Militares dos Estados Unidos entregaram no fim de semana mais de 1 milhão de garrafas de água mineral em Jackson, uma cidade do Estado de Mississippi em que milhares de pessoas acabaram ficando sem água potável.
Estima-se que a falta d’água afete mais de 200 mil pessoas. O problema começou há cinco dias, logo depois que uma série de inundações afetaram uma estação de tratamento de água na região.
Segundo as autoridades, os trabalhos para restabelecer o abastecimento estão em andamento. Mas ainda não há previsão oficial para a situação se resolver.
Enquanto isso, a população enfrenta dificuldades para realizar tarefas cotidianas, como dar descarga, cozinhar, lavar a louça e tomar banho. E isso tudo em meio a uma forte onda de calor.
“Tem sido horrível ficar sem água”, disse Shirley Barnes à BBC enquanto fazia fila num mercado local para comprar mais garrafas. “É como viver nas cavernas. Nunca pensei que estaria nesta situação, mas aqui estamos.”
Atualmente, alguns moradores nem têm pressão de água suficiente para dar descarga e precisam usar banheiros químicos que foram espalhados pela cidade.
Diversos voluntários se juntaram à Guarda Nacional para entregar água para os residentes de Jackson, que aguardam em longas filas sob um calor que passa de 30ºC. Sem água, muitas escolas precisaram fechar as portas, afetando também o acesso de alunos mais pobres à alimentação.
“Atualmente eles não podem se reunir para a aula porque não há água para cozinhar ou para os banheiros. E às vezes, essa é a única comida que os alunos têm, é o que eles comem no café da manhã e no almoço na escola”, afirmou à BBC Debbie Upchurch, mãe de uma professora da cidade.
‘Racismo ambiental’
“Estamos todos juntos passando por essa crise”, afirma Ryan Bell, residente de Jackson. Mas ele reconhece que parte da população dessa cidade de maioria negra já enfrentava problemas para acesso a água potável antes mesmos das inundanções atingirem a unidade de tratamento.
“É um problema recorrente. Temos uma infraestrutura velha numa cidade bastante antiga.”
Há também desigualdade no restabelecimento gradual do abastecimento de água, à medida que o conserto progride. A pressão da água foi restabelecida em residências e empresas próximas à estação de tratamento, mas as edificações mais distantes ainda têm pouca ou nenhuma pressão da água.
“Temos uma estação de tratamento de água obsoleta para a qual nenhuma autoridade dá atenção há anos”, afirma o professor Edmund Merem, especialista em planejamento urbano e estudos ambientais da Universidade Estadual em Jackson.
Para Merem, há outro fator que desviou a atenção e o financiamento da infraestrutura hídrica em ruínas de Jackson: o racismo.
Especialistas e ativistas dizem que o que está acontecendo em Jackson e em cidades como Flint (Michigan), onde o abastecimento de água foi afetado por uma contaminação por chumbo, é um legado direto de gerações de discriminação e segregação racial.
“Esta é uma situação profunda que está em construção há décadas”, diz Arielle King, advogada e ativista ambiental. “A história da segregação racial neste país contribuiu profundamente para as injustiças ambientais que vemos agora.”
King menciona como exemplo o chamado “redlining”, que começou na década de 1940 quando o governo negou hipotecas e empréstimos a negros por serem considerados “muito arriscados (de darem calote)”.
O programa durou mais de 40 anos e, como resultado, diz King, comunidades predominantemente negras e de baixa renda se concentraram em áreas com indústrias poluidoras, aterros sanitários, refinarias de petróleo e estações de tratamento de esgoto.
E essas áreas, afirma King, existem e sofrem com essas consequências até hoje.
Ela cita áreas dos EUA como o chamado Corredor do Câncer, que já abrigou extensas plantações da Louisiana ao longo do rio Mississippi e agora é a espinha dorsal industrial de mais de 150 refinarias de petróleo.
Durante décadas, moradores predominantemente negros sofreram com algumas das maiores taxas de câncer do país devido à poluição.
King diz que o legado desse tipo de racismo ambiental, juntamente com décadas de falta de investimento em áreas de baixa renda, está por trás da situação trágica de Jackson.
“Você pode dizer que existem diferentes fatores que levam às inundações, mas as pessoas não estariam sujeitas a áreas suscetíveis a inundações se não tivessem sido submetidas à política de ‘linhas vermelhas'”, afirma King.
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