- Andre Biernath e Nathalia Passarinho
- Enviados da BBC News Brasil a Sharm El-Sheikh (Egito)
Para Izabella Teixeira, o combate ao desmatamento na Amazônia durante os próximos anos será muito complexo e exigirá que o tema seja encarado como “prioridade zero” no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Ministra do Meio Ambiente entre 2010 e 2016, durante os governos Lula e Dilma, a bióloga foi a responsável por conduzir as políticas públicas que diminuíram a destruição da maior floresta tropical do mundo aos menores patamares da história.
Atualmente, ela é uma das líderes do Painel Internacional de Recursos do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (ONU) e está entre as principais cotadas para assumir de novo o ministério a partir de 2023.
Teixeira participa ativamente das negociações e encontros que ocorrem na Conferência de Mudanças Climáticas da ONU (COP27), que acontece em Sharm El-Sheikh, no Egito.
Em entrevista à BBC News Brasil, ela apontou quais serão os principais desafios para o país alcançar o desmatamento zero — meta citada por Lula no discurso da vitória — e os caminhos para reduzir a emissão de gases do efeito estufa em Estados e municípios.
Um problema do tamanho da Amazônia
Teixeira avalia que “o atual governo brasileiro deixa como legado o retrocesso de uma política que foi bem sucedida para o Brasil e para o mundo”. “Na minha leitura, o Brasil perdeu o controle sobre o desmatamento”, diz.
“Nosso país sempre teve a tradição de anunciar na COP quais foram as taxas de desmatamento do ano. E, como aconteceu nas edições recentes, esse dado foi novamente omitido no evento de 2022”, informa.
Em 2021, o Brasil registrou a pior taxa de desmatamento na Amazônia em 15 anos. Já as emissões de gases poluentes bateram no ano passado recorde de 16 anos. Na avaliação da ex-ministra, “combater o desmatamento hoje é muito complexo”.
“Isso acontece porque o crime ambiental está em outro patamar de organização”, constata. A bióloga diz que existe uma espécie de “árvore do crime” que atua na região.
“Sob esse guarda-chuva, há o tráfico de fauna, de armas, de drogas, de madeira, o garimpo ilegal, a lavagem de dinheiro da corrupção…”, lista.
Ela lembra que, atualmente, o financiamento de todas essas atividades ilegais está fora da Amazônia. “O garimpo não é mais aquela iniciativa de uma pessoa, que ia lá com os próprios equipamentos. São investimentos milionários”, observa.
“E isso tudo aumenta a violência contra os povos tradicionais. Se você cruzar os dados, as maiores taxas de homicídio na Amazônia são justamente nos lugares com as maiores taxas de desmatamento”, compara.
Como resolver a situação?
Teixeira vê com bons olhos as promessas de Lula de que o tema ambiental será prioridade a partir de 2023. Ela também acredita que será necessário muita eficiência e organização dos serviços públicos de fiscalização e combate ao crime.
“Enfrentar o desmatamento é algo que precisa começar no primeiro dia de governo”, crê. “E nós somos capazes disso, porque no passado tivemos políticas bem-sucedidas e as menores taxas de desmatamento na Amazônia.”
Mas a bióloga acredita que as estratégias usadas há 10 anos não serão suficientes para lidar com o problema agora. “A maneira de fiscalizar já mudou consideravelmente, temos novas tecnologias. Podemos adotar no país estratégias eficientes para voltar a reduzir os números de desmatamento”, sugere.
Segundo a especialista, será essencial alinhar as políticas com Estados e municípios — além disso, a participação da sociedade e dos cidadãos será fundamental.
“Cerca de 75% da carne vermelha produzida no Brasil fica no mercado interno. Se o próprio consumidor começar a rejeitar aquele produto que vem de áreas de desmatamento, você já começa a mudar a realidade”, acredita.
“Ou seja, precisamos de uma visão mais ampla de como enfrentar essa questão. O comando das ações deve ser das instituições, claro, mas há também o papel de mercado, do setor produtivo e até mesmo do consumidor.”
“Será necessário que todos os brasileiros estejam comprometidos com a ideia do desmatamento zero.”
Pedras no sapato
Embora os anos de Lula na presidência tenham sido marcados por quedas na taxa de desmatamento, o governo dele também investiu bastante na exploração de combustíveis fósseis, como o petróleo no Pré-Sal, e em grandes obras de infraestrutura, como a usina de Belo Monte.
Atualmente, iniciativas do tipo seriam, no mínimo, controversas — inundar grandes áreas da floresta e estimular a produção de combustíveis que liberam mais gases do efeito estufa na atmosfera são políticas que estão em total desalinho com o combate das mudanças climáticas.
Teixeira entende que o Brasil “tem alternativas para a geração de energia” que são menos danosas ao planeta. Ela cita como exemplo a biomassa e os biocombustíveis. “Esses são caminhos que, no meu entendimento, o país pode e deve adotar”, opina.
Ela também admite que será necessária uma “discussão estratégica” para “organizar a substituição de combustíveis fosséis”. “O que eu posso assegurar é que o Brasil tem um papel chave nesse contexto. Nós temos soluções e não podemos nos apequenar diante desse desafio e desse compromisso com a sociedade.”
Segundo a especialista, “o governo terá que fazer escolhas” que aliem a segurança energética, a segurança alimentar, as finanças, o desenvolvimento e as mudanças climáticas.
Mas Teixeira acredita que há certos recursos energéticos sobre os quais não há dúvida: eles já deveriam estar no passado. “Não há porque um país com tantas fontes ainda ter carvão em sua matriz energética”, lamenta.
“Nós temos tecnologias sob nosso domínio, o que falta é vontade política. Acho que chegou a hora de tomar as decisões que nos permitam avançar numa agenda de baixas emissões de carbono.”
Ela também vê como prioridade desenvolver caminhos para que o país não volte a dar passos para trás na área ambiental durante os governos futuros.
“Quaisquer que sejam as decisões que tomemos, elas devem ser orientadas para não permitir mais retrocessos”, conclui.
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