- Letícia Mori
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Embora as eleições já tenham passado e Bolsonaro já tenha até deixado o Brasil, as ações do ex-presidente durante a campanha ainda podem ter consequências graves para ele.
Bolsonaro enfrenta 16 processos em andamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por acusações de ilegalidades cometidas durante a campanha.
Caso seja condenado em alguma das ações e a Corte decida que há grande gravidade na conduta, a consequência pode ser a inelegibilidade por um prazo de oito anos – ou seja, Bolsonaro não poderia participar das próximas duas campanhas presidenciais, nem das eleições municipais.
As ações avaliam se houve abuso de poder econômico, abuso de poder político e abuso do uso dos meios de comunicação pelo então presidente, que é acusado de ter se aproveitado do cargo e da estrutura presidencial para se beneficiar eleitoralmente.
Seis das ações foram propostas pelo PDT, oito foram propostas pelo PT e sua coligação e duas foram propostas pela senadora e ex-candidata à Presidência Soraya Thronicke (União Brasil).
Entenda quais são as acusações e quais ações têm mais chances de impedir que Bolsonaro concorra.
Ataque ao sistema eleitoral
O maior andamento recente nos processos foi em uma das ações propostas pelo PDT, o partido de Ciro Gomes.
A ação argumenta que configura abuso de poder a reunião feita por Bolsonaro com embaixadores na qual questionou o sistema eleitoral brasileiro.
No dia 16 de janeiro, o ministro do TSE Benedito Gonçalves autorizou que seja incluída na ação uma nova prova – a minuta de decreto encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres que tratava de um estado de defesa a fim de mudar o resultado da eleição de 2022, vencida pelo atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mas juristas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a inclusão da minuta não agrava a situação de Bolsonaro.
O advogado especialista em direito eleitoral Cristiano Vilela explica que, embora o documento aponte fatos que, se comprovados, são muito graves, não há uma conexão tão forte com a reunião dos embaixadores do ponto de vista da Justiça.
“Evidentemente, é uma minuta gravíssima”, diz Vilela, que faz parte da Confederação Americana de Organizações Eleitorais Subnacionais e foi observador eleitoral nas eleições no Chile e na Colômbia.
“Mas tecnicamente não vejo vinculação entre um esboço que estava na casa do ministro e a reunião com os embaixadores.”
“Abuso de poder político é uma coisa difícil de comprovar – ainda que você comprove que uma ação aconteceu, a discussão sobre se isso configura abuso é mais subjetiva”, explica a advogada especializada em direito eleitoral Paula Bernardelli, membro da Comissão de Estudos em Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
“Quanto menos concreto foi o ato em análise, mais difícil é a procedência da ação. E no caso, se trata de uma influência mais vaga”, diz ela.
Ou seja, a minuta seria um indício de ilegalidade em um contexto mais amplo, mas não para esse processo em si, aponta o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral.
“É mais um indício, um elemento de prova num xadrez que aponta que Bolsonaro sempre esteve mal intencionado caso perdesse a eleição. Mas nessa ação não acrescenta nada”, afirma Rollo.
Segundo ele, a minuta pode até mesmo ser considerada prova de um crime, mas nesse caso a competência não seria da Justiça Eleitoral – ou seja, é uma prova mais útil para o Ministério Público e para a Polícia Federal.
Além disso, o fato do ministro ter aceitado a inclusão da prova no processo não significa necessariamente que ela será considerada válida, afirma Bernardelli.
Os juristas, no entanto, divergem quanto ao risco que Bolsonaro corre com essa ação.
Para Bernardelli, Rollo e Vilela, a relação da reunião com os embaixadores com a tentativa de influenciar o processo eleitoral seria um pouco vaga.
“Me parece mais frágil a relação entre uma coisa e outra. Tenho dificuldade de identificar um elemento especificamente (da competência da Justiça) eleitoral no caso”, afirma Vilela.
Para o especialista em direito eleitoral Luiz Fernando Pereira, no entanto, essa ação seria uma das com maior risco de condenação para Bolsonaro.
“São fatos que precisam ser analisados dentro de um contexto. Não é apenas a reunião com os embaixadores. Bolsonaro vinha atacando o sistema eleitoral desde 2018”, afirma Pereira, que é coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
“Para configurar abuso de poder político, não basta que haja um ilícito eleitoral, precisa ter grande gravidade. Você mede pelo grau de influência e o alcance daquela ação”, afirma o especialista.
O PL, partido de Bolsonaro, argumenta que o encontro com embaixadores foi uma reunião de governo, não de campanha. Por isso não poderia configurar abuso de poder ou propaganda eleitoral.
Já a defesa do ex-presidente tentou, sem sucesso, questionar a competência da Justiça Eleitoral para julgar o caso, também argumentando que o evento com os embaixadores não teve caráter eleitoral.
Mas os ministros do TSE rejeitaram essa tese e decidiram por unanimidade manter o caso lá para julgamento.
