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Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém

Kengi, para os habitantes da Costa de Malabar (Índia), era apenas um caldo temperado e quente, servido com arroz. “Uma água de expressão de arroz com pimenta e cominho a que chamam kengi”, segundo Garcia de Orta (1500-1568), um médico português que escolheu viver em Goa, capital do grande império lusitano no Oriente (e que permaneceu, como colônia de Portugal, até 1961). Manoel Godinho, um século mais tarde, também se referiu àquela sopa como “um caldo de arroz”. Depois virou kanji, segundo o Novo Dicionário Aurélio. Donde canja. Em Portugal, acabou recebendo novos ingredientes, especialmente galinha ou frango. Desembarcou no Brasil com os primeiros colonos. Só que índios e escravos não lhe deram, então, grande importância. Aqui passou também a ser feita com jacu (ou jacutinga) e com macuco (do tupi ma’kuku) – uma ave de grande porte, parecida com a perdiz, que vivia pelas florestas brasileiras. No início reservada apenas para doentes, logo essa canja passou a frequentar jantares elegantes. Era o prato preferido de dom Pedro II, muitas vezes resumindo-se nele suas refeições. E a provava em todo canto. Até no teatro, “entre o segundo e o terceiro ato – que só começava, por isso mesmo, ao ser dado o aviso de que sua majestade terminara a ceiazinha”, segundo R. Magalhães Junior (1907-1981). O que levou o teatrólogo Artur Azevedo (1855-1908), em 1888, a dizer: “Sem banana macaco se arranja, mas não passa monarca sem canja”. A receita é hoje também preparada, pelos portugueses, com carnes que vão variando – bacalhau (na Estremadura), pescada (no Alentejo), moluscos (no Algarve). Enquanto, por aqui, continuamos usando apenas galinha ou frango, temperados com cheiro-verde, louro alho, cebola, pimenta-do-reino, tomate, cenoura, batata. No que fizemos muito bem. 

O gosto por sopas vem da mais remota antiguidade. Desde quando o homem descobriu que a carne, cozida em água, não ficava esturricada. Dando-se também conta de que aquele caldo, no qual havia sido preparado o alimento, guardava sua cor e seu sabor. Durante muito tempo, foi o principal alimento de populações inteiras. Na Grécia, tinham grande prestígio e variadas receitas: em Atenas, a de lentilha; em Esparta, o famoso “caldo negro” (preparado com sangue de animais misturado em ervas aromáticas, sal e vinagre) e uma “sopa de rosas” (feita com pétalas perfumadas, azeite, gemas de ovo, miolo de pássaros, pimenta e vinho). Em Roma, Nero tomava caldo de alho-poró para proteção de suas maviosas (segundo ele) cordas vocais. A partir da Idade Média difundiu-se, na Europa, o costume de preparar caldos simples, de urtiga e ervas daninhas.  Além de outros, mais elaborados, feitos com leite de amêndoas, cebola e fava, temperados com canela, gengibre, mostarda e vinho. 

As sopas estão presentes em livros de culinária de todos os grandes cozinheiros. De todos os tipos. Com os mais variados ingredientes. Em todas as culturas. Por fim, só lembrar que elas não frequentam apenas livros de culinária. Karl Marx, por exemplo, em O Capital, falou nelas: “Quando uma sopeira contém uma certa quantidade de sopa destinada a um determinado número de pessoas, um aumento no tamanho das colheres não produziria nenhum aumento da quantidade de sopa”. Seja como for, entre tantas, nenhuma tem mais prestígio que a canja – porque aquece, conforta e sobretudo é muito saborosa. 

RECEITA: CANJA


INGREDIENTE:


1 galinha gorda (de preferência de capoeira)


Sal e pimenta-do-reino 


Azeite


1 dente de alho


1 cebola picada


Coentro e cebolinho


2 l de água


2 folhas de louro


1 xícara (rasa) de arroz


1 cenoura picada (opcional)

PREPARO:


· Lave e limpe a galinha. Corte em pedaços. Passe limão e água fervendo. Tempere com sal e pimenta a gosto.


· Aqueça azeite em uma panela e refogue ligeiramente alho, cebola, coentro e cebolinho. Junte galinha, água e folhas de louro.  Deixe no fogo até que a galinha esteja bem macia. Retire os pedaços da galinha e coe o caldo.


· Leve novamente o caldo coado ao fogo, adicionando arroz (e cenoura cortada em cubos, se quiser). Quando o arroz estiver cozido, junte a galinha desfiada em pedaços grandes. Sirva quente. 

Fonte: Folha PE
Autor: Letícia Cavalcante

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