- Author, Giulia Granchi
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
- Twitter, @GranchiGiulia
Com 40 mortes confirmadas até o momento e mais de 750 desabrigados, as chuvas que atingiram municípios do litoral norte de São Paulo no fim de semana são o maior acumulado que se tem registro no país, com 682 milímetros e um rastro de destruição ainda incalculável.
A catástrofe atual ocorre 56 anos após a maior tragédia ligada às chuvas na história de São Paulo, que ocorreu em 18 de março de 1967 no município de Caraguatatuba, quando as águas causaram o desmoronamento de encostas e centenas de casas foram soterradas.
Segundo a contagem feita na época, 487 pessoas morreram, mas estima-se que o número de óbitos tenha sido muito maior, já que muitos desaparecidos nunca foram encontrados.
O episódio foi tema de livros e documentário, além de, junto a tragédia que ocorreu no Rio de Janeiro em 1966, também por conta de chuvas, ter ajudado a estruturar a Defesa Civil no Brasil.
Um texto do jornal Folha de S.Paulo publicado em 21 de março daquele ano descreve parte do cenário.
“Caraguatatuba está sob a lama, Sábado à tarde, depois de três dias de chuva, começou o deslizamento dos morros. Árvores foram arrancadas e arrastadas pela enxurrada, levando pessoas, animais e casas. Toda Caraguatatuba, desde a praia Martim de Sá – onde se sai para Ubatuba – até a Santa Casa, do outro lado da cidade, foi varrida.”
“Por terra não se chega ao litoral Norte. Na estrada Paraibuna-Caraguatatuba a partir do Mirante, no quilômetro 194, até o 199, trinta barreiras caíram, obstruindo a estrada. E no quilômetro 202 a estrada desapareceu, levada pelas águas, em quase dois mil metros. Aí, no sapé de um morro, isoladas de tudo e de todos, pessoas acenam desesperadamente para os helicópteros que passam ao longe.”
‘Saímos um dia antes e lembro do alívio da minha família’
Eduardo D’Angelo, 65, tinha nove anos em 1967, quando as chuvas devastaram grande parte do município de Caraguatatuba.
Sua família viajava com frequência ao litoral para passar períodos de 15 dias na Colônia de Férias Ministro João Cleófas.
“A hospedagem ficava perto da praia, e quando pegamos o ônibus para voltar já era possível ver o mar, que normalmente tinha ondas tranquilas, muito agitado, com uma maré alta. Chovia muito, e nos anos todos que eu estive lá, não vi nada igual”, recorda.
Eduardo e a família, um grupo de 10 pessoas, saíram um dia antes dos danos começarem, e ficaram sabendo da situação de calamidade pouco após voltarem para casa.
“Naturalmente foi o assunto da família, o alívio de termos voltado antes.”
No ano seguinte, Eduardo e sua família voltaram e ainda testemunharam os efeitos das chuvas intensas.
“Na serra, a caminho da Colônia, vimos todas as casas soterradas até o telhado, e o rio que desce ao longo da estrada, se alargou três vezes em tamanho e levou a ponte que existia ali.”
Eduardo, que trabalha com o setor habitacional como diretor do Movimento Pró-moradia Mário Lago, avalia que não houve avanços significativos que pudessem prevenir novos desastres meio século após a tragédia.
“Essas situações de deslizamento ocorrem porque o homem altera a natureza, e as políticas públicas não agem para evitar que moradias sejam construídas em locais perigosos. Estamos falando de 1967 e de lá para cá as condições só pioraram.”
Momento atual
O litoral de São Paulo tem diferentes municípios afetados pelas chuvas fortes nos últimos dias, com deslizamentos de encostas, alagamentos e bairros isolados devido à interdição de vias de acesso.
O número de mortos já supera a tragédia de Franco da Rocha, em 2022, com o deslizamento que matou 18 pessoas. O acumulado de chuva nessa oportunidade foi de 70 milímetros em 24 horas.
Segundo o Centro Nacional de Previsão de Monitoramento de Desastres (Cemaden), resultou no acumulado de 682 mm em Bertioga, 626 mm em São Sebastião, 337 mm em Ilhabela, 335 mm em Ubatuba e 234 mm em Caraguatatuba.
“Para efeito de comparação, em 2022, Petrópolis (Rio de Janeiro) teve o acumulado de 530 milímetros de chuva em 24 horas. Antes, o maior índice havia sido registrado em Florianópolis (Santa Catarina), em 1991, com acumulado de 400 mm em apenas um dia”, publicou o governo de São Paulo por meio de conta oficial no Twitter.
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