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Síndrome de Down é uma doença genética em que uma pessoa tem um cromossomo extra

O número de nascimentos de crianças com síndrome de Down na Europa tem caído de forma significativa em relação às proporções do passado.

Tal fenômeno pode ser explicado por um conjunto de fatores, envolvendo principalmente o direito das mulheres.

Por isso mesmo, a questão se tornou central na disputa entre grupos pró e anti-aborto.

A tendência foi estudada especialmente no continente.

No início da década de 1980, um a cada 800 bebês nascia com síndrome de Down.

À medida em que as mulheres passaram a ter filhos mais tarde ao longo das quatro décadas seguintes, essa proporção passou a ser de uma a cada 460 bebês, pois quanto mais velha é a mãe, maiores as chances de o feto desenvolver essa doença genética, que pode causar graus variados de deficiência intelectual, bem como problemas cardíacos, digestivos e em outros órgãos.

No entanto, os avanços tecnológicos, que permitem detectar a síndrome de Down e outras anomalias do útero, somados à legalização do aborto na maioria dos países europeus, têm levado cada vez mais mulheres a optarem por interromper a gravidez quando a trissomia 21, nome formal da síndrome (que causa três cópias do cromossomo 21), é diagnosticada.

“Os países não mantêm um registro de quantos abortos são realizados porque o feto tem Down”, explica um porta-voz da Down Syndrome International, entidade de apoio a pessoas com síndrome de Down, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

No entanto, um grupo de prestigiados especialistas nesta área encontrou uma forma de elaborar essa estimativa, e concluiu que na Europa, na última década, 54% das gravidezes em que o feto tinha Down foram interrompidas.

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Islândia não é o país com a maior taxa de abortos devido a Down, como muitos acreditam. Na verdade, está em 11º lugar no ranking europeu

Esse número é uma média e varia fortemente entre os países. Em alguns, ocorrem abortos espontâneos em oito das dez gestações nas quais a síndrome é detectada.

Se compararmos com a década de 1980, quando começaram a ser usados os exames de triagem pré-natal, veremos como foi drástica a queda na porcentagem de crianças nascidas com Down.

Naquela época, 90% das mulheres grávidas que esperavam crianças com Down davam à luz. Na última década, esse número caiu pela metade.

“Em outras palavras, isso significa que nos últimos anos houve 50% menos bebês com síndrome de Down do que poderiam ter nascido na Europa”, diz o estudo pioneiro realizado pelo holandês Gert de Graaf, o britânico Frank Buckley e o americano Brian Skotko.

Segundo a pesquisa, a Espanha foi onde os abortos de bebês em gestação com essa alteração mais aumentaram. Estima-se que no período 2011-2015, 83% das gestações com Down naquele país não foram concluídas.

Na Islândia — que alguns acusaram de tentar “eliminar a síndrome de Down” devido aos poucos nascimentos de crianças com a síndrome — esse número foi de 69%.

A proporção de abortos seletivos foi maior nos países do sul da Europa (72%) do que nos países nórdicos (51%) e no leste europeu (38%).

Questionado sobre a situação em outras regiões do mundo, inclusive na América Latina, Skotko explicou que ainda não há dados oficiais suficientes para realizar o levantamento nesses locais.

(A metodologia que embasou o estudo está no fim desta reportagem).

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Até 95% das mulheres grávidas na Espanha com testes positivos para síndrome de Down optam por abortar, diz diretor da Down Spain

‘Crianças Ideais’

Agustín Matía Amor é diretor administrativo da organização Down Spain, e acredita que é provável que as taxas citadas no estudo europeu tenham aumentado significativamente nos últimos anos.

“Hoje, dos 100% das crianças espanholas com Down que poderiam nascer, entre 90% e 95% não nascem”, aponta, citando estatísticas coletadas por sua entidade, que está preparando seu próprio estudo sobre a taxa de natalidade de pessoas com Down junto com a Universidade de Salamanca, na Espanha.

Essa queda fez com que a proporção de bebês com doença de Down caísse de 1 em 800 na década de 1980 para 1 em 2000 hoje, diz ele.

“É a mesma proporção que as doenças genéticas raras têm, o que significa que, de fato, hoje ter síndrome de Down na Espanha é considerado tão incomum quanto ter uma doença rara”.

Matía Amor considera que dois dos fatores que ajudam a explicar por que a Espanha lidera o ranking é a combinação do acesso a tecnologias de diagnóstico pré-natal de altíssimo nível com a legislação que permite estender os prazos para a realização de um aborto até 22 semanas em caso de “anomalias fetais”, algo que tem sido duramente questionado por organizações que defendem os direitos das pessoas com deficiência.

