Joshua sabe que ter seu trabalho monitorado é parte do seu emprego.
Seu empregador, uma corretora do mercado financeiro com sede em Londres, usa um sistema de software que rastreia automaticamente sua atividade. O sobrenome de Joshua foi omitido para proteger sua segurança no trabalho.
Todos os detalhes do seu computador de trabalho foram otimizados para permitir seu monitoramento: desde o tempo para o desligamento da tela, definido na menor configuração para que o patrão possa verificar com mais facilidade se ele está ocioso, até uma ferramenta de bate-papo instantâneo, projetada especificamente para uso em qualquer comunicação com os colegas.
Ele trabalha de casa com a premissa de que o seu patrão pode verificar qualquer login ou toque no teclado ou no mouse.
Joshua afirma que está tão acostumado a ser rastreado que muitas vezes se esquece disso. “Os bancos de investimento geralmente operam sob paranoia. Os dados que manuseamos são tão sensíveis que qualquer funcionário insatisfeito pode causar grandes danos”, segundo ele.
Embora ele nunca tenha sido explicitamente informado que está sendo monitorado, Joshua explica que isso é comum no seu setor. A legislação do Reino Unido exige que as empresas do setor financeiro tenham um programa de vigilância. E, nos Estados Unidos, as instituições financeiras são obrigadas a manter registro de todas as comunicações relacionadas ao trabalho.
Para Joshua, isso cria uma cultura de trabalho onde qualquer passo em falso pode ser identificado e punido, graças à tecnologia de monitoramento.
“Você precisa entender que tudo o que você escreve está sendo lido pela gerência”, explica ele. “Tudo está bem até o dia em que você é pego desprevenido e é demitido por dizer algo considerado inadequado.”
O monitoramento dos funcionários existe há algum tempo sob vários disfarces, desde o registro do tempo no chão de fábrica até a coleta de dados dos trabalhadores em setores fortemente regulamentados, como o financeiro.
Mas o software de vigilância, muitas vezes com natureza clandestina, começou a se infiltrar nos trabalhos administrativos em meio à pandemia, espalhando-se entre os setores que tradicionalmente não exigiam o rastreamento escrupuloso dos funcionários.
Agora, com os padrões de trabalho remoto e híbrido tornando-se cada vez mais comuns, os empregadores buscam gerenciar os resultados e as equipes com software de monitoramento.
Embora isso possa ajudar a permitir a colaboração fora do escritório, em alguns casos, essas ferramentas de vigilância podem também ser implementadas em meio ao receio de de que os funcionários não farão seu trabalho longe dos olhares dos patrões.
Mas, e se os funcionários começarem a não gostar de ser vigiados, isso poderá destruir sua confiança e motivação? Ou o problema não é necessariamente a tecnologia, mas sim a forma como ela está sendo implementada?
O aumento da vigilância dos funcionários
Desde a vigilância nas lojas até o monitoramento em call centers, alguns patrões utilizam a tecnologia há muito tempo para vigiar seus funcionários, seja por questões de segurança ou de desempenho.
Scott Walker, diretor-gerente da empresa britânica de recursos humanos XpertHR, afirma que os funcionários desses setores tendem a aceitar mais o monitoramento, pois a sua importância para os negócios se estabeleceu há muito tempo.
“Em certos ambientes de trabalho, como os call centers, o monitoramento é usado para fins de treinamento. Em outros setores que precisam atender a exigências legais, a coleta de dados [também] faz sentido”, segundo ele.
Mas a pandemia disparou o uso indiscriminado do monitoramento dos funcionários. À medida que as equipes começaram a trabalhar em casa, alguns patrões instalaram software de vigilância para acompanhar sua produtividade.
Um estudo de dezembro de 2021 com mais de 2.209 trabalhadores no Reino Unido concluiu que 60% deles acreditavam terem sido submetidos a algum tipo de vigilância e monitoramento no seu emprego atual ou no mais recente, em comparação com 53% em 2020.
O uso dessas ferramentas de monitoramento cresceu mesmo quando grande parte dos empregados retornou ao escritório em tempo integral ou parcial. A empresa de consultoria Gartner afirma que o percentual de empregadores norte-americanos de médio e grande porte que usam ferramentas de monitoramento dobrou para 60% desde março de 2020.
Segundo Brian Kropp, vice-presidente e chefe de pesquisa de RH do grupo Gartner, esse número deve atingir 70% nos próximos dois anos. “Originalmente, as empresas estavam preocupadas com as pessoas trabalhando em casa: ‘eles vão trabalhar ou apenas sentar e assistir à TV?'”, afirma ele. “As ferramentas de rastreamento foram introduzidas para monitorar a produtividade.”
Grande parte desse software de vigilância vem sendo instalada desde então nos computadores de trabalho, com ou sem o conhecimento dos funcionários. Apelidados de bossware (derivado de boss, ou “patrão” em inglês), diversos desses programas podem registrar toques no teclado, fazer cópias de tela e ativar secretamente as câmeras dos funcionários que trabalham em casa.
Muitas vezes, essa tecnologia passa despercebida, o que significa que os trabalhadores podem não saber que o seu patrão realmente os está espionando.
E, enquanto o trabalho remoto florescia, a vigilância também prosperava. Os funcionários de bancos de investimento, por exemplo, vêm se queixando de que isso está sendo feito dissimuladamente por meio de seus cartões de identificação e dados de presença.