Além da ação do PDT, uma das ações do PT também trata de ataques ao sistema eleitoral. O processo do PT abrange mais casos além da reunião com embaixadores e cita uma série de outras ações – 19 tipos de condutas em dezenas de episódios específicos – que seriam parte de uma campanha orquestrada de ataque ao sistema eleitoral.
Segundo Pereira, o mais provável é que as ações do PT e do PDT sobre os ataques ao sistema eleitoral sejam julgadas em conjunto pelo tema e pela gravidade.
A ação cita uma live que o presidente fez com notícias falsas sobre fraude nas urnas, ataques ao Judiciário durante a campanha, ataques aos institutos de pesquisas, criação de uma narrativa de perseguição política, entre outros.
“Se eu fosse da defesa do ex-presidente, consideraria essas ações a ‘matriz de risco’ para uma condenação que resulte em inelegibilidade”, afirma o presidente da Abradep.
‘Pacote das bondades’
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil concordam, no entanto, que a ação que trata da liberação por Bolsonaro de recursos públicos para beneficiar-se eleitoralmente é a que tem maiores chances de resultar em condenação e inelegibilidade.
Bolsonaro trabalhou para a aprovação de uma série de benefícios governamentais que foram aumentando com a proximidade da eleição, no que ficou conhecido como “pacote das bondades”.
A ação em andamento no TSE cita dez medidas do ex-presidente que configurariam abuso de poder político e econômico:
- Aprovação de vantagens a concursados da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal;
- Antecipação dos repasses do Auxílio-Brasil e do Auxílio-Gás durante o 2º turno;
- Inclusão de 500 mil famílias no programa Auxílio-Brasil em outubro de 2022;
- Antecipação de pagamento de benefício para caminhoneiros;
- Relançamento do programa de renegociação de dívidas “Você no azul”, da Caixa Econômica Federal;
- Anúncio da liberação de uso do FGTS “futuro” para financiar imóveis;
- Aumento de R$ 1 bilhão dos subsídios ao programa Casa Verde e Amarela;
- Anúncio de crédito para mulheres empreendedoras;
- Antecipação do pagamento de benefícios para taxistas;
- Crédito consignado do Auxílio-Brasil.
Paula Bernardelli explica que já existe um grande número de decisões do TSE que consideram a aprovação de benefícios do tipo como abuso de poder político e econômico.
“A gente nunca teve um presidente condenado por isso, mas esse tipo de condenação é bem comum em prefeituras do interior”, diz Bernardelli.
“Você vê muitos casos em que prefeitos são cassados por distribuir benefícios, por troca de favores – casos que de alguma forma se aproximam dos que estão na ação (contra Bolsonaro), embora sejam em escala diferente.”
Existe uma jurisprudência nesse sentido que não favorece Bolsonaro, explica Pereira, da Abradep.
“Talvez o fato de ser um pleito presidencial, dada a dimensão, exija uma demonstração mais categórica desse abuso. Mas se nos orientarmos pelas decisões da Justiça até agora, o risco de condenação de Bolsonaro nessa ação é o maior.”
Quando ainda era presidente, Bolsonaro negou que o apelidado “pacote de bondades” tivesse viés eleitoral e argumentou que as medidas se justificavam pela situação de “emergência” do país, após a pandemia de covid-19.
Celeridade
Analistas têm apontado que as consequências de uma condenação na Justiça Eleitoral podem chegar mais rápido para Bolsonaro do que outros processos que ele enfrenta.
Isso porque a Justiça Eleitoral por natureza já tende a ter decisões mais rápidas que as outras áreas do Judiciário – decisões costumam sair, em média, em dois anos, dizem os advogados.
Em casos de destaque e grande relevância nacional, no entanto, os processos podem acabar tendo prioridade e serem mais curtos.
A decisão sobre a não aceitação da candidatura de Lula em 2018, por exemplo, saiu em tempo recorde.
Da mesma forma, a tendência é que os processos contra Bolsonaro não fiquem parados por muito tempo aguardando decisões – não tenham muito do chamado “tempo morto”, em que processos estão na fila sem estarem de fato passando por uma análise.
Entre as 15 ações contra o ex-presidente, provavelmente serão julgadas primeiro as com acusações de maior gravidade.
Além das que envolvem ataques ao sistema eleitoral e o pacote das bondades, também tramitam acusações de usar os atos de 7 de setembro como campanha eleitoral, criar um sistema de desinformação para influenciar o pleito, beneficiar uma emissora de rádio e TV para receber uma cobertura positiva e fazer uso de bens e estrutura públicos para fins de campanha, entre outros.
Os casos na Justiça Eleitoral apresentam um risco mais iminente para Bolsonaro porque devem ser resolvidos antes. No entanto, nem condenações nem absolvições impedem que ele seja julgado por seus atos durante a Presidência em outras áreas da Justiça.
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