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Na prática, unidades socieducativas podem ter muitas semelhanças com presídios

Crianças e adolescentes que cometem atos normalmente classificados como crimes pela legislação não são processados pelo sistema criminal normal. Mas isso não significa que eles não vão responder por suas atitudes na Justiça.

O sistema de processamento de menores de 18 que cometem ilegalidades tem nomes técnicos diferentes para os crimes e sanções, mas na prática se assemelha muito ao sistema criminal, dizem juristas.

O termo técnico para uma ilegalidade cometida por menores de 18 anos é “ato infracional”. Atos infracionais são equivalentes a crimes, mas julgados em uma instância especial da Justiça – as varas da infância e da juventude.

A sentença do juiz pode estabelecer as chamadas “medidas socioeducativas”, que são diferentes das penas do sistema criminal porque deveriam focar na educação – mas que também podem restringir a liberdade da pessoa.

Para casos de atos em que há violência ou grave ameaça à pessoa, a medida socioeducativa pode ser a internação, ou seja, a criança ou adolescente fica detida em uma instituição, explica Maíra Zapater, professora de direito penal e processual penal na Unifesp e autora do livro Direito da Criança e do Adolescente.

No Estado de São Paulo, por exemplo, crianças e adolescentes infratores que são internados vão para a Fundação Casa.

“O que a lei coloca é que o juiz deve levar em consideração o suficiente para a reprodução, educação e prevenção daquele delito”, explica a criminalista. A internação também pode ser determinada se o adolescente descumprir várias vezes medidas socioeducativas anteriores.

“A internação é a medida socioeducativa mais rigorosa”, explica o criminalista Raul Abramo. “É como se fosse uma prisão em regime fechado, com a distinção de que o foco da internação deve ter o caráter formal de ser educativo.”

O sistema socioeducativo foi criado com a intenção de oferecer mais oportunidades de ressocialização para adolescentes e crianças, que biologicamente ainda estão em fase de formação.

“As medidas socioeducativas visam garantir atendimento social, psicológico, psiquiátrico, se necessário, educação, cultura, esportes, profissionalização, tendo mais efetividade na reeducação e ressocialização do jovem. Até para (o adolescente) refletir sobre os graves danos que ele causou e sobre as consequências dos seus atos”, afirma Ariel de Castro Alves, especialista em políticas de direitos humanos e segurança pública pela PUC- SP e recém-empossado Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Na prática, no entanto, é frequente que as instituições que recebem os menores acabem tendo similaridades com presídios, segundo pesquisas realizadas por instituições como o NEV-USP e a Universidade Federal do Maranhão, entre outras.

Isso vale não só para as instituições, mas para a própria lógica de aplicação das sanções.

“Na prática, existe muito uma aplicação de uma mentalidade do sistema prisional no sistema socioeducativo”, afirma Maíra Zapater.

Para Castro Alves, o sistema continua sendo preferível que enviar os adolescentes para o sistema prisional.

“Na prática, o sistema socioeducativo se aprimorou nos últimos anos e oferece os atendimentos (psicossociais), diferentemente do sistema prisional, geralmente superlotado e dominado por facções criminosas”, afirma.

As decisões nas varas de infância e juventude também costumam sair mais rápido do que no sistema criminal para adultos, no qual processos podem se arrastar por anos.

“Os processos na Justiça da infância e juventude são mais céleres. Em até 45 dias a Vara da Infância e Juventude toma uma decisão”, aponta Castro Alves.

Quanto tempo um adolescente infrator pode ficar detido?

Quando um adulto comete um crime, o tipo e os limites mínimo e um máximo de pena são estabelecidos pelo código penal. No caso das infrações das crianças e adolescentes, no entanto, não existe essa determinação. É o juiz da vara da infância que decide se a medida será internação e, caso seja, quanto tempo vai durar.

A internação pode ser renovada a cada seis meses com base em relatórios psicossociais sobre o adolescente feitos profissionais como pedagogos, médicos e psicólogos, explica Zapater.

O limite para renovação da medida de internação é de 3 anos, mas isso não significa necessariamente que o adolescente não terá que responder à Justiça depois do fim desse período – ele pode ter outra medida socioeducativa decretada.