O monitoramento estendeu-se até aos setores que não têm necessariamente histórico de rastreamento dos funcionários. Kate, por exemplo, trabalha para uma agência de design e marketing da Califórnia, nos Estados Unidos. Quando os funcionários começaram o trabalho remoto, foi instalado um dispositivo de rastreamento no seu computador.
Foi dito a ela que o software era um meio de controlar suas horas. Mas, além dos horários de acesso, ele controla as abas do seu navegador – e, periodicamente, também faz capturas de tela que são enviadas para a companhia para análise.
Kate – cujo sobrenome também é omitido – afirma que o software afeta seus intervalos. “Não sei ao certo por que a captura das minhas telas criando ilustrações é essencial para o meu trabalho. E o software realmente reduz a velocidade do meu computador”, explica ela.
“Fico nervosa até para assistir a um vídeo de cinco minutos no meu horário de almoço, porque tenho medo de que alguém veja uma captura de tela do YouTube e isso possa causar minha demissão.”
As consequências de longo prazo
Como era de se esperar, o rápido aumento do monitoramento dos funcionários vem corroendo as relações entre empregados e empregadores. À medida que aumenta a vigilância, a desconfiança dos trabalhadores também cresce.
Em uma pesquisa recente envolvendo 2 mil trabalhadores americanos remotos e híbridos, 59% deles relataram sentir estresse ou ansiedade com seu empregador observando suas atividades online.
Os principais fatores incluem imaginar constantemente se estão sendo observados e a pressão para trabalhar por mais tempo e fazer menos intervalos durante o dia. Quase a metade afirmou que a vigilância é violação da confiança.
Kropp afirma que a natureza dissimulada do monitoramento pode ser muito prejudicial para a confiança do funcionário. “De forma geral, os trabalhadores não estão muito animados com a ideia da vigilância”, segundo ele.
“Mas você pode responder às preocupações sendo honesto e transparente sobre os motivos por que está fazendo e como os dados estão sendo utilizados.”
“Quando a empresa não comunica e os funcionários descobrem que estão sendo monitorados, isso se torna um problema maior. Os funcionários ficam imaginando por que estão sendo observados e tendem a começar a acreditar que o seu empregador está ‘à sua caça'”, afirma Kropp.
Como cada vez mais empresas agora têm algum tipo de monitoramento, ficará cada vez mais difícil para os trabalhadores escolher empresas que não tenham alguma forma de vigilância dos funcionários, mesmo em meio à crise de contratação e à luta por talentos em alguns países.
As ferramentas remotas usadas pelos trabalhadores, por exemplo, estão sendo cada vez mais integradas à tecnologia de monitoramento. “Provavelmente, não teremos tecnologia separada para monitorar ou rastrear os funcionários no futuro”, afirma Kropp. “Ela ficará mais incorporada ao que fazemos e como trabalhamos. As [mesmas] ferramentas que usamos para trabalhar são aquelas que irão nos rastrear.”
Além disso, algumas empresas chegam a implementar o mesmo software rastreador da produtividade para monitorar o bem-estar dos trabalhadores, segundo Kropp: “A coleta de dados é essencialmente a mesma. Elas ainda procuram o mesmo tipo de coisas: uso do teclado, expressões faciais e sua interpretação, mas com a perspectiva de descobrir se alguém está trabalhando demais e se há risco de esgotamento.”
Alguns especialistas acreditam que a crescente onipresença do monitoramento dos trabalhadores, além do desconforto dos funcionários, poderá prejudicar o ambiente de trabalho.
“Mais que uma cultura de medo, pode ser criada uma cultura de falta de confiança”, afirma Kropp. “Essa falta de confiança torna tudo mais difícil para a organização conseguir fazer seu trabalho.”
Mas o problema não é necessariamente a tecnologia, mas sim como ela é implementada. Um certo grau de monitoramento pode, na verdade, ser benéfico para gerenciar o fluxo de trabalho e o ânimo dos funcionários, particularmente entre as equipes remotas e híbridas.
A startup de análise de dados Stellate, com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, possui uma equipe totalmente remota espalhada pelo mundo. Além das ferramentas de colaboração, ela rastreia o desenvolvimento dos funcionários com software de treinamento e tutoria.
“Você precisa reunir as equipes em torno das ideias e da intenção por trás do monitoramento, para conciliar o processo em seguida”, afirma Sue Odio, chefe de operações da Stellate. “É menos sobre o produto que você usa e mais sobre a intenção.”
Kropp acredita que, na próxima fase do trabalho híbrido, os empregadores definirão uma ética sobre se, quando e como o monitoramento deve ser implementado. Para ele, as orientações transparentes ajudarão os funcionários a escolher a empresa certa para eles.
“Algumas empresas poderão dizer que dão o máximo de autonomia e flexibilidade para o funcionário, com zero monitoramento e total confiança. Outras deixarão claro que existe maior vigilância e apresentarão o salário como sua proposta de valor”, segundo ele.
Joshua se acostumou com o registro das suas atividades.
“Antes, eu tinha sensores de calor e movimento instalados sob a minha mesa”, segundo ele.
“Agora, é mais sutil. Mesmo trabalhando remotamente, é muito fácil para eles saber o que estou fazendo, graças às ferramentas de monitoramento. Para mim, não é questão de justiça; é simplesmente uma consequência do processo.”
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