Pesquisadores conseguiram alterar com sucesso o tipo sanguíneo dos rins de doadores em uma descoberta que pode aumentar a oferta de órgãos para transplantes.
Tal avanço científico tem implicações particulares para grupos minoritários, que na maioria das vezes têm dificuldade para encontrar um novo órgão.
Um rim de alguém com sangue do tipo A não pode ser doado a alguém com o tipo B, por exemplo.
A ideia, então, foi mudar o perfil sanguíneo de um rim para o tipo O, que é universal. Em outras palavras, isso significa que ele pode ser transplantado para qualquer paciente.
Afrodescendentes e grupos étnicos minoritários geralmente precisam esperar um ano a mais por um transplante em comparação com pacientes brancos. Isso acontece porque eles são mais propensos a pertencer ao grupo sanguíneo do tipo B, menos frequente na população.
As taxas de doação de órgãos entre essas populações também são menores. Em 2020 e 2021, pouco mais de 9% do total de doações de órgãos registradas no Reino Unido vieram de doadores negros e de minorias étnicas, enquanto as pessoas dessas comunidades representam um terço da lista de espera para receber um novo rim.
Cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, utilizaram uma máquina de perfusão normotérmica — um aparelho que passa sangue oxigenado através de um rim para ajudar a preservá-lo — para infundir sangue com uma enzima específica.
A enzima consegue remover os marcadores de tipo sanguíneo que revestem as artérias e as veias desse órgão. Com isso, foi possível alterar o perfil sanguíneo para o tipo O.
O processo levou algumas horas e foi realizado com sucesso em três rins de doadores.
Serena MacMillan, estudante de doutorado que participou do estudo, disse que foi “muito emocionante pensar em como essa iniciativa poderia impactar tantas vidas”.
O próximo passo é ver como os rins reagem quando recebem um suprimento de sangue do novo grupo sanguíneo, algo que pode ser testado novamente por meio de uma máquina antes que o rim seja efetivamente transplantado para um paciente.
A pesquisa, que é financiada pela ONG Kidney Research UK, deve ser publicada no periódico científico British Journal of Surgery nos próximos meses.
A médica Aisling McMahon, diretora executiva de pesquisa da entidade, classificou o trabalho como “potencialmente revolucionário”.
A Associação Brasileira de Transplantes (ABTO) estima que 12,6 mil pacientes precisaram de um novo rim no país apenas em 2021. No mesmo período, foram realizados 4,7 mil procedimentos.
Análise de James Gallagher, correspondente de saúde e ciência da BBC
Mudar o tipo sanguíneo de órgãos é uma ideia fascinante, mas o impacto dela no transplante de órgãos ainda não foi comprovado.
Existem dúvidas sobre a ciência por trás desse processo e quanto essas técnicas podem aumentar a disponibilidade de órgãos para doação.
Serão necessários mais testes para ver como esses órgãos “ajustados” se comportam ao lidar com um novo tipo de sangue, que era incompatível anteriormente. Será preciso garantir que esse processo não danifique os rins de forma alguma.
Tudo isso precisará ser testado em laboratório e depois em um pequeno número de pacientes.
Além disso, o grupo sanguíneo é apenas uma das três maneiras pelas quais os rins são considerados compatíveis antes do transplante — e metade da população já é O positivo ou O negativo (cujos rins podem ser doados a qualquer pessoa).
A combinação cruzada (em que o sangue do doador e do receptor são misturados para ver se há uma reação ou incompatibilidade) ainda será um ponto de atenção, principalmente em grupos minoritários.
Enquanto essas dúvidas permanecem, a melhor maneira de aumentar o número de transplantes que salvam vidas continua o mesmo: as pessoas de todas as comunidades precisam virar doadoras.
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