• Author, Andy Verity
  • Role, Da BBC News

A filha de um ditador gastou US$ 240 milhões (cerca de R$ 1,25 bilhão) comprando propriedades em diversos locais do mundo, que variam de Londres até Hong Kong, na China, segundo denúncia da organização Freedom for Eurasia.

Gulnara Karimova, que também foi “pop star” e diplomata, é filha de Islam Karimov, que foi presidente do Uzbequistão de 1990 até sua morte, em 2016.

O relatório da organização indica que ela usou companhias britânicas para comprar casas e um jato particular com fundos obtidos por meio de suborno e corrupção.

A organização afirma ainda que escritórios de contabilidade de Londres e das Ilhas Virgens Britânicas trabalharam para as companhias britânicas envolvidas nas negociações.

Esta nova denúncia levanta mais dúvidas sobre os esforços do Reino Unido para combater a riqueza ilegal.

Há muito tempo, autoridades britânicas vêm sendo acusadas de não fazerem o suficiente para evitar que criminosos estrangeiros usem propriedades no Reino Unido para lavar dinheiro.

O relatório afirma que Karimova conseguiu comprar imóveis no Reino Unido com uma facilidade “preocupante”.

Não há indicação de que as pessoas que representavam as companhias soubessem de alguma relação dela com as compras, nem que a fonte do dinheiro poderia ser suspeita. Nenhum prestador de serviços no Reino Unido foi investigado, nem multado.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Gulnara Karimova em Mônaco, em 2012

Organização criminosa

Gulnara Karimova chegou a ser cogitada, por algum tempo, para suceder seu pai na presidência do país, localizado na Ásia central.

Ela aparecia em vídeos pop com o nome artístico Googoosha, dirigiu uma joalheria e foi embaixadora do Uzbequistão na Espanha. Mas ela desapareceu da vida pública em 2014.

Posteriormente, surgiram notícias de que Karimova havia sido detida por acusações de corrupção enquanto seu pai ainda estava no poder e foi condenada em 2017. Dois anos depois, ela passou a cumprir sua pena na cadeia, por descumprir os termos da sua prisão domiciliar.

Os procuradores a acusaram de fazer parte de um grupo criminoso que controlava mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,2 bilhões) em ativos de 12 países, incluindo o Reino Unido, a Rússia e os Emirados Árabes Unidos.

“O caso de Karimova é um dos maiores casos de suborno e corrupção de todos os tempos”, afirma Tom Mayne, pesquisador da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Ele participou da pesquisa do relatório da Freedom for Eurasia.

Mas Karimova e seus associados já venderam alguns dos imóveis supostamente adquiridos com fundos provenientes da corrupção.

A Freedom for Eurasia pesquisou os registros de imóveis e identificou pelo menos 14 propriedades que, segundo a organização, foram adquiridas por ela antes da prisão, supostamente com fundos de origem suspeita. Os imóveis ficam em vários países, incluindo o Reino Unido, Suíça, França, Dubai e Hong Kong.

Intitulado Who Enabled the Uzbek Princess? (“Quem viabilizou a princesa uzbeque?”, em tradução livre), o relatório concentra-se em cinco imóveis comprados na região de Londres, com valor atual estimado de 50 milhões de libras (cerca de R$ 314,5 milhões).

Estes imóveis incluem três apartamentos em Belgravia, a pouca distância do Palácio de Buckingham, uma casa em Mayfair (Westminster) e uma mansão na área rural de Surrey, a sudoeste de Londres, com um lago particular, que vale 18 milhões de libras (cerca de R$ 113,2 milhões).

Dois dos apartamentos em Belgravia foram vendidos em 2013, antes da prisão de Karimova. Em 2017, a casa de Mayfair, a mansão de Surrey e um terceiro apartamento em Belgravia foram congelados pelo Serious Fraud Office, o escritório de combate a fraudes do Reino Unido.

