privilegiado até 9 de dezembro de 2023, quando termina seu mandato.De qualquer forma, os juristas garantem que, em caso de condenação, haverá recursos e provavelmente o processo terminará na Corte Suprema. Assim, pode levar anos até que haja uma condenação definitiva, e só então Cristina Kirchner seria impossibilitada de ocupar cargos públicos e seria detida — em prisão domiciliar, pois teria mais de 70 anos (hoje, ela tem 69 anos).
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