Com milhares de assentos vazios nos estádios durante os jogos de abertura da Copa do Mundo e denúncias crescentes de torcedores “falsos” sendo pagos para lotar as ruas de Doha, o público no Catar está mais uma vez sob os holofotes.
Enquanto investigava as denúncias de torcedores falsos em Doha, a BBC descobriu que torcedores fervorosos de vários países receberam passagem aérea e acomodação gratuitas em troca de postarem declarações positivas sobre a competição nas redes sociais, além de serem solicitados a curtir e compartilhar outros conteúdos online.
Torcedores ‘falsos’ nas ruas
No “esquenta” para a primeira partida, centenas de torcedores agitando bandeiras de diferentes países ao redor do mundo foram vistos gritando e cantando pelas ruas de Doha.
Mas, em resposta aos vídeos postados nas contas oficiais da Copa do Mundo nas redes sociais, algumas pessoas questionaram por que tantos torcedores pareciam ser procedentes do Oriente Médio ou do Sul da Ásia, apesar de torcerem para várias seleções ao redor mundo.
“Eles são pagos para serem torcedores de outros países ou o quê?” dizia um comentário.
Em Doha, a BBC conversou com um morador do Catar, Aaron Fernandes, cuja ascendência familiar vem da Índia. Aaron afirma que tais comentários refletem um mal-entendido mais amplo sobre a região. Com tantos migrantes adotando o Catar como lar, ele respondeu, por que não estaria cheio de torcedores de futebol torcendo por diferentes seleções internacionais?
“Temos muitos torcedores da Índia que amam a competição, e estou feliz que durante a Copa do Mundo da Fifa tenha ficado claro o quanto os indianos amam o futebol”, diz Aaron.
Ele afirma que, embora o Sul da Ásia seja conhecido por sua paixão pelo críquete, uma grande parte dos amantes de esporte da região também adora futebol. E como países como a Índia nunca disputaram uma Copa do Mundo, é claro que esses torcedores geralmente escolhem torcer por outras nações, além de viajar para o exterior para vê-las jogar.
Aaron também é membro de dois clubes de torcedores — o Fifa Fan Movement e a rede Fan Leader no Catar. Os grupos foram criados e são administrados pela Fifa e pelo comitê organizador da Copa do Mundo de 2022.
Questionado se ele teve que assinar algum contrato como parte do programa Fan Leader, Aaron respondeu de forma inconclusiva:
“Naturalmente, há responsabilidades, mas é tudo relativo ao esporte. Eles fazem isso há anos. Não é nada demais.”
Voos e hospedagem de graça
Apesar da resposta ambígua de Aaron, a BBC descobriu que muitos membros do programa Fan Leader foram solicitados a assinar contratos enquanto recebiam simultaneamente incentivos dos organizadores da competição.
Documentos aos quais a BBC teve acesso, assim como depoimentos de vários funcionários da organização, confirmam que foram oferecidas passagens aéreas para o Catar e acomodação gratuitas para muitos torcedores estrangeiros, como parte de uma iniciativa que, segundo os organizadores, seria para melhorar “a experiência do torcedor”.
Em troca, os torcedores foram solicitados a assinar um código de conduta, no qual concordavam em “incorporar, quando apropriado, o conteúdo do Comitê Supremo (SC, na sigla em inglês) em suas postagens” — e em curtir e compartilhar material de terceiros.
O Comitê Supremo é o órgão organizador da Copa do Mundo da FIFA Catar 2022.
Embora no contrato os torcedores sejam informados de que não é esperado que sejam um “porta-voz do Catar”, eles são instruídos a não “depreciar o Comitê Supremo do Catar” ou a “Copa do Mundo Catar 2022”.
Pierre Cornez, assessor de imprensa da associação de futebol da Bélgica, disse que os torcedores também receberam “um ingresso grátis para o primeiro jogo e a cerimônia de abertura”.
Ele afirma que a proposta não foi feita apenas para os torcedores belgas, mas para “todos os países que estão jogando nesta Copa do Mundo”.
E, segundo ele, nem todos os torcedores que participaram do programa acabaram assinando o contrato.
A escolha do Catar como sede da Copa do Mundo foi criticada diversas vezes por causa do péssimo histórico do país no que se refere aos direitos dos trabalhadores, da comunidade LGBTQ e à liberdade de expressão. Por isso, alguns clubes de torcedores independentes e de base acreditam que o programa Fan Leader do Catar é simplesmente uma tentativa de melhorar a imagem do evento.
Membro do conselho do Fan Supporters Europe, Martha Gens, diz que nunca ouviu falar de um sistema como este sendo usado antes em qualquer grande competição.
“Isso não é um movimento de torcedores, é uma fraude de torcedores”, afirma Martha.
“É estranho, é obscuro e não é correto.”
Mas o Comitê Supremo saiu em defesa do programa, dizendo:
“Esta iniciativa ajudou o Comitê a compreender as necessidades e preocupações dos torcedores de 59 países diferentes.”
“Eles não têm nenhuma obrigação de postar ou compartilhar conteúdo. Todos os torcedores que visitam o Catar como nossos convidados fazem isso voluntariamente e sem remuneração.”
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