- Author, Julia Braun
- Role, Da BBC Brasil em Londres
- Twitter, @juliatbraun
Em uma rápida busca na internet, é possível encontrar mais de dez sites diferentes que anunciam a venda de cogumelos do tipo Psilocybe cubensis, apelidados de “cogumelos mágicos” no Brasil.
Algumas das páginas oferecem os cogumelos inteiros ou desidratados embalados à vácuo, exaltando suas propriedades psicodélicas e ritualísticas, enquanto outras comercializam as chamadas micro dosagens, já calculadas para um consumo controlado com objetivos terapêuticos.
Muitos dos sites ainda prometem entrega em até 24 horas em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro e afirmam enviar os produtos em embalagem discreta e sem remetente.
Não há dados atualizados sobre o consumo de cogumelos para fins recreativos ou medicinais no país, mas especialistas da área afirmam notar um aumento recente na popularidade desses alucinógenos naturais.
Segundo eles, a tendência muito provavelmente é impulsionada pela facilidade com que esses fungos podem ser adquiridos, assim como pela divulgação de diversas pesquisas e documentários nos últimos anos sobre os possíveis benefícios do uso dos cogumelos para tratamento de doenças mentais.
“É possível que o consumo tenha se popularizado nos últimos anos por conta da facilidade de acesso, apesar do uso de cogumelos ser uma prática ancestral tradicional”, afirma Renato Filev, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas.
“Temos a impressão de que houve sim um aumento no consumo, assim como muito provavelmente aumentou o consumo da maconha por conta da inserção do tema no debate público. Mas não temos dados epidemiológicos”, resume Clarice Madruga, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e estudiosa da área de epidemiologia e prevenção do uso de substâncias psicoativas.
Para Madruga, o lançamento de séries documentais em plataformas de streaming sobre os benefícios dos psicodélicos e o mundo dos cogumelos é um dos fatores que podem estar impulsionando esse movimento, ainda que não de forma homogênea em toda a sociedade.
“Essas séries tiveram um grande repercussão em extratos da sociedade de nível socioeconômico mais privilegiado e com maior acesso à informação”, diz.
O advogado Emílio Nabas, membro do Conselho Consultivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, presta consultoria para um dos maiores sites de venda de cogumelos no Brasil atualmente.
Ele também atende clientes com casos relacionados ao uso da cannabis medicinal e percebeu um aumento considerável na busca por assistência legal para consumo e comercialização dos cogumelos. “Hoje eu tenho praticamente o mesmo número de clientes buscando consultoria jurídica para cogumelos e para cannabis”, diz.
Apesar de não haver dados sobre o consumo dessas substâncias no Brasil, outros países têm monitorado a tendência. Nos Estados Unidos, uma pesquisa dos Institutos Nacionais da Saúde (NIH, da sigla em inglês) identificou um crescimento drástico no consumo de alucinógenos a partir de 2020.
Em 2021, 8% dos jovens adultos relataram terem usado alucinógenos no ano anterior, um recorde histórico desde que esses números passaram a ser monitorados em 1988. Entre as substâncias mais citadas estão os cogumelos, além da psilocibina pura, LSD, MDMA e outras.
Relaxamento e euforia
A sensação de que os cogumelos alucinógenos se tornaram mais populares é compartilhada também por quem frequenta festas nas grandes cidades do país, onde se tornou mais comum ver pessoas dividindo lascas armazenadas em pequenos sacos plásticos.
Segundo usuários ouvidos pela reportagem, além da facilidade de adquirir o produto, a promessa de ficar mais relaxado e alegre sem perder o controle também atrai muitos para o consumo.
Existem distintos tipos de cogumelo, mas o neurocientista Renato Filev explica que o mais comumente utilizado no Brasil para fins recreativos ou terapêuticos é o Psilocybe cubensis.
Seus efeitos são diversos, mas em geral podem alterar a subjetividade e os sentidos, assim como a percepção de espaço e tempo, e causar vertigem, relaxamento, euforia e distúrbios visuais.
Isso porque essa espécie de fungo apresenta como principais princípios ativos a psilocibina e a psilocina. Embora muitas pesquisas ainda estejam em andamento, estudos sugerem que essas substâncias afetam principalmente os receptores 5-HT2A no cérebro, que normalmente são ativados pelo neurotransmissor (mensageiro químico) serotonina.
“Percebo que há uma aceitação maior dos cogumelos até em detrimento de outros psicodélicos, porque além de ser natural, é uma substância que o usuário consegue manejar melhor os efeitos do que o LSD, por exemplo”, diz Filev.
É legal?
Os pesquisadores concordam, porém, que a facilidade em adquirir os cogumelos está entre os principais atrativos atuais.
Atualmente, o fungo Psilocybe Cubensis não está entre as plantas e fungos proibidos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
No Brasil, as substâncias sujeitas a controles especiais são reguladas pela Portaria 344 de 1998 e divididas em categorias e listas. E apesar dos cogumelos não estarem na lista, a psilocina e a psilocibina constam na chamada lista F2 de substâncias psicotrópicas, cujo uso está proibido no Brasil.
