- Author, Redação
- Role, BBC News Mundo
Os soldados alemães diziam que o som do vento nas asas dos aviões daquele grupo lembrava o movimento de uma vassoura — e assim começaram a chamá-las de as “Bruxas da noite”.
Eram muito jovens, em sua maioria adolescentes voluntárias, que tiveram que superar não só as dificuldades da guerra, mas também o ceticismo e o machismo da época, que levava muitos a duvidarem que um esquadrão formado exclusivamente por mulheres seria bem-sucedido.
No entanto, as aviadoras do 588º Regimento de Bombardeiros Noturnos conseguiram lançar mais de 23 mil toneladas de bombas sobre alvos alemães — e se tornaram peça fundamental na vitória soviética sobre os nazistas na Segunda Guerra Mundial.
“No início, os homens riram de nós”, contou a matemática e física russa Irina Rakovólskaya, que liderou o regimento durante algum tempo, em uma entrevista divulgada em 1993.
Depois, isso mudou, segundo ela. “Eles viram como pilotávamos, e os homens do regimento de bombardeiros noturnos começaram a nos chamar de ‘irmãs’, e os soldados de infantaria diziam que éramos ‘criaturas celestiais’, enquanto os alemães nos chamavam de ‘Bruxas da noite'”, acrescentou Rakovólskaya, na ocasião.
As políticas da então União Soviética, que concedia a mesma educação a meninos e meninas, permitiram que muitas jovens aprendessem a pilotar, como explicou Debbie Land, que pesquisa mulheres aviadoras no museu aeronáutico e automotivo Shuttleworth Collection, na Inglaterra, em entrevista ao programa de rádio The Documentary, do serviço mundial da BBC.
Naquela época, existia na União Soviética um programa semelhante ao dos Escoteiros, em que meninos e meninas podiam aprender a pilotar, de forma totalmente gratuita, diz ela.
Por essa razão, “quando os alemães invadiram e arrasaram com as tropas russas, essas meninas estavam prontas.”
Lideradas por uma heroína
Muitas estudavam Física, Astronomia, Geografia, Matemática ou Química na universidade quando a Alemanha atacou a União Soviética em 22 de junho de 1941, e o Estado convocou os homens para lutar.
Elas não queriam ficar para trás.
Um grande número de jovens mulheres começou a escrever cartas para Marina Raskova, que na época já era uma piloto famosa na União Soviética — e que se tornaria fundamental para a formação do esquadrão.
Marina Raskova foi a primeira mulher na União Soviética a obter um diploma de piloto profissional — e virou uma heroína do bloco quando conseguiu bater o recorde de voo de longa distância sem escala em 1938.
Nessa ocasião, Raskova não participou como piloto, mas como navegadora do voo, em uma tripulação composta também por outras duas mulheres.
A viagem foi bastante conturbada, e a navegadora teve que saltar de paraquedas antes do pouso de emergência. Ela passou 10 dias sozinha na taiga siberiana, sem comida e quase sem água, procurando o avião.
Essa aventura, e o livro que escreveu mais tarde contando sua experiência, renderam a ela o status de celebridade na União Soviética.
As jovens pilotos que queriam lutar pelo seu país — mas a quem eram oferecidos apenas cargos de apoio em gabinetes ou na área de enfermagem — sabiam claramente a quem recorrer.
Raskova se dirigiu então ao líder soviético Josef Stalin, que era um admirador dela, e pediu para formar seu próprio esquadrão, composto exclusivamente por mulheres.
Stalin concordou, e Raskova criou três regimentos femininos: o 586º Regimento de Combate Aéreo, o 587º Regimento de Bombardeiros Aéreos e o 588º Regimento de Bombardeiros Noturnos, que ficaria conhecido popularmente como as “Bruxas da noite”.
A União Soviética se tornou assim a primeira nação a permitir oficialmente a participação de mulheres em combates.
