Descoberta há 64 anos, a varíola dos macacos é uma doença comum na África, mas só começou a chamar atenção do mundo quando se espalhou para os outros continentes mais desenvolvidos. A observação é feita por Stefan Cunha Ujvari, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo, e autor do livro “História das Epidemias”, no qual faz uma análise das crises sanitárias que assolaram a humanidade.
Na entrevista a seguir, o médico reflete sobre as lições que surtos infecciosos como o da varíola dos macacos têm a ensinar às sociedades.
O que os surtos virais nos mostram sobre o nosso modo de vida?
Ao longo da História, todas as epidemias geram um momento em que a população vê a morte muito próxima de si. E nelas sempre contamos com a tônica de procurar um culpado por aquilo, querer uma solução rápida e ir atrás de todas as opções de tratamento. Por exemplo, logo no começo da Covid, houve aquela história de criticar a cultura chinesa. Nesta varíola dos macacos, estamos tomando muito cuidado porque a maioria dos casos está acontecendo em homens que fazem sexo com homens, da mesma maneira que apareceu lá no começo da década de 80 com a Aids, quando começaram a incriminar essas pessoas. Na verdade, ela só começou a circular nesse grupo, mas isso não quer dizer absolutamente nada.
Como surgem esses surtos e o que eles nos dizem sobre a nossa relação com a natureza?
O planeta tem mais de 7 bilhões de habitantes, estamos presenciando desmatamento ou invasão de áreas virgens de florestas e isso faz com que entremos contato com vírus desconhecidos. Como foi o exemplo da própria Covid-19, um vírus desconhecido do morcego que acabou atingindo o homem. O vírus da varíola dos macacos é a mesma coisa. Ele circula adaptado aos humanos desde 1970 e, década após década, estamos vendo um número cada vez maior de casos naquela região entre a Nigéria e a bacia do Congo. Não é uma doença nova. Pelo contrário. Provavelmente, tem a ver com o aumento populacional, um contato maior com animais florestais, com roedores, os principais reservatórios desse vírus.
Como a varíola dos macacos foi descoberta?
Ele só recebe esse nome porque foi detectado na Europa em um macaco. E por que ele foi detectado na Europa? Naquela época, era muito comum importação maciça de macacos africanos para fazer os experimentos laboratoriais. Mas o grande reservatório dele são os roedores. Uma coisa interessante disso é que existem as chamadas doenças negligenciadas. São doenças que predominam em países em desenvolvimento, como, por exemplo, os da África, e não se tem muito interesse em fazer pesquisa para entendê-las, vaciná-las, tratá-las ou controlá-las. A Monkeypox é um exemplo. Ela está aumentando desde a década de 1970 e foi negligenciada. De repente, quando ela sai da região da Nigéria e começa a se espalhar, aí todo o mundo abre os olhos.
Existe, então, uma divisão entre lugares onde as doenças são normalizadas e onde elas não são?
Devemos ter uma noção de que hoje em dia o planeta todo virou um bairro, uma região única. Por isso, precisamos tomar mais cuidado com as doenças em que negligenciamos a pesquisa. É a mesma coisa da Ômicron. Quando apareceu no ano passado, a África não tinha vacina. Aí, de repente, pelo fato de não controlar, apareceu uma variante e ficou todo mundo preocupado. Por sorte, não foi uma variante agressiva.
Por que nós temos surtos mais agressivos do que outros?
Isso daí varia de vírus para vírus. Mas uma das coisas importantes é que a Covid-19 foi a primeira pandemia que praticamente parou o planeta. Poderíamos usar isso como exemplo e tomar medidas para não entrar em contato com animais selvagens, desconhecidos, e ter regras rigorosas na criação dos animais domesticáveis. Por exemplo, as galinhas serem isoladas dos suínos. E isso a gente não tem, principalmente no Sudeste Asiático e na China, onde você tem uma população muito maior e o risco de um novo vírus da gripe com alta mortalidade surgir.
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