- Author, Simone Machado
- Role, De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
“Pensa em um casal perfeito. Eles se casam, são felizes e está tudo perfeito. E aí a esposa descobre que ela está com uma doença terminal e, sabendo disso, ela resolve escrever 12 cartas para o marido para ajudá-lo a lidar com a situação. Então, é uma carta para cada mês do ano depois que ela se for”.
Há pouco mais de três anos, ela, assim como diversas outras pessoas, incluindo muitos jovens, têm usado a rede social para falar sobre literatura e dar dicas de leitura — fenômeno que ficou conhecido pela hashtag #BookTok.
“Sempre gostei muito de ler e comecei a compartilhar esse tipo de conteúdo porque nunca tive amigos leitores, meus amigos não liam nada, e eu sentia uma necessidade muito grande de falar sobre os livros que eu lia”, diz Ana Júlia.
“Não tinha quem me ouvisse, então, criei uma conta e comecei a falar para a internet, para quem quisesse ouvir sobre o tema.”
Ana Júlia conta que não tinha o hábito de ler até a adolescência, mas, sempre que ia ao shopping, gostava de entrar nas livrarias, ver os lançamentos e levar uma obra para casa, mesmo que ficasse na estante.
Foi quando ela precisou fazer um exame médico demorado que pegou gosto pela leitura.
“Decidi levar um livro para ler no hospital enquanto aguardava, mesmo imaginando que não leria. Levei, li e amei”, conta. “Era o livro do Harry Potter e, depois, acabei lendo todos os livros da série e percebi que ler era realmente divertido.”
Ana Júlia diz que hoje lê ao menos 40 livros por ano — e tudo é compartilhado com seus seguidores, que vão de adolescentes a idosos.
A divulgação no TikTok, diz ela, tem contribuído para que muitos jovens conheçam o hábito da leitura e se apaixonem por isso.
“Recebo muitas mensagens de pessoas falando que nunca gostaram de ler e que depois começaram a acompanhar o meu conteúdo e passaram a ler cada vez mais”, diz Ana Júlia.
“É muito gratificante quando eu vejo alguém lendo algo que indiquei ou demonstrando interesse em ouvir as minhas indicações.”
A criadora de conteúdo diz que, nas palestras em escolas, encontra crianças que têm o hábito de ler.
“É uma coisa que eu não via na minha época de escola. Então, vejo claramente o impacto que as redes sociais têm na vida de futuros jovens leitores.”
Busca por livro agora é na internet
Pode até parecer estranho que uma rede social conhecida por seus vídeos curtos e dancinhas virais seja também um ambiente de incentivo à leitura.
Até alguns anos atrás, os apaixonados por livros buscavam livrarias e sebos para encontrar suas próximas leituras.
Hoje, o TikTok cumpre esse papel. Virou um espaço para debater as obras e até mesmo aumentar a popularidade dos livros e seus autores, principalmente entre os mais jovens.
A hashtag #BookTok reúne uma comunidade para pessoas interessadas em literatura.
Por meio dela, é possível encontrar vídeos curtos com indicações de obras, resenhas, críticas e comentários sobre enredos e personagens.
Tudo é produzido pelos booktokers, como são chamados os criadores de conteúdo literário no TikTok.
O sucesso é tanto que os vídeos com essa hashtag já acumulam cerca de 215 bilhões de visualizações e com a hashtag #BookTokBrasil, 20,4 bilhões de visualizações.
A popularidade das obras pode acabar transbordando para fora do mundo digital e influenciando nas vendas.
“O que vemos é a possibilidade de um livro viajar rapidamente por centenas de milhares, até milhões de jovens, e a procura estourar nas livrarias”, diz Roberta Machado, diretora de comunicação do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e CEO da editora Record.
Foi o que aconteceu com a escritora americana Colleen Hoover, que teve suas obras entre as mais lidas do último ano.
