“Cara, um bebê de 2m (2 meses) morreu pq a mãe dava caldinho de feijão com angu e necrosou o intestino (nem cirurgia adiantou), a “pediatra” mandando mãe tirar o peito e dar ninho mucilon para bebê de 1m (1 mês) para engordar, vcs não têm noção como é um hospital infantil por conta de vários casos.”
A declaração acima, publicada no Twitter há algumas semanas, viralizou, desencadeando uma onda de comentários — e dúvidas — sobre introdução alimentar dos bebês.
A BBC News Brasil conversou com especialistas para esclarecer alguns dos principais questionamentos das mães — até quando a amamentação deve ser feita? Quando o primeiro alimento diferente do leite deve ser dado e como? A complementação com fórmula é necessária? Mamadeira deve ser usada ou não?
Riscos
Segundo a pediatra Rosângela Gomes dos Santos, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), o “aleitamento materno deve ser exclusivo até o sexto mês e deve continuar até os dois anos ou mais”.
Isso é o que recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), explica a especialista. A orientação é seguida pelo Ministério da Saúde e consta da cartilha da pasta às mães.
No Brasil, porém, menos da metade (45,7%) dos bebês menores de seis meses se alimenta exclusivamente de leite materno, segundo uma pesquisa financiada pelo próprio órgão (Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil, 2020).
“O aleitamento materno deve ser exclusivo até o sexto mês e, a partir desse período, se pode fazer a introdução alimentar”, diz Santos à BBC News Brasil, reforçando que não se deve dar “água ou chá” ao recém-nascido.
Segundo a pediatra, a introdução de alimentos antes do sexto mês, que não seja leite materno ou fórmula prescrita pelo pediatra (para as mães que não puderem amamentar nesse período), pode causar problemas de saúde para o bebê.
“O intestino do recém-nascido não está desenvolvido o suficiente. Em situações extremas, ele pode ter uma infecção intestinal e isso pode gerar complicações generalizadas, levando-o à morte”, diz.
Mas, normalmente, o que acontece, diz a pediatra intensivista Cinara Carneiro, é que a introdução de alimentos antes do tempo recomendado gera um quadro de desnutrição no bebê.
“A criança pode ser gordinha, fofinha, mas ela é desnutrida. Porque, na verdade, não tem a proporção adequada dos nutrientes ofertados. Ela pode ter anemia ou sobrecarga da função renal, levando a uma lesão”, explica.
“O que temos que estar atentos é que, quando se faz oferta de alimentos num momento inadequado do desenvolvimento da criança, ela vai ter deficiência nutricional. Isso, consequentemente, leva a atraso em seu desenvolvimento”, acrescenta.
Santos, da SPSP, acrescenta que o uso de fórmulas lácteas por mães que não conseguem amamentar deve ser parcimonioso — e elas devem ser feitas seguindo as recomendações médicas.
“A mãe, mesmo aquela que tenha dificuldade em amamentar, deve tentar fazê-lo o maior tempo possível. E, quanto às fórmulas lácteas, elas têm que ser feitas seguindo as dosagens corretas”, ressalta a especialista.
Carneiro faz uma ressalva, no entanto, sobre os neonatos (até 28 dias de vida).
“Como há maior risco de eles, principalmente os prematuros, desenvolverem uma condição chamada enterocolite necrosante (lesão na superfície interna do intestino), se prioriza o leite materno e se evita dar a fórmula. Daí a importância dos bancos de doação de leite”, explica.
Segundo o Ministério da Saúde, “o aleitamento materno reduz em 13% a mortalidade até os cinco anos, evita diarreia e infecções respiratórias, diminui o risco de alergias, diabetes, colesterol alto e hipertensão, leva a uma melhor nutrição e reduz a chance de obesidade. Além disso, o ato contribui para o desenvolvimento da cavidade bucal do pequeno e promove o vínculo afetivo entre a mãe e o bebê”.
A partir do sexto e até o nono mês, “a criança deve conhecer todos os alimentos”, diz Santos.
“É uma forma do organismo não criar resistência contra nenhum alimento, para evitar o desenvolvimento de alergias”, acrescenta a pediatra.
