- Author, Wilson Tosta
- Role, Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
Eleitora de Jair Bolsonaro no segundo turno em 2022, uma técnica administrativa de 42 anos que mora no Pará opinou sobre o que pensa que aconteceu no escândalo de suposto desvio e comércio ilegal de presentes de ouro e pedras preciosas dados ao Brasil no governo passado.
“Quem se beneficiou da venda dessas joias foi o atual governo do PT, haja vista que quando se trata de dinheiro eles sempre dão um jeito de tomar as coisas das pessoas!”, escreveu ela.
Mas outro eleitor do “capitão” no ano passado, um gerente de 54 anos que mora no mesmo Estado, pensa de maneira bem diferente.
“Apesar de ter votado no Bolsonaro, está mais claro que nunca que ele foi o beneficiado, assim sendo deve responder penalmente por esse crime. Pois está muito claro a sua participação no devido delito”, assinalou.
Opiniões de bolsonaristas com percepções tão opostas sobre o ex-presidente no caso já não surpreendem os pesquisadores do Monitor da Extrema Direita (MED) que monitoram 36 eleitores de Bolsonaro por meio de grupos de WhatsApp divididos em dois grupos: os convictos e os moderados.
O projeto abrigado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) colheu suas opiniões sobre estes acontecimentos entre 14 e 17 de agosto.
Bolsonaro nega ter cometido quaisquer irregularidades.
Isso não o isenta de críticas, que embora ainda sejam minoritárias, são agora externadas sem constrangimento por eleitores que, no ano passado, digitaram 22 nas urnas da eleição presidencial.
É um sinal de que fissuras já se formam no eleitorado bolsonarista, assim como vem sendo apontado por sondagens com um maior número de participantes.
Mas a pesquisa do MED aponta um divisor claro entre eles: os mais críticos são em geral os apoiadores mais moderados.
Diferentemente dos eleitores mais devotos, que seguem fechados com ele e buscam explicações para o caso das joias.
‘Efeito teflon’
A dona de um salão de beleza na Bahia atribuiu crimes a outras pessoas – não ao ex-presidente.
“Eu confio totalmente na inocência de Bolsonaro”, escreveu a cabeleireira.
“O que ocorre é que durante um período de governo não tem como policiar todas as pessoas e saber seus pensamentos e atitudes. Resumindo: sempre tem traidores e ladrões nos domicílios de governos, mas quem acaba sendo prejudicado é o chefe de Estado, principalmente na questão do jogo do poder!”
Isentar Bolsonaro de responsabilidade pelo desvio e venda das joias e atribui-los a supostos “traidores” tem sido apontada por analistas como uma possível estratégia do ex-presidente para se defender das acusações e atribuir a situação até a pessoas tratadas, pouco tempo atrás, como leais ao ex-presidente.
O ex-ajudante de ordens da Presidência, o tenente-coronel Mauro Cid, foi citado como um destes traidores por alguns dos bolsonaristas do grupo.
Cid é apontado pela Polícia Federal como um dos principais articuladores das vendas das joias. Sua defesa diz que ele teria cumprido ordens.
No entanto, os bolsonaristas mais radicais não recuam, apontam os pesquisadores, mesmo se confrontados de que Cid era assessor direto e de confiança do ex-presidente.
“A gente vê que, entre os convictos, esse assunto (das joias) não pega”, diz a cientista política Carolina de Paula, doutora em Ciência Política pelo IESP-UERJ e coordenadora, com o colega João Feres Júnior, do projeto no Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (LEMEP) da instituição, com apoio do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT).
“É o que a gente chama de ‘efeito teflon’, não gruda nada.”
Ao analisar as interações dos eleitores mais radicais no WhatsApp, o relatório do MED afirma que “o grupo demonstrou acreditar piamente na inocência de Bolsonaro, argumentando que os presentes eram pessoais e não de Estado ou que ele havia sido traído por seus aliados”.
“Muitos falaram que se tratava de perseguição ao ex-presidente”, aponta ainda.
“A investigação seria mais uma tentativa fracassada de incriminá-lo.”
Entres os moderados, porém, o quadro é diferente. Há um sentimento generalizado de que é necessário investigar o escândalo para saber o que de fato aconteceu.
