- André Biernath e Nathalia Passarinho
- Enviados da BBC News Brasil a Sharm El-Sheikh (Egito)
O presidente eleito do Braisl, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse nesta quarta-feira (16/11) na COP27, a conferência das Nações Unidas sobre clima, que “não medirá esforços para zerar o desmatamento de nossos biomas até 2030”. Segundo ele, todos os crimes ambientais vão ser combatidos “sem trégua”.
Lula fez um pronunciamento oficial no evento, que acontece em Sharm El-Sheikh, no Egito.
Ele também ressaltou que pretende resgatar alianças com países da América do Sul e da África, e disse que vai cobrar as nações mais ricas sobre reparações financeiras e reformas na ONU.
Confira a seguir os cinco principais destaques do pronunciamento:
1. Zerar desmatamento e combater crime ambiental
“Vamos priorizar a luta contra o desmatamento em todos os nossos biomas. Nos três primeiros anos do atual governo, o desmatamento teve aumento de 73%”, afirmou Lula.
“Essa devastação ficará no passado. Os crimes ambientais que cresceram no governo estão chegando ao fim. Serão agora combatidos sem trégua”, disse.
“Vamos recriar todas as organizações de fiscalização desmontadas nos últimos quatro anos.”
“Vamos punir com todo rigor responsável por toda atividade ilegal, seja garimpo, seja mineração, seja extração de madeira”, complementou.
2. Críticas ao governo Bolsonaro
Durante a fala, Lula criticou o governo de Jair Bolsonaro (PL), que descreveu como “desastroso” e ao qual atribuiu um “isolamento” do Brasil no cenário internacional.
“O Brasil acaba de passar por uma das eleições mais decisivas da sua história. Eleição observada com atenção inédita pelos países. Primeiro porque ela poderia ajudar a conter avanço da extrema-direita autoritária e do negacionismo climático. E porque o resultado da eleição dependia não só a paz e o bem-estar do povo, mas a sobrevivência da Amazônia e, portanto, a sobrevivência do nosso planeta.”
“Infelizmente, desde 2019, o Brasil enfrenta um governo desastroso em todos os sentidos. No combate ao desemprego e desigualdade, no combate à pandemia, no desrespeito aos direitos humanos, na política externa que isolou o Brasil e também no meio ambiente”, disse.
“Não por acaso, a frase que mais tenho ouvido é a seguinte: o mundo estava com saudade do Brasil.”
“E quero dizer para vocês que o Brasil está de volta”, completou.
3. Cobrar dinheiro dos países ricos
O presidente eleito também prometeu que, no novo mandato, será um “Lula cobrador”.
“Queria lembrar a vocês que na COP15, em 2009, os países mais ricos se comprometeram a mobilizar 100 bilhões de dólares por ano a partir de 2020 para ajudar os países menos desenvolvidos a enfrentar as mudanças climáticas”, lembrou.
“Já se passaram dois anos desde então. Eu não sei quantos representantes de países ricos estão aqui, mas a minha volta é para cobrar aquilo que foi prometido por eles.”
Lula também mencionou uma discussão que tem dominado boa parte da COP27: os mecanismos de perdas e danos relacionados às mudanças climáticas.
“Precisamos com urgência, mas muita urgência, desenvolver mecanismos financeiros para remediar perdas e danos. Não podemos mais adiar esse debate”, disse.
“Precisamos lidar com a realidade de países que têm a própria integridade ameaçada e condições de sobreviência seriamente comprometidas. Não temos mais tempo a perder e não podemos conviver com essa corrida rumo ao abismo.”
4. Reforma na ONU
Ainda nas discussões diplomáticas, Lula afirmou que “não é possível que a ONU opere na mesma lógica desde a Segunda Guerra Mundial”.
“A ONU precisa avançar. O mundo mudou, os países mudaram e querem ser representados.”
“Não há nenhuma explicação para que apenas os vencedores da Segunda Guerra Mundial sejam os que mandam e dirijam o Conselho de Segurança”, apontou, referindo-se às nações que têm assento permanente e poder de veto no Conselho.
O presidente eleito disse que “o mundo está precisando de governança global na questão climática” e propôs a criação de “um fórum multilateral com poder de decisão definitiva, que seja aplicada nos países”.
“O tempo passa, a gente morre, e as coisas não são cumpridas. É por isso que voltei a me candidatar, e estou falando em nome do povo brasileiro.”
“Não voltei para fazer o que tinha feito. Serei um Lula mais cobrador por um mundo mais justo e melhor para todos nós.”
Ao longo do discurso, Lula também citou diversas vezes que pretende resgatar laços com vários países, especialmente de África e América Latina.