“A partir dos seis meses, já se recomenda a introdução de outros alimentos porque a própria mama não vai nutrir a criança diante do desenvolvimento dela e de tudo o que ela precisa”, completa Carneiro.
Mas como o alimento deve ser introduzido?
“A comida deve ser amassada ou em pedaços (o chamado método BLW, do inglês “Baby-led weaning”, ou “desmame guiado pelo bebê”), não pode ser batida no liquidificador ou passada em peneira”, assinala Santos.
“Uma proteína, um vegetal, um grão. Tem que ser uma comida saudável, não deve ter conter sal até um ano. Também se deve evitar doces até dois anos”.
“A mãe pode começar a ver se o bebê tem aptidão para comer em pedaços. Dar algo na mãe dele para ele levar à boca. É um processo de aprendizado. Mas é preciso ensiná-la”, completa.
O objetivo, segundo a pediatra, é estimular a mastigação do recém-nascido.
“O problema é que, muitas vezes, a mãe introduz a mamadeira muito precocemente e a criança perde o hábito da mastigação. Quando o recém-nascido usa o peito, na sução do leite materno, tem uma movimentação da musculatura da face mais completa do que quando suga a mamadeira. Portanto, acabamos vendo muita criança acima de seis meses que tem muita dificuldade para mastigar, mas é importante essa estimulação”.
Santos lembra que a criança deve experimentar “de tudo”.
“A comida pode ser em pedaços bem pequenos desde que a criança esteja sob supervisão. Ou seja, ela pega com a mão e leva à boca. Às vezes, a mãe dá essas fórmulas mais engrossadas e a criança só deglute, sem mastigar”.
Por isso, bater a comida no liquidificador ou passá-la na peneira acaba atrasando o desenvolvimento da musculatura da face, segundo a pediatra.
“O ideal é passar do peito para o copo. Sem mamadeira. Orientamos as mães a não usar mamadeira e chupeta”.
Em relação à postura, acrescenta Santos, a criança deve estar sentada.
“A partir dos seis meses, ela já tem capacidade de sentar. Com exceção dos prematuros que tenham atraso no desenvolvimento.”
Desinformação
Andreza Prado, consultora de lactação e educadora perinatal, assinala que muitas mães — bem como sua rede de apoio, avós, por exemplo — ainda acreditam que o leite materno não supre nutricionalmente as necessidades do bebê.
“Isso é um mito. O insucesso do aleitamento materno não está ligado à qualidade do leite. Precisamos urgentemente conscientizar as mães de que o leite materno, na sua composição nutricional, é suficiente para o recém-nascido”, diz ela, que é mãe de duas crianças, Caio e Elis.
“Infelizmente, muitas mães ainda acreditam que, se o bebê não ganha peso, é porque seu leite é fraco”, lamenta.
“Não se deve oferecer ao bebê nenhum líquido senão o leite materno e, nos casos em que isso não é possível, a fórmula láctea prescrita pelo pediatra”, reforça.
Em sua conta no Instagram (@manasdopeitoamamentacao), Prado orienta as mães sobre amamentação — isso é, segundo a especialista, vital para derrubar mitos comuns e evitar a desinformação.
Por isso, ela defende que as mães busquem orientação de profissionais especializados desde a gestação.
Entre os erros mais comuns, cita, estão a falta de informação sobre a chamada “mamada efetiva” (quando a criança abocanha toda a aréola — ou a maior parte dela — e não apenas o mamilo), o uso de bicos artificiais e a imposição de horários para a amamentação.
“A pega correta do bebê é muito importante. Como ele está sugando leite? Ele está sugando e se alimentando? Muitas mães acreditam que a dor na amamentação é normal. Mas essa dor acaba aniquilando a amamentação e é um dos principais motivos do desmame precoce. Não deve ser assim e não é para ser assim”, diz ela, ressalvando que as mães devem “saber posicionar o bebê no peito”.
“Já o uso de bicos artificiais, como chupeta e mamadeira, interfere na sucção. Deve-se evitá-los ao máximo”, lembra.
“Por fim, a amamentação tem que ser em livre demanda, ou seja, sempre que o bebê quiser, seja noite ou dia. E o quanto quiser, até se sentir satisfeito. A mãe não deve impor horários para amamentar”, conclui.
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