“Por unanimidade, o grupo foi favorável à investigação, para que os fatos fossem prontamente esclarecidos e os reais envolvidos no caso julgados e punidos”, apontou o relatório.
“O grupo ficou dividido entre os que acreditavam na inocência de Bolsonaro e os que aguardavam mais informações sobre o caso. Alguns retomaram os discursos do ex-presidente estar sendo perseguido pelo PT.”
Convictos versus moderados
Há cinco meses, o MED acompanha os grupos de bolsonaristas por meio do Painel On-Line de Monitoramento de Tendências.
Para participar da pesquisa, as pessoas devem revelar ter votado em Bolsonaro, ser de diferentes Estados e regiões do país e responder à pergunta-filtro: apoiaram ou se opuseram à suposta tentativa de golpe de 8 de janeiro?
Os apoiadores foram então divididos entre radicais e moderados.
Os participantes da pesquisa são remunerados, não se conhecem, e há alguma rotatividade: periodicamente, alguns saem e são substituídos por outros.
Os temas de debate, não apenas de política (também se fala de costumes, por exemplo), são introduzidos por moderadores.
Os participantes também são selecionados por critérios de sexo, raça, idade e outros, para dar maior diversidade aos grupos.
Os temas são apresentados de três a quatro vezes por semana para debate, desde abril, mas todo dia há manifestações dos participantes.
“Não é uma pesquisa estatística, que permita generalizações”, diz Carolina de Paula, explicando que não se trata de um levantamento quantitativo.
“É sobre o comportamento e a vida no país hoje. Não é só política. A gente trata de temas de costumes para tentar esse perfil também do eleitor bolsonarista.”
O trabalho gera relatórios periódicos, sobre vários assuntos.
Questionamentos começam a surgir
Carolina de Paula ressalta que, entre os moderados, é possível perceber que o caso das joias começou a gerar questionamentos e cobranças por apuração dos fatos.
“Eles acreditam mais nas instituições da Justiça. Então, existe uma primeira, digamos assim, abertura. É um eleitor que pode ser mais flutuante”, diz a pesquisadora.
“A gente tentou algumas questões, por exemplo, sobre arcabouço fiscal, que eles apoiam. A gente vê que um eleitor que fica mais solto, então é um eleitor em disputa.”
Uma autônoma do Distrito Federal, de 28 anos, citada no relatório da pesquisa, parece se enquadrar nesse caso.
“Também concordo com meus colegas, (o caso das joias) é algo que falta uma investigação melhor e mais detalhada, deve se averiguar, se foi mesmo a mando do presidente essa venda deve sim devolver e ser punido pela lei”, disse ela.
“Mas creio que se estava tanta gente tentando vender, então, todos eles citados no texto estavam sendo beneficiados, mas isso só cabe à Justiça investigar.”
Carolina de Paula considera “impressionante” a resiliência de Bolsonaro entre os eleitores mais radicais, apesar de a agenda anticorrupção seguir forte no segmento bolsonarista como um todo.
Segundo a pesquisadora, alguns pontos chamam a atenção no discurso dos bolsonaristas mais radicais.
Um é a repetição de falas muito ligadas ao PT, como se o caso das joias fosse uma orquestração de membros da legenda que hoje está no governo federal.
Os discursos são muitas vezes parecidos, como se estivessem sendo replicados do que foi lido em outras fontes, como as redes sociais, segundo os pesquisadores.
“Por exemplo, (a suposta existência de) contêineres com joias que o Lula teria, torna a narrativa única”, avalia Carolina de Paula.
“É uma mistura de fake news com visão limitada sobre as regras (legais).”
A pesquisadora vê duas possíveis consequências do escândalo.
Uma é que Bolsonaro, em sua opinião, tenderia a perder apoio. As pessoas, lembra ela, não foram em massa às redes sociais para defender Bolsonaro, o que sinaliza, ao seu ver, um certo isolamento do ex-presidente.
Outra consequência possível seria o impacto das suspeitas sobre a agenda anticorrupção, que continuou muito relevante para o bolsonarismo na campanha de 2022.
“Nos debates, ele seguia atacando o Lula com esse assunto, muito pesado. Então, vai ficar mais difícil para esse campo, não só para o Bolsonaro, como para os aliados trazerem isso. Acho que esse é um dos principais reflexos para a próxima eleição.”