Isso significa que, a rigor, a venda e compra dos cogumelos não é proibida, mas a comercialização direta das substâncias extraídas dos fungos sim.
Ainda assim, há cada vez mais registros de prisões por venda de cogumelos. Na semana passada, a Polícia Civil do Distrito Federal realizou uma operação para fechar um laboratório e prender o responsável pela venda de cápsulas, extratos, culturas e cogumelos in natura pela internet. Muitos entusiastas do uso de cogumelos questionaram a legalidade da operação.
Em nota divulgada, a PCDF afirmou que prendeu um homem de 29 anos após cinco meses de investigação. Ainda segundo a instituição, a forma de exposição das drogas nesse caso chamou a atenção da Polícia pela “ampla comercialização dos cogumelos e derivados e por trazer perigo à saúde pública ao disseminar desinformação para aliciar compradores”.
Não ficou claro se o envolvido comercializava apenas cogumelos ou as substâncias psilocina e psilocibina separadamente.
A professora de Direito Penal Econômico da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fernanda Vilares explicou à BBC Brasil que as normas atuais podem ser interpretadas de formas diversas devido à natureza pouco específica das leis.
“Em uma interpretação extremamente legalista, normativa e dogmática pode-se entender que como a psilocibina é proibida, o consumo dos cogumelos e sua venda também estão proibidos”, diz.
“Mas em uma concepção mais progressista e liberal, que tende a maximizar as liberdades dos indivíduos e protegê-los sem paternalismo exacerbado, o uso de cogumelo in natura não é ilgeal, porque não está previsto na lista da Anvisa.”
Segundo Vilares, o caráter impreciso da legislação atual pode estar relacionado à atualidade do fenômeno. “A ciência está descobrindo só agora sobre os benefícios dos cogumelos. Pode ser que venha a se tornar necessário por uma questão de saúde regulamentar seu uso, mas até então não tinha porque o Estado despender energia nisso”, diz.
O advogado Emílio Nabas afirma alertar seus clientes sobre essas inconsistências. “Há uma zona nebulosa que não deixa claro o que pode e o que que não pode dentro de uma atividade empresarial”, diz.
“Não há segurança jurídica hoje quando falamos dessas substâncias.”
Avanços na ciência
As recentes pesquisas sobre os benefícios do uso dos cogumelos, em especial para o tratamento de doenças mentais, também atraíram muita atenção para o tema, segundo as fontes ouvidas pela reportagem.
As descobertas, que indicam que tais propriedades podem aplacar sintomas de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático, vêm entusiasmando as comunidades científica e médica.
Também se discute cada vez mais o uso das substâncias psicodélicas para cuidados paliativos, que amparam portadores de doenças graves tanto em problemas físicos quanto em questões existenciais, como a finitude da vida.
Um dos mais promissores estudos atuais, realizado por pesquisadores da Imperial College London, parece estar próximo de revelar como os alucinógenos tiram uma pessoa deprimida “de uma rotina de pensamento negativo” — segundo os envolvidos, a psilocibina “reintegra” um cérebro deprimido, tornando-o mais fluido, flexível e conectado.
Outra pesquisa, do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência da Universidade King’s College London (Inglaterra), mostrou que um comprimido de 25mg de psilocibina coloca os pacientes em um estado de sonho, tornando a terapia psicológica mais provável de ser bem-sucedida.
Riscos
Os estudiosos ingleses, porém, alertaram que os efeitos colaterais de curto prazo podem ser assustadores e o suporte clínico deve estar sempre disponível.
Por esse e outros motivos especialistas dizem que estudos mais amplos e com um acompanhamento muito mais longo ainda são necessários antes de uma conclusão definitiva sobre os benefícios do uso de cogumelos.
“Na farmacologia, primeiro é preciso compreender as moléculas de uma substância encontrada na natureza para eventualmente poder sintetizá-las – e nesse caso ainda não passamos desse estágio”, afirma Clarice Madruga.
“São necessários mais ensaios prévios e ensaios controlados randomizados para que se possa reproduzir as moléculas de forma controlada e em dose terapêutica.”
Segundo a psicóloga, o uso para fins terapêuticos sem acompanhamento pode ser perigoso, pois já se sabe que parte da população pode apresentar maior vulnerabilidade diante dessas substâncias.
“Precisamos entender o que é o uso terapêutico de uma substância. Não pode ser algo subjetivo, como alguém que de forma autônoma começa a usar cogumelos e julga que lhe faz bem.”
O neurocientista Renato Filev também alerta para o risco de intoxicação alimentar quando os cogumelos são coletados diretamente da natureza por pessoas sem conhecimento para o tema. Além disso, algumas espécies de cogumelos podem ser venenosas.
O psicólogo afirma, porém, que diferente de outras drogas ilícitas e até do próprio álcool, os cogumelos têm baixíssimo potencial para a adicção.
“Nenhum psicodélico clássico tende a levar a um transtorno por uso da substância, pois produzem um quadro de tolerância após dias consecutivos de consumo que acaba evitando o consumo compulsivo”, explica.
“E os cogumelos em especial, pelas próprias características do efeito provocado, que pode ser desafiador para algumas pessoas, não tende a levar à compulsividade.”
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