Ela se tornou um fenômeno conhecido em diversos países, incluindo o Brasil, graças à divulgação de suas obras na rede social e criou a própria hashtag, #ColleenHoover, que acumula mais de 4,8 bilhões de visualizações.
“A Colleen Hoover é caso fortíssimo, vendeu 4 milhões de livros só no Brasil desde que explodiu em 2021”, diz Machado.
Foi justamente influenciada pelos vídeos que falavam sobre o livro É assim que acaba (Galera, 2020) de Collen que fez a babá Francielly Aparecida de Assis, de 23 anos, se interessar pela primeira vez pelos livros, em 2021.
“Após ver os vídeos, fiquei curiosa pela história. Um dia, passando em frente a uma livraria, decidi entrar e comprar”, diz Francielly.
Hoje, ela afirma que lê, em média, quatro livros por mês e assina uma plataforma de livros para ter acesso a muitas obras.
“No começo, foi um pouco cansativo ler, mas depois passei a gostar e, desde então, não parei mais”, conta.
Collen Hoover não foi a única que conquistou o público mais jovem.
A também americana Taylor Jenkins Reid também viu obras conquistarem o público após o livro Os sete maridos de Evelyn Hugo (Paralela, 2019) ser presença constante nas indicações dos booktokers.
O sucesso foi tanto que o livro liderou o ranking de best-sellers do New York Times por 32 semanas, e a história está sendo adaptada por um serviço de streaming.
Impacto no mercado
Um grande sinal deste fenômeno é o espaço que o TikTok vem ganhando no mercado literário.
Na última Bienal do Livro de São Paulo, a rede social foi um dos patrocinadores oficiais e teve um estande no evento.
Em várias livrarias, é possível encontrar seções intituladas “Livros do TikTok”, que mostram as obras populares na rede social.
“O mercado de ficção para jovens tem crescido muito, e o BookTok é talvez o principal vetor disso”, diz Roberta Machado, da Record. “O jovem, que antes tinha suas leituras decididas pelos pais ou professores, quer agora fazer suas escolhas por meio de suas bolhas, seus algoritmos.”
O mercado respondeu investindo menos nas lojas físicas, como pilhas gigantes em vitrines e livrarias, e em anúncios em ônibus e outdoor e mais em conteúdo digital.
As editoras fazem parcerias pagas com booktokers e contratam profissionais com faro para tendências digitais, que avaliam o que esses novos consumidores de livros querem ler e esperam das obras.
Em um negócio em que as verbas de divulgação não são altas, diz Machado, o desafio de marketing para vender livros sempre foi estimular a indicação de obras e o boca-a-boca.
“Aí o TikTok entra com esse mecanismo de viralização mundial, atingindo em cheio a geração Z (jovens nascidos entre o final dos 1990 e o início dos anos 2000), entregando conteúdo para muito mais gente que qualquer outra rede”, diz Machado.
“O jovem está ali, atento e querendo ele mesmo fazer a escolha do que consumir. É o melhor veículo de marketing editorial atual e o mais barato.”
Aline Frederico, professora de Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), explica que as recomendações costumam ter um grande impacto no desempenho de um livro no mercado.
“Pesquisas voltadas ao setor da leitura mostram que a indicação de outra pessoa é o segundo fator principal que faz uma pessoa escolher um livro, ficando atrás apenas do assunto”, diz Frederico.
Isso ganha ainda mais força quando ocorre por meio de meios de comunicação de massa, como as redes sociais, explica a professora.
A divulgação de obras nestas plataformas e, consequentemente, seu sucesso ou viralização dependem de alguns fatores: as tendências em alta, os assuntos do momento e os influenciadores que comentam sobre uma obra.
“Encontrar o seu público e buscar os canais corretos para falar com ele são essenciais”, diz Frederico.
“Por isso que o TikTok é tão importante para a literatura para jovens e adultos, porque é o canal onde a editora consegue chegar no público diretamente.”
Fonte: BBC
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