“O Brasil está de volta para reatar os laços com o mundo, ajudar novamente a combater a fome e cooperar com países mais pobres, especialmente da África, com investimento e transferência de tecnologia. Vamos estreitar a relação com os países latino-americanos e caribenhos.”
Lula ainda propôs a realização de uma cúpula que envolva todos os países com porções da Floresta Amazônica — Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela —, “para produção do desenvolvimento integrado e da responsabilidade climática”.
Por fim, ele reafirmou que fortalecerá os laços com Indonésia e Congo que, juntos com o Brasil, detêm mais de 50% das florestas tropicais primárias do planeta.
‘Brasil voltou ao mundo’
Na manhã desta quarta, Lula compareceu ao estande dos governadores de Estados que abrigam Floresta Amazônica. Num breve discurso, disse que “o Brasil está de volta ao mundo”, depois de ser “isolado por quatro anos”.
“O Brasil está saindo daquele casulo ao qual foi submetido nos últimos quatro anos. O Brasil não nasceu para ser isolado. Somos um país muito grande com uma cultura extraordinária”, afirmou.
“[Nos últimos quatro anos] era como se a gente estivesse sofrendo um bloqueio. Mas não era algo econômico ou político, mas um bloqueio antidemocracia e contra o negacionismo.”
Com um pouco de dificuldade para falar após ser diagnosticado com uma inflamação na garganta pouco antes de viajar, o presidente eleito anunciou que pedirá à ONU para que o Brasil seja sede da COP30, marcada para 2025.
Ele também se comprometeu a atender a um pedido feito por Helder Barbalho, governador do Pará, que solicitou que a futura conferência seja feita na Amazônia.
“Vamos falar com o secretário-geral da ONU para que a COP seja feita no Brasil e na Amazônia. Acredito que há dois Estados que têm estrutura para receber qualquer conferência: Amazonas e Pará”, avaliou.
Barbalho, inclusive, foi o primeiro a convidar Lula para a COP27. Posteriormente, ele também recebeu um convite de Abdul Fatah Khalil Al-Sisi, presidente do Egito.
Mais dinheiro para a Amazônia?
Essa é a primeira viagem internacional que o presidente eleito faz após as eleições de 2022. Na terça-feira, ele se reuniu com os enviados especias dos Estados Unidos, John Kerry, e da China, Xie Zhenhua.
Antes de se encontrar com Lula, John Kerry disse à BBC News Brasil que estava “animado” para conversar com o presidente eleito e que esperava uma “guinada completa” na política ambiental brasileira.
Ao ser perguntando pela BBC News Brasil se os EUA vão injetar recursos no Fundo Amazônia, ele respondeu: “Vamos analisar… Obviamente eu quero ter a chance de conversar (com Lula), mas estou confiante de que ele vai promover uma completa guinada nas políticas”.
“Estamos animados para trabalhar com ele e confiantes de que faremos tudo o que podemos (para preservar a Amazônia).”
A BBC News Brasil também entrevistou o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, que disse que deve ampliar o envio de dinheiro do país nórdico para projetos de conservação na Amazônia após a posse de Lula, em janeiro.
Segundo ele, o governo norueguês já vai começar a negociar com a equipe de transição de Lula as condições para o desbloqueio do Fundo Amazônia, assim como a possibilidade de aumentar os repasses do país nórdico para a preservação da floresta.
“Queremos desbloquear o Fundo Amazônia assim que entrarmos em acordo sobre a estrutura institucional dele. O que o presidente Lula disse na campanha, o que a equipe dele tem falado com a gente e a experiência que tivemos no passado sugerem que é algo que podemos resolver rapidamente”, disse Eide, que está no Egito para a COP27, a cúpula das Nações Unidas sobre mudanças climáticas.
“Já vamos conversar com a equipe de Lula para preparar isso. E, uma vez no poder, ele deverá tomar algumas decisões que achamos que vai tomar e o fundo vai ser reaberto rapidamente”, disse.
O ministro lembrou que há atualmente cerca de US$ 540 milhões no Fundo Amazônia, congelados desde 2019 quando Noruega e Alemanha se desentenderam com o governo Bolsonaro sobre a forma como os repasses deveriam ser gerenciados. Eide destacou que, além desse dinheiro, outros recursos devem ser disponibilizados pelo país nórdico a partir de janeiro de 2023.
“Esse dinheiro já está lá, mas também estamos muito prontos para cooperar com o Brasil em outros projetos para a Amazônia. O ecossistema não respeita fronteiras. Então, estamos muito animados para melhorar nosso relacionamento com o Brasil, o que eu acho que vai acontecer.”
Perguntado pela BBC News Brasil se havia espaço para mais dinheiro ser aplicado no Fundo Amazônia, ele respondeu: “Sim, a princípio sim. O primeiro passo é desbloquear o dinheiro que já está lá, mas queremos ter conversas para fechar novas colaborações.”
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