“Havia muitas (mulheres) pilotos, mas quase não havia navegadoras ou mecânicas capacitadas, então tiveram que formar mulheres em todo esse tipo de coisa, elas tiveram que aprender essas habilidades do zero”, explicou ao programa da BBC Reina Pennington, professora de História Russa e Militar na Universidade Militar de Norwich, nos Estados Unidos.
Aviões precários
As mulheres do novo esquadrão também tiveram que se acostumar com os bimotores Polikarpov Po-2, aeronaves antiquadas projetadas em 1928 como aviões de treinamento e pulverização agrícola.
Eram feitos de madeira compensada e lona — e eram bastante vulneráveis, mas também leves. A cabine ficava aberta, então as pilotos não tinham nenhum tipo de proteção contra as noites geladas de inverno.
“Não se podia fazer grande coisa com eles à luz do dia porque eram muito vulneráveis. Não tinham proteção nem metralhadora, e tampouco seriam de muita utilidade contra os Messerschmitts. Então, elas não podiam fazer nada além de voar à noite, mas isso era melhor do que nada, apesar de só poderem levar um punhado de bombas”, diz Pennington.
Sem equipamentos para aperfeiçoar a mira, as pilotos do 588º Regimento tinham que realizar uma operação perigosa: quando se aproximavam do alvo, desligavam o motor para se deslocarem em silêncio. Naquele momento, acendiam um sinalizador para que a navegadora pudesse ver onde lançar a bomba. Mas a chama também alertava os alemães sobre sua localização.
A piloto tinha que manter a estabilidade do avião para que a navegadora pudesse mirar, o que era muito complicado porque os alemães usavam luzes poderosas que as cegavam, além de metralhadoras antiaéreas.
Como os Polikarpov Po-2 não contavam com nenhuma proteção, às vezes os aviões pegavam fogo e queimavam como uma caixa de fósforos.
O papel das “Bruxas da noite” não era tanto lançar bombas e semear morte e destruição — mas, sim, “perturbar os alemães, que haviam passado o dia todo realizando manobras”, conforme explicou Debbie Land à BBC.
“Então era mais uma questão de não deixá-los dormir, e fazê-los trabalhar a noite toda para que ficassem exaustos no dia seguinte”, completou.
Diferentemente de seus homólogos do sexo masculino, o regimento feminino não parava para fumar um cigarro ou tomar uma xícara de chá entre os voos. Assim que pousavam, elas carregavam mais munição e decolavam novamente — às vezes, até 15 vezes por noite, mais do que os homens, segundo os relatos.
A tática de desligar os motores ao se aproximar do alvo não foi inventada por elas, mas era amplamente utilizada na Força Aérea. Mas elas realmente se destacaram, afirmou Pennington, na forma como conseguiram realizar mais voos todas as noites do que praticamente qualquer outra unidade, graças às suas inovações na manutenção e no rearmamento das aeronaves, e na forma como treinaram substitutas.
A comandante Yevdokia Bershanskaia desenvolveu uma forma inovadora de reabastecer os aviões.
Em vez de deixar que cada avião tivesse uma equipe de manutenção e reabastecimento, Bershanskaia adotou um sistema de linha de produção, com equipes especializadas em diversas tarefas, como encher os tanques de combustível ou rearmar o avião.
“Dessa forma, conseguia ter um avião pronto em apenas 10 minutos” — e aumentava o número de viagens por noite, explicou a professora da Universidade de Norwich.
Em reconhecimento às suas conquistas, o 588º Regimento de Bombardeiros Noturnos recebeu o posto de Guarda — e passou a ser chamado de 46º Regimento de Bombardeiros Noturnos da Guarda.
Também conquistou a Ordem da Bandeira Vermelha, e muitas “bruxas da noite” receberam condecorações individuais — 23 delas ganharam o título de ” Heroína da União Soviética”, a mais alta distinção do país.
Fonte: BBC
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