No entanto, Matía Amor não acredita que o acesso ao aborto por si só explique a queda acentuada de nascimentos de pessoas com síndrome de Down em seu país, nem vê “o maior ônus econômico que ter um filho significa para a família” como uma causa fundamental.

Para ele e seus colegas, há outras razões.

“A Espanha viveu uma mudança social muito grande nos anos 80. As pessoas começaram a ter muitos poucos filhos e estes se tornaram o maior capital de uma família. Assim, os pais idealizaram a criança que querem ter e essa forma de pensar se choca com a possibilidade de que uma criança nasça com deficiência intelectual”, diz ele.

“A sociedade em geral assume que a deficiência intelectual é o grande obstáculo para uma vida plena e aceita com bastante naturalidade que uma pessoa com síndrome de Down seja, no fundo, uma pessoa menos digna de viver.”

Mesmo assim, Matía Amor não acredita que a síndrome de Down desaparecerá por completo.

“Na Espanha, entre 5% e 10% das mulheres grávidas optam por não realizar exames pré-natais; por isso, devemos desconfiar dessas manchetes que alertam sobre o desaparecimento da síndrome de Down”, diz.

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Blanca San Segundo formou-se como terapeuta ocupacional na Universidade Católica de Valência e escreveu sobre suas experiências em livro autobiográfico

‘Me dá pena’

Mas além dos números, o debate sobre encorajar ou não as mães a ter um bebê com síndrome de Down não é novo.

E vem crescendo junto com o desenvolvimento de novas metodologias para detectar a presença da síndrome, com a legalização do aborto em mais países e o aumento da qualidade de vida de pessoas com Down.

Skotko aponta que os avanços médicos permitiram que as pessoas com Down vivessem muito mais anos (a expectativa de vida hoje é de cerca de 60 anos, mais que o dobro dos anos 80).

E esse aumento da expectativa de vida cria o paradoxo de que, mesmo com a queda acentuada nas taxas de natalidade, a comunidade de pessoas com Down é maior do que nunca na Europa, aponta Matía Amor.

E mais vociferante.

Blanca San Segundo foi a primeira mulher com síndrome de Down a obter um diploma universitário na Espanha. Aos 33 anos, ela é professora de apoio numa escola inclusiva e terapeuta ocupacional.

“Parece-me que há menos crianças com síndrome de Down. Por exemplo, na escola onde trabalho agora não há”, observa San Segundo.

“Não estou surpresa de que haja menos nascimentos, mas isso me deixa triste”, diz ela. “Gostaria que houvesse mais meninos e meninas com deficiência porque sempre aprendemos (com eles), mesmo que isso seja custoso.”

“Somos pessoas muito valiosas com muitas capacidades, e a sociedade tem que ver isso”, acrescenta.

“Acho que se a comunidade diminuísse, duas coisas poderiam acontecer: a primeira é que a sociedade se esqueceria do assunto, o que levaria a uma sociedade mais classista, menos solidária, mais egoísta.”

“A outra possibilidade é que, como há menos pessoas com síndrome de Down, a sociedade se volta para ajudá-las a levar uma vida melhor.”

“Espero que a sociedade evolua para melhor e estou confiante e esperançosa que isso aconteça.”

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Heidi Crowter faz campanha por mudanças na lei do Reino Unido

Um mundo sem Down?

Heidi Crowter, uma britânica com síndrome de Down que faz campanha por mudanças na lei do Reino Unido que permite o aborto por esse motivo até o dia do parto, também acredita que as percepções sobre as pessoas com Down precisam mudar.

“Você tem que parar de encarar a síndrome de Down com as lentes do passado e passar a vê-la de uma forma mais nova e positiva”, diz.

É uma visão compartilhada por Sally Phillips, uma comediante britânica e mãe de um filho com síndrome de Down.

Alguns anos atrás, Phillips apresentou um documentário da BBC intitulado “Um mundo sem síndrome de Down?”. Nele, ela questiona em que tipo de sociedade queremos viver e quem achamos que deveria ter permissão para viver nela.

“Se estamos caminhando para um mundo onde cada vez mais pessoas podem escolher quem nasce”, diz ela, referindo-se aos avanços nos testes de detecção precoce para todos os tipos de condições, não apenas para Down, “precisamos pensar sobre o que valorizamos.”

“E à medida que nosso poder de escolha aumenta, quem são as pessoas que a sociedade pode deixar para trás?”, questiona.

