- Rebecca Morelle – @bbcmorelle
- Editora de Ciências da BBC News
Dois milhões de anos atrás, o Ártico era mais quente.
Hoje em dia, o norte da Groenlândia é um deserto polar. Mas o material genético extraído de amostras do solo revelou uma rica variedade de plantas e animais.
Os cientistas encontraram traços genéticos de animais parecidos com elefantes – os mastodontes, que perambulavam ao lado de renas e gansos entre as árvores da região, como bétulas e álamos, além de vida marinha como algas e caranguejos-ferradura.
A pesquisa foi publicada na revista Nature. Ela foi realizada em uma área conhecida como Formação Kap København, a parte mais ao norte da Groenlândia.
Antes deste estudo, era difícil observar como era a região dois milhões de anos atrás. Os fósseis de animais daquele período são extremamente raros por ali.
O professor Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e de Cambridge, no Reino Unido, conduziu os estudos. Ele afirma que essa mistura de espécies de climas temperados e do Ártico, vivendo lado a lado, não tem equivalente na era moderna.
“De fato, de Kap København, os únicos animais que já haviam sido descobertos com macrofósseis são o dente de uma lebre e um besouro-do-esterco”, explica o professor. “Por isso, as pessoas não tinham ideia do tipo de fauna que havia ali naquela época.”
Na falta de fósseis, a equipe concentrou-se no DNA ambiental, ou eDNA – o material genético perdido pelas plantas ou animais (de células da pele ou esterco, por exemplo) que se acumula no ambiente onde eles vivem.
Esta técnica vem sendo amplamente utilizada na conservação ambiental. Estudar o DNA em uma gota de água do mar, por exemplo, pode revelar todas as criaturas que viveram em um trecho de oceano, mesmo se você não conseguir observar os animais individualmente.
Na Groenlândia, os pesquisadores usaram amostras de solo antigo para voltar no tempo e estudar a biologia do Pleistoceno Inferior. Eles encontraram um ecossistema florestal, com arbustos do Ártico, ervas, samambaias e musgos crescendo entre as árvores.
Foi descoberto DNA de criaturas como roedores, renas e gansos, mas o mastodonte foi uma surpresa. Willerslev contou à BBC que, até então, ninguém havia encontrado parentes dos elefantes na Groenlândia.
“O que o estudo realmente nos diz é que a plasticidade dos organismos biológicos – em termos de onde eles podem viver e das plantas ou animais que podem viver junto com eles – é muito maior do que pensávamos”, afirma o professor.
Dois milhões de anos atrás, o norte da Groenlândia era muito mais quente do que é agora. A temperatura média anual era cerca de 11-19 °C mais alta.
Extrair e sequenciar o DNA do solo não foi fácil. Os pesquisadores levaram anos para desenvolver a melhor técnica a ser usada. Eles chegaram a pensar que o material genético talvez não conseguisse sobreviver por tanto tempo.
“Escrevi um relatório em 2005”, conta Willerslev, “dizendo que eu achava que o DNA não sobreviveria por mais de um milhão de anos e aqui estou com DNA de dois milhões de anos atrás”. O professor acredita que uma reação química entre o DNA e o solo reduziu a velocidade de degradação.
“O DNA é composto de moléculas eletricamente carregadas e muitos dos minerais que encontramos no solo também possuem carga elétrica”, explica ele. “Portanto, o DNA basicamente se unirá aos minerais sólidos e, quando isso acontece, ele reduz a velocidade de degradação espontânea.”
Se mais DNA ambiental remanescente for encontrado em outros locais, a descoberta pode mudar a forma como enxergamos o mundo antigo.
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