- Thais Carrança – @tcarran
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Os bloqueios de estradas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e contra o resultado das eleições já afetam o setor de carnes, leite e o abastecimento de supermercados.
Representante do setor de frigorífico do Mato Grosso afirma que a indústria está parcialmente parada, devido à dificuldade de transporte de animais vivos para abate.
No setor de lácteos, a Viva Lácteos (Associação Brasileira de Laticínios) afirma que há dificuldade tanto de suprimento de insumos, como de escoamento da produção.
A Abras (Associação Brasileira de Supermercados) informou em nota que supermercadistas já começam a enfrentar dificuldades de abastecimento e pediu apoio ao presidente Jair Bolsonaro.
Frigoríficos parados no Mato Grosso
“A gente tem abates diários e dependemos de transporte diário para a produção. Desde ontem [segunda-feira, 31/10] não conseguimos transitar, então a indústria está literalmente parada neste momento”, disse à BBC News Brasil um representante do setor de frigoríficos do Mato Grosso, que pediu para não ser identificado por temor de represálias.
O Estado do Mato Grosso lidera o abate de bovinos no Brasil, representando 16% da produção nacional, seguido por Mato Grosso do Sul (11,3%) e São Paulo (11%), segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“Hoje ainda há produção daquilo que chegou ontem da nossa matéria-prima que é o boi, cujo transporte é feito diariamente do pasto e dos confinamentos para a indústria. Esse transporte está bloqueado, assim como está bloqueado o transporte do produto final para os grandes centros.”
O porta-voz da indústria diz que todos os frigoríficos do Estado estão sendo afetados.
“Estão todos parcialmente parados, com pelo menos uns 50% da produção comprometida, no mínimo”, afirma.
“Você tem empresas com custos fixos menores, porque são muito pequenas, até as maiores. Então, por unidade de produção, um dia parado pode representar despesas de R$ 20 mil a R$ 200 mil”, estima o representante do setor, sobre o impacto econômico da parada de produção.
Para o agroindustrial, o bloqueio das estradas por motivação política não tem explicação lógica ou fundamentação jurídica e prejudica as operações. “É danoso para a economia. Ponto.”
Questionado se esse efeito prejudicial pode abalar o apoio do setor agropecuário a Bolsonaro, ele avalia que não, creditando os protestos à ação de “radicais”.
“É um movimento pontual, com alguma radicalização. Acho que isso não prejudica um apoio às ideias”, avalia. “Não vejo como uma coisa estruturada, coordenada, não tem nada disso.”
O representante do agronegócio, no entanto, avalia que Bolsonaro precisa vir a público para pôr fim aos bloqueios.
“Minha expectativa, e acho que a de todos os brasileiros, é de ordem. Ordem precisa ser cumprida, precisamos respeitar decisões. Não é pelos extremos que as coisas andam”, afirma
“Se ele é o motivo [dos protestos] e se a ausência dele promove a desordem, é obrigação dele se pronunciar”, diz o representante.
Setor de lácteos já sente impactos
Gustavo Beduschi, diretor executivo da Viva Lácteos (Associação Brasileira de Laticínios), afirma que o setor já sente os impactos do bloqueios, mas espera que a situação possa ser resolvida rapidamente.
“Estamos acompanhando o que está acontecendo e realmente está começando a complicar, pois o movimento que começou ontem escalou muito rápido, muito mais rápido do que em 2018 [ano da greve dos caminhoneiros]”, disse Beduschi em entrevista à BBC News Brasil.
Segundo ele, as empresas associadas reportam problemas variados entre os estados e há uma articulação entre as diferentes associações do setor produtivo monitorando a situação.
“Há relatos de problemas de distribuição por causa das rodovias bloqueadas e começam a haver relatos de problemas de suprimento. Mas esperamos que, dentro em breve, com as ações que estão acontecendo, a gente consiga ter uma solução disso da melhor maneira possível.”
O diretor da Viva Lácteos explica que o setor de leite é sempre um dos primeiros a ser afetados quando ocorrem paralisações das estradas pois a coleta nos produtores é feita de forma diária.
“Temos que rodar diariamente para coletar leite. E o derivado, mesmo sendo processado na indústria, dependendo do produto, não tem um tempo de prateleira grande. Por isso é necessário escoar logo a produção, se fica parado, vai complicando”, afirma.
Em 2018, a Viva Lácteos anunciou prejuízo de R$ 1 bilhão em toda a cadeia produtiva do leite em 7 dias de greve dos caminhoneiros. O volume de leite descartado chegou a mais de 300 milhões de litros naquela temporada de protestos.
“Se o problema persistir, como aconteceu em 2018, podemos ter perdas econômicas significativas. Dessa vez, esperamos que solucione logo, num curto espaço [de tempo]”, diz o diretor executivo.
“Se isso se prolonga e começa a ter problema de distribuição, é o abastecimento para a população [que é afetado]. E estamos falando de alimento. Mas trabalhamos com foco em uma solução o mais rápido possível, com o menor estresse possível”, conclui.
Setor de alimentos e parlamentares do agro pedem fim dos bloqueios
A Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) informou em nota que “segue monitorando os possíveis impactos com atenção e preocupação, pois garantir o abastecimento de alimentos para a população brasileira é prioritário”.
“Lembramos que as operações de produção, distribuição, comercialização e entrega de alimentos e bebidas foram consideradas atividade essencial pelo governo federal em 2020. É fundamental, portanto, que haja a livre circulação de caminhões e veículos privados ou coletivos que transportem colaboradores da indústria de alimentos e bebidas, bem como insumos e produtos acabados para abastecer os varejos e os estabelecimentos de alimentação, assegurando, desta forma, o bem-estar da sociedade”, diz a nota da associação do setor de alimentos.
Na segunda-feira (31/10), a Frente Parlamentar da Agropecuária, que reúne congressistas defensores do setor, também divulgou nota pedindo a liberação das rodovias.
“A Frente Parlamentar da Agropecuária entende que o momento é delicado e respeita o direito constitucional à manifestação, porém ressalta que o caminho das paralisações de nossas rodovias impacta diretamente os consumidores brasileiros, no possível desabastecimento e em toda a cadeia produtiva rural do país”, disse a entidade, em nota.
“Fazemos um apelo para que as rodovias sejam liberadas para cargas vivas, ração, ambulâncias e outros produtos de primeira necessidade e/ou perecíveis.”
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