O relatório da Freedom for Eurasia também indica companhias em Londres e nas Ilhas Virgens Britânicas que teriam sido usadas por Karimova ou seus associados para permitir que eles gastassem rendimentos obtidos de forma criminosa na compra dos imóveis e de um jato particular.

O namorado de Karimova, Rustam Madumarov, e outros que supostamente são seus associados são indicados nos documentos oficiais como “proprietários beneficiários” – uma expressão legal que designa a pessoa que, de fato, está no controle – de companhias sediadas no Reino Unido, Gibraltar e nas Ilhas Virgens Britânicas.

Mas o relatório afirma que eles eram apenas procuradores de Karimova, que usava as firmas para lavar centenas de milhões de dólares.

Os serviços de contabilidade de duas companhias britânicas ligadas a Karimova – a Panally Ltd. e a Odenton Management Ltd. – foram prestados pela SH Landes LLP, um escritório antes localizado na New Oxford Street, em Londres.

Crédito, Freedom for Eurasia

Legenda da foto,

Imóvel que pertenceu a Karimova em Mayfair, Londres, agora confiscado pelo escritório de combate a fraudes do Reino Unido

No final de julho de 2010, a SH Landes tentou registrar ou adquirir outra companhia. O objetivo era comprar um jato privado por cerca de US$ 40 milhões (cerca de R$ 208,8 milhões).

Madumarov seria indicado como proprietário beneficiário. Mas, segundo o relatório, na verdade, Karimova estava por trás da compra.

Questionada na época sobre a fonte dos fundos, a SH Landes respondeu: “acreditamos que a questão relativa à sua riqueza pessoal não é relevante nesta situação”.

Aparentemente, a resposta se referia ao fato de que o dinheiro para comprar o jato não estava sendo fornecido por Madumarov, dos seus fundos pessoais.

A empresa londrina afirmou posteriormente que a riqueza de Madumarov veio, em parte, de uma companhia de telefonia móvel com sede no Uzbequistão, chamada Uzdonrobita.

Já foram levantadas questões sobre as possíveis ligações entre aquela empresa e Karimova. Em 2004, uma reportagem do jornal Moscow Times afirmou que Karimova desviou cerca de US$ 20 milhões (cerca de R$ 104,4 milhões) da Uzdonrobita, usando faturas fraudulentas. Um ex-consultor também havia acusado Karimova de extorsão.

Como se tratava de uma transação de valor elevado relacionada a uma jurisdição de alto risco como o Uzbequistão, o relatório argumenta que a SH Landes deveria ter realizado “diligência devida mais profunda”, com verificações completas dos antecedentes, para garantir que a fonte dos fundos era legítima e não derivada de atividades criminosas.

A SH Landes também apresentou o balanço de 2012 da Panally Ltd. O relatório afirma que o balanço foi assinado em setembro de 2013 por uma associada próxima de Karimova – Gayane Avakyan, na época com 30 anos de idade.

No ano anterior, a BBC havia publicado alegações de que Avakyan era a proprietária beneficiária registrada da Takilant, uma companhia registrada em Gibraltar envolvida em “uma fraude multimilionária de alto nível e um escândalo de corrupção no Uzbequistão”.

Em declaração à BBC, Steven Landes afirmou: “A SH Landes LLP nunca foi contratada por Gulnara Karimova. A SH Landes LLP agiu em nome de Rustam Madumarov”.

“A SH Landes LLP realizou a diligência devida sobre todos os seus clientes e as autoridades regulatórias relevantes foram notificadas e mantidas informadas”, segundo ele.

Tom Mayne, da Freedom for Eurasia, afirma que a aparente facilidade com que Karimova conseguiu comprar tantas propriedades no Reino Unido é preocupante.

“As autoridades só tomaram alguma medida em 2017, anos depois que outros países já haviam congelado contas bancárias e propriedades pertencentes a ela”, acrescenta Mayne.

– Este texto foi publicado em