- Julia Braun
- Da BBC News Brasil em Londres
No último domingo, o apresentador do Big Brother Brasil precisou dar um alerta a um dos participantes sobre seu comportamento no reality show. Tadeu Schmidt se dirigiu a Gabriel Tavares e pediu mais cautela ao modelo em seu relacionamento dentro do programa com a atriz Bruna Griphao.
“Quem está envolvido em um relacionamento, talvez nem perceba, ache que é normal. Mas quem tá de fora consegue enxergar quando os limites estão prestes a serem gravemente ultrapassados”, disse Schmidt, acrescentando que membros da casa consideravam o casal “tóxico”.
“Gabriel, em uma relação afetiva, certas coisas não podem ser ditas nem de brincadeira”, avisou.
O alerta veio depois de várias declarações agressivas do modelo de 24 anos, que despertaram acusações de abuso psicológico nas redes sociais.
Em um dos episódios, após Bruna dizer que era o “homem da relação”, ele respondeu de forma hostil: “Mas já já você vai tomar umas cotoveladas na boca”. Em outro momento, Gabriel afirma que a atriz “parece uma sarna” por estar sempre ao seu lado.
Em diversas circunstâncias, porém, a artista rebate as agressões e questiona o modelo por suas atitudes. Por isso e por sua personalidade forte, muitos telespectadores do programa se surpreenderam com o fato de Bruna estar envolvida em um relacionamento abusivo.
Mas segundo Daniela Pedroso, especialista em violência contra a mulher que trabalha na área há 25 anos, diferente do que muitos acreditam, não só mulheres frágeis e condescendentes podem ser vítimas de homens tóxicos.
“É um mito que só mulheres frágeis ou que não são empoderadas podem sofrer um relacionamento abusivo. Na verdade, ele pode estar presente na vida de todas nós”, diz a psicóloga que atende vítimas de violência.
Segundo Pedroso, em casos como esses, o fato de uma mulher rebater as agressões de seu parceiro tampouco significa que ela não esteja em uma relação problemática e violenta.
“Especialmente quando se trata de casais com mais condições econômicas ou poder social, a situação de abuso muitas vezes não vem à tona. A população desfavorecida tem as paredes de casa finas, enquanto no caso dos mais ricos a parede é grossa e não conseguimos escutar os gritos”, explica, usando uma analogia.
A especialista chama a atenção para um caso da juíza Viviane Vieira do Amaral, morta pelo próprio ex-marido no Rio de Janeiro em 2020 em um caso de violência doméstica e feminicídio.
“Isso prova como o relacionamento abusivo está presente em todo lugar. Essa juíza conhecia a lei, trabalhava com casos de violência e mesmo assim infelizmente foi vítima”.
O que é um relacionamento abusivo?
Em um relacionamento abusivo, nota-se a presença de pelo menos um destes tipos de violência: verbal, emocional, psicológica, física, sexual, financeira e tecnológica (esta vai desde controle velado das redes sociais da vítima até insistência em obter senhas pessoais, controle de conversas, curtidas e amizades online).
Para caracterizá-lo, são levados em conta fatores como o sofrimento causado em uma pessoa, a frequência dos abusos, ciclos de agressão e escalonamento da violência.
Além disso, nas relações abusivas costuma haver discrepância no poder de um em relação ao outro, ou seja, uma posição de desigualdade. Esse tipo de relacionamento segue alguns padrões e gera sentimentos recorrentes como dúvidas, confusão mental, ansiedade, insegurança e esperança de que o parceiro mude e os abusos cessem.
“E infelizmente muitas vezes a mulher se sente desacreditada, se culpa pelo que está acontecendo”, diz Daniela Pedroso.
Segundo a especialista, as relações desse tipo ainda costumam seguir um padrão. “Geralmente começam de forma silenciosa e posteriormente seguem algumas fases”, diz.
A especialista explica que a primeira fase é a de tensão, quando começam os insultos e ameaças. A segunda é a de crise. “Em casos de violência, é quando começam os empurrões, socos e outras agressões”.
A terceira fase é a lua de mel. “É quando o homem muda o comportamento, pede desculpas e pode haver uma reconciliação. Em seguida, o ciclo recomeça.”
Uma em cada três mulheres já sofreu violência sexual ou física, segundo a ONU, que aponta que a maioria é praticada por parceiros.
No Brasil, a lei Maria da Penha entrou em vigor em 2006 como uma tentativa de facilitar a punição de autores de violência doméstica. E desde 2021, o Código Penal inclui também o crime de violência psicológica contra a mulher.
Mas as vítimas são sempre mulheres? Não necessariamente, mas na maioria das vezes. Diferentes pesquisas apontam que em mais de 80% dos casos o abusador é um homem e a vítima é uma mulher.
Como sair de um relacionamento abusivo?
Pedroso viu como positiva a atitude do Big Brother de alertar os participantes sobre o caso, pois além de despertar a consciência dos participantes, também aproveita a oportunidade para tocar no tema em rede nacional.
“Muitas mulheres não percebem que estão vivendo uma relação abusiva e chamar a atenção para o problema coloca luz sobre um problema que nós, profissionais da saúde, por vezes só conseguimos abordar com um número limitado de pessoas”, diz.
A especialista ainda aconselha mulheres que tenham se dado conta de sua situação a procurar ajuda o quanto antes, pois é preciso fazer uma intervenção. “Hoje é muito mais simples buscar ajuda do que no passado. Existem diversos órgão públicos preparados para lidar com casos assim no Brasil”, diz.
Segundo Pedroso, as mulheres podem procurar as Delegacias de Defesa da Mulher, a Casa da Mulher Brasileira – um centro de atendimento humanizado e especializado no atendimento de violência doméstica – e até os serviços de saúde pública de seu município.
Em casos mais graves, as vítimas ainda podem lançar mão da estratégia desenvolvida pela Campanha Sinal Vermelho, que aconselha as mulheres a irem a uma farmácia, drogaria, supermercado, hotel ou condomínio participante da ação e apresentar um X vermelho desenhado em uma das suas mãos a um dos atendentes do local, orientado a pedir ajuda à polícia.
Para quem deseja denunciar um caso de abuso físico ou psicológico, a orientação é ligar para a polícia (190) em situações de emergência, como no momento em que uma vizinha está sofrendo violência.
Se for para denunciar casos que não estão ocorrendo naquele exato momento, a orientação é entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Ligue 180), que é um serviço do governo federal, gratuito e que preserva o anonimato.
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