Quantitativas apontam desgaste
Pesquisas quantitativas divulgadas nos últimos dias apontam um desgaste do ex-presidente por causa do escândalo das joias, inclusive entre seus eleitores.
Outra tendência detectada foi a maior resiliência de Bolsonaro em setores nos quais foi mais votado no ano passado.
No entanto, essas sondagens não dividiram os eleitores bolsonaristas entre radicais e moderados.
A última pesquisa Genial/Quaest mostrou que 19% dos eleitores de Bolsonaro no segundo turno opinaram que ele deveria ser preso por causa do escândalo das joias.
O porcentual equivale a praticamente um em cada cinco eleitores do ex-presidente.
Entre o eleitorado geral do país, a divisão é diferente. Nesse universo, 41% disseram que o ex-presidente deveria ir para a cadeia, e 43% declararam que não.
Esse resultado é um empate no limite da margem de erro de 2,2 pontos para mais ou menos.
A região Sul, onde o ex-presidente teve melhor desempenho, no ano passado, foi a única fora do empate técnico.
Nela, a maioria (47% a 41%) afirmou que o presidente não deveria ser preso.
A pesquisa foi feita entre 14 e 18 de agosto, com 2.029 pessoas nas cinco regiões do Brasil. Entre os entrevistados, 66% sabiam do caso das joias, e 34% declararam desconhecê-lo.
“O resultado da pesquisa mostra mais um Fla-Flu”, afirmou Felipe Nunes, diretor da Quaest, no X-Twitter, referindo-se à divisão política do Brasil. “O tema polariza a sociedade.”
Outra pesquisa, do Instituto Atlas Intel, feita por coleta virtual com 700 pessoas em 14 e 15 de agosto mostrou que 54,3% dos eleitores acreditam que Bolsonaro está diretamente envolvido no desvio das joias.
Outro 35,4% afirmaram não crer nisso; e 10% não responderam.
Quando foi perguntado se o ex-presidente cometeu crime ou erro no caso, 49,1% dos participantes disseram que ele cometeu crime; 30,8% não lhe atribuíram delito; 11,4% o responsabilizaram por um erro político, não um fato criminoso; e 8,6% não souberam responder.
A pesquisa apontou que quase três entre quatro entrevistados afirmavam saber do escândalo das joias. A margem de erro da sondagem foi de 4 pontos porcentuais para mais e para menos, e a confiabilidade é de 95%.
Dedicado a estudar os discursos bolsonaristas, João Cezar Castro Rocha, o professor de Literatura Comparada da Uerj, avalia que “talvez este seja um momento privilegiado para assistir à redução do bolsonarismo a um tamanho real”.
Para ele, é preciso distinguir o bolsonarista do eleitor eventual de Bolsonaro.
“Um fenômeno similar aconteceu agora na Argentina”, explica.
“Nem todos os que votaram em Javier Milei comungam das ideias do Javier Milei. Mas é um voto de protesto, contra o que se considera um sistema político que existe para preservar os seus privilégios.”
O pesquisador calcula que, dos 58 milhões de votos de Bolsonaro no segundo turno do ano passado, no máximo 20% são bolsonaristas.
Nada que ocorra os levará a desistir de apoiar o ex-presidente, porque sempre terão mecanismos mentais para justificar o apoio ao ex-presidente, afirma Rocha.
“Você pode mostrar que o Bolsonaro vendeu o relógio. Eles já admitem, até porque o Frederick Wassef comprou. O que eles dizem? ‘Ah, era presente pessoal’.”, diz o pesquisador.
“Imagine-se que fique configurado que não se poderia vender. O que eles dirão? Eles usarão a famosa frase: ‘E o PT?’ Sempre disporão de uma comparação mental de modo a desculpar o Bolsonaro.”
Os eleitores mais moderados, porém, na avaliação do professor, pode modular seu apoio conforme avancem as investigações do caso.
“De um lado, haverá uma radicalização dos que já são bolsonaristas, uma radicalização violenta”, explica.
“Quanto mais choques de realidade houver, o núcleo do bolsonarismo vai se reduzir, mas o que ficar vai ser muito violento.”
Fonte: BBC
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