- Author, Mariana Schreiber
- Role, BBC News Brasil em Brasília
- Twitter, @marischreiber
O país foi invadido em fevereiro de 2022 pela Rússia e passou a receber doações de armamentos dos Estados Unidos e de nações europeias para sua defesa. Em viagem à China em abril, Lula disse que esses doadores estariam, assim, incentivando o conflito, enquanto esses governos argumentam que a Ucrânia seria massacrada pela Rússia sem seu apoio.
Um porta-voz do governo americano chegou a dizer na ocasião que a posição brasileira era “profundamente problemática” e que o país estaria “papagueando (repetindo automaticamente) propaganda russa e chinesa” sobre a guerra, acusação que Amorim classificou como algo “totalmente absurdo”.
Pressionado nos dois lados por grandes potências, a decisão de Lula de agora enviar Amorim a Kiev é vista como uma forma de tentar reequilibrar a posição do Brasil no conflito. O país tem defendido um “clube da paz” com países neutros para mediar um acordo que interrompa a guerra, algo considerado bastante difícil por especialistas.
Apesar da pretensão brasileira de mediar negociações de paz entre os dois lados, o secretário especial não esteve em Kiev na ocasião, o que gerou críticas. Nesta terça, Lula disse esperar que Amorim traga de Kiev “indícios de soluções”.
“Hoje (terça) Amorim chegou na Ucrânia. Ele já tinha ido à Rússia. Espero que o Celso me traga não a solução, que ele me traga indícios de soluções para que a gente possa começar a conversar sobre paz. A gente sabe o que Putin quer, ele agora vai saber o que quer o Zelensky. Vamos ter instrumentos para conversar com outros países e construir, quem sabe, a possibilidade de parar essa guerra”, afirmou o presidente, ao lado do primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, que esteve em Brasília em visita oficial.
Lula também voltou a condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia. Essa já era a posição adotada formalmente pelo Brasil na ONU, ao apoiar resoluções contra a violação do território ucraniano, mas passou a aparecer com mais ênfase nas falas do presidente após o mal-estar com as potências ocidentais.
“Ucrânia não pode aceitar ocupação do território, tem que resistir. União Europeia tem sua razão. Brasil e outros países têm sua razão de tentar encontrar um meio-termo”, disse ainda Lula nesta terça.
Relutância em visitar Kiev?
Lula e Zelensky conversaram por telefone no início de março, ocasião em que o presidente brasileiro foi convidado a visitar Kiev. Apesar disso, Amorim, ex-chanceler nos primeiros governos do petista e seu assessor direto para assuntos internacionais hoje, optou por visitar apenas Moscou em abril.
Questionado a respeito, em uma entrevista ao canal GloboNews, Amorim destacou a dificuldade de transporte até a capital ucraniana, em meio à guerra, mas também criticou o caráter do convite ucraniano, que não seria focado em dialogar, mas em mostrar os impactos da guerra no país.
“Estamos dispostos a conversar com quem quer que seja. Agora, cada vez que surge um convite, não é um convite para conversar, é um convite para ir lá ver a guerra. Nós sabemos que a guerra é uma coisa terrível. Nós vimos a guerra do Vietnã, nós vimos as guerras no Afeganistão, vimos a invasão do Iraque, vimos tudo isso. Não estou diminuindo a importância nem a tragédia do povo ucraniano. Os convites são sempre dessa forma”, disse Amorim ao canal, citando conflitos envolvendo os Estados Unidos.
A fala ocorreu no mesmo dia que o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores ucraniano, Oleg Nikolenko, reagiu às declarações de Lula na China em uma publicação no Facebook.
Na postagem, ele reforçou o convite para Lula visitar seu país e “compreender as verdadeiras causas e a natureza da agressão russa e as suas consequências para a segurança global”.
Nikolenko também disse que a Ucrânia “observa com interesse” os esforços do Brasil pela paz, mas criticou “a abordagem que coloca a vítima e o agressor na mesma escala e acusa os países que ajudam a Ucrânia a defender-se contra a agressão mortal de encorajar a guerra”.
Na China, a fala de Lula havia sido: “É preciso que os EUA parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz pra que a gente possa convencer o Putin e o Zelensky de que a paz interessa a todo mundo e a guerra só está interessando, por enquanto, aos dois”.
Antes, Lula já havia afirmado que a Ucrânia poderia ceder a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, em nome da paz, proposta totalmente rechaçada por Kiev.
O delicado equilíbrio brasileiro
A invasão russa à Ucrânia começou em 24 de fevereiro de 2022.
Um dos argumentos usados pelo lado russo para tentar justificar o ataque seria impedir o que classifica de cerco à sua fronteira com a possível adesão da Ucrânia à Otan — aliança militar de 30 países liderada por potências ocidentais, que se expandiu pelo Leste Europeu, incluindo hoje 14 países do ex-bloco comunista.
Putin acusa ainda, sem provas, o governo ucraniano de genocídio contra ucranianos de origem étnica russa que vivem nas regiões separatistas de Donetsk e Luhansk. Ele alega que a invasão tenta “desmilitarizar e desnazificar” a Ucrânia.
Por outro lado, a Ucrânia e outros observadores veem na guerra uma tentativa da Rússia restabelecer a zona de controle e influência da antiga União Soviética, algo visto como desrespeito à soberania da Ucrânia, que deveria ter o direito de decidir seu destino e suas alianças.
Em meio a esse delicado conflito, que divide grandes potências, o Itamaraty tem mantido equilíbrio em suas posições na ONU. O Brasil apoiou, por exemplo, duas resoluções das Nações Unidas contra a ação russa. A mais recente, de fevereiro, condenava a invasão territorial ucraniana e exigia a imediata retirada das tropas russas.
Essa resolução obteve 141 votos a favor, sete contra e 32 abstenções entre os 193 Estados-membros da ONU. Os países que votaram contra o texto foram Rússia, Belarus, Síria, Coreia do Norte, Eritreia, Mali e Nicarágua. Entre os que se abstiveram estavam China, Índia, Moçambique, Angola e Cuba.
A posição brasileira foi coerente com sua tradição de seguir os princípios previstos na Carta da ONU, de respeito à integridade territorial dos países, de promoção à paz e de evitar agressões entre as nações. O documento, assinado pelo Brasil em 1945, é o tratado que estabeleceu as Nações Unidas.
Por outro lado, o respeito à Carta também explica a decisão do Brasil de não apoiar as sanções impostas pelas potências ocidentais à Rússia. Segundo a interpretação do Itamaraty sobre esse documento, sanções internacionais só são legais se aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.
Países desenvolvidos, porém, discordam dessa interpretação e lembram que não seria possível aprovar sanções no Conselho de Segurança contra a Rússia porque o país é membro permanente e tem poder de veto.
“Ao Brasil interessa que sanções sejam limitadas ao mecanismo de segurança coletiva porque não tem capacidade de aplicar sanções unilaterais e teme ser alvo desse tipo de medida. Já os países poderosos não temem ser alvos e são capazes de aplicar sanções dolorosas aos demais”, disse à BBC News Brasil um diplomata brasileiro.
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