“É comum que após o fim da internação o Ministério Público peça outras medidas, como a semiliberdade ou a liberdade assistida”, diz Abramo.

A semiliberdade é parecida com o regime semi-aberto – o adolescente passa parte do dia fora da instituição e precisa voltar para dormir, explica o criminalista. Na liberdade assistida, o adolescente é acompanhado por um orientador que faz relatórios periódicos sobre ele.

Além disso, o adolescente pode acabar cumprindo medidas socioeducativas por mais tempo caso cometa outro ato infracional.

Em casos graves – como crimes muito violentos – também existe a possibilidade da Justiça determinar internação psiquiátrica após o fim do período de internação socioeducativa, explica Castro Alves.

“Se laudos psiquiátricos demonstrarem que o adolescente gera riscos à sociedade, podendo cometer novos crimes e tendo distúrbios psiquiátricos, ele pode acabar ficando em internação psiquiátrica e não mais em internação socioeducativa. Já existe jurisprudência que permite esse tipo de internação psiquiátrica após medida socioeducativa”, afirma.

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Infrações equivalentes a crimes contra a vida, como o ataque à escola em SP, são minoria entre os casos de adolescentes internados

Tempo de vida

O fundamento do limite de 3 anos de internação para menores é quanto tempo isso corresponde à vida daquela pessoa, explica Zapater.

“No caso de um adolescente de 12 anos, 3 anos é 1/4 da vida dessa pessoa”, explica.

Caso o crime seja cometido quando o adolescente está prestes a completar 18 anos, a Justiça pode decretar que a medida seja cumprida até ele completar 21 anos. Nesse caso, ele continua internado na unidade socioeducativa entre os 18 e 21, não é encaminhado para o sistema prisional, explica Raul Abramo.

A lei determina que pessoas que estão internadas após os 18 anos sejam internadas em unidades em que haja separação dessas pessoas das crianças e adolescentes, mas na prática isso nem sempre é cumprido, diz Zapater.

Os especialistas afirmam que, por não haver o estabelecimento em lei dos limites das sanções, existem casos em que a sanção no sistema socioeducativo é mais longa do que seria para um adulto.

“Existem casos concretos de adolescentes que cometem crimes em coautoria com adultos e por vezes o adulto vai sair numa liberdade condicional antes do adolescente conseguir encerrar a internação”, explica Zapater.

“É muito equivocada a ideia de que existiria impunidade dos adolescentes porque eles ‘só ficam três anos’. Primeiro porque 3 anos é um tempo muito representativo na vida dessa pessoa e depois porque as garantias do processo penal, como progressão de regime e liberdade condicional, não se aplicam aos adolescentes, porque em tese ele não está sofrendo uma pena”, diz ela.

Castro Alves concorda. “O adolescente responde por seus atos, só não da mesma forma que os adultos”, diz ele, que afirma que problemas como os atentados em escolas não seriam resolvidos com o julgamento de crianças e adolescentes no sistema de adultos.

“Medidas de recrudescimento da legislação penal, principalmente quanto à redução da maioridade penal, não evitariam esse tipo de atentado”, diz.

A realidade do sistema

Embora em tese as internações devessem ser reservadas para casos excepcionais, na prática, atos equivalentes a crimes contra a vida não são maioria entre os cometidos por menores internados em instituições socioeducativas.

Os homicídios correspondem somente a 5,6% dos casos de crianças e adolescentes cumprindo medidas de internação, segundo a pesquisa mais recente do Sinase (o sistema nacional socioeducativo), de 2019 (com dados de 2017). A maioria dos casos de adolescentes internados é por furto ou roubo (43,7%) ou tráfico de drogas (26,5%).

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 apontam que as crianças e adolescentes são muito mais vítimas do que infratores.

O número total de adolescentes e jovens internados (incluindo as internações provisórias) em 2021 foi de 13.884, segundo o anuário.

Enquanto isso, crianças de até 13 anos representam, em média, 60% das vítimas de estupros registrados. E apenas entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de até 19 anos foram mortos de forma violenta no país.