- Leandro Prazeres
- Da BBC News Brasil em Brasília
“Estamos recrutando pessoas que tenham disponibilidade para ir a Brasília de ônibus que sairá no domingo e volta na quinta feira. Tudo pago.”
Anúncios como esse circularam em grupos com milhares de integrantes em redes sociais como o Telegram, Facebook e WhatsApp nos dias que antecederam a invasão das sedes dos três poderes em Brasília, no domingo (8/1), indicando a possibilidade de financiamento para os atos que agora estão no alvo das autoridades. A existência de uma rede financiando a ida de militantes bolsonaristas é uma das principais linhas de investigação da Polícia Federal desde os atos do domingo.
Os anúncios com ofertas de transporte gratuito para Brasília foram encontrados pela reportagem da BBC News Brasil em diferentes redes sociais, como o Telegram, WhatsApp e Facebook.
Normalmente, os anúncios indicam as datas de partida dos ônibus e números de telefone para o contato dos supostos organizadores. É o caso da convocação citada no início desta reportagem.
A reportagem conseguiu obter mensagens indicando oferta de ônibus para militantes bolsonaristas saindo de cidades como Campinas, no interior de São Paulo, Blumenau, em Santa Catarina, e em Cascavel, no Paraná.
Um dos pontos que chamou atenção nas mensagens foi a aparente gratuidade do transporte e a promessa de que os militantes teriam abrigo e alimentação bancados