“Há um grande valor no que não é perfeito. Se houver uma rachadura, é por aí que a luz pode passar. E as imperfeições são o lugar onde a humanidade se torna mais visível.”

Fora da Europa, uma das vozes mais respeitadas é a da ativista americana com síndrome de Down Karen Gaffney, que passou décadas incentivando a discussão e derrubando estereótipos.

Em uma eloquente palestra TED, Gaffney pede ao público que reflita sobre o que o futuro reserva para pessoas como ela em um mundo onde os testes pré-natais estão na ordem do dia.

No vídeo, ela se lembra de ter ouvido o pai falar sobre as recomendações que o médico lhe deu após o nascimento. Ele havia sugerido interná-la, prevendo que, com sorte, a criança seria capaz de amarrar os cadarços ou escrever o próprio nome.

“Esqueceu de falar no Canal da Mancha”, diz aos risos, referindo-se ao feito de 2001, quando se tornou a primeira pessoa com síndrome de Down a cruzar o canal, que divide o Reino Unido do continente europeu.

Gaffney enfatiza que mais e mais jovens com síndrome de Down estão se formando no ensino médio, enquanto outros continuam no ensino superior e aprendendo habilidades úteis para o trabalho.

“Existem músicos, artistas, jogadores de golfe, modelos, atores e palestrantes, além de bons empregadores que fazem contribuições significativas para suas empresas e comunidades”, diz ele.

“Todos esses são modelos do que você pode fazer apesar de ter um cromossomo extra.”

“Cada vida tem valor, cada vida importa, além do número de cromossomos que temos”, conclui a ativista.

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Sally Phillips com seu filho Olli

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Geneticista médico americano Brian Skotko (aqui com sua irmã Kristin) trabalhou junto com dois importantes colegas europeus para produzir dados até então inexistentes

O estudo

O estudo de De Graaf, Buckley e Skotko, publicado na revista científica European Journal of Human Genetics em 2020, e atualizado no final de 2022, é o primeiro que conseguiu estimar o impacto que os abortos seletivos tiveram sobre o nascimento de crianças com síndrome de Down.

Um dos autores, Brian Skotko, é diretor do Programa de Síndrome de Down do Hospital Geral de Massachusetts e professor-associado da Escola Médica da Universidade de Harvard, nos EUA.

Ele explicou à BBC News Mundo sobre a metodologia.

“Como não há estatísticas oficiais sobre o assunto, usamos informações de diferentes países sobre a idade materna para calcular quantas crianças foram concebidas com Down”.

“Sabemos que as chances de conceber um bebê com Down variam de acordo com a idade, e essas estatísticas se mantiveram constantes ao longo do tempo. Então, com base na idade das mães, estimamos quantas dessas concepções foram de crianças com Down”, explica o especialista.

Ao comparar esse número com os registros de nascimento de bebês com síndrome de Down, foi possível determinar quantas gestações foram interrompidas.

Para se ter uma ideia de como o cenário mudou, foram comparados os períodos de 1981-1985 e 2011-2015 (os números oficiais mais recentes que obtiveram).

Os especialistas determinaram, portanto, que se “não houvesse triagem pré-natal e abortos seletivos, as taxas de nascidos vivos (com síndrome de Down) em toda a Europa hoje seriam mais do que o dobro dos níveis atuais”.

Skotko esclareceu, no entanto, que embora a taxa de aborto tenha aumentado de 10% para mais de 50% durante esse período, o número de concepções de crianças com Down aumentou tanto durante esse período (73%) que compensou a queda nos nascimentos.

Em outras palavras: o aumento progressivo da idade materna levou a tantas gestações de fetos com síndrome de Down que, ainda que mais da metade dessas gestações tenham sido interrompidas, a taxa de natalidade acabou sendo apenas 11% inferior à dos anos 80.

No entanto, muitos acreditam que nos oito anos desde 2015, quando foram coletados os últimos dados usados no estudo, a taxa de natalidade de crianças com síndrome de Down caiu muito mais.

Por quê? Porque depois dessa data, um método mais moderno para detectar a síndrome de Down começou a ser adotado na Europa: o teste pré-natal não invasivo (NIPT), que permite a confirmação do distúrbio sem os riscos dos procedimentos anteriores.

Segundo os dados que aparecem no estudo, estes são os 10 países europeus com maior taxa de interrupção da gravidez devido à síndrome de Down:

Espanha (83%)

Portugal (80%),

Dinamarca (79%)

República Tcheca (77%)

Eslovênia (76%)

Estônia (76%)

Bulgária (74%)

Itália (71%)

Bélgica (70%)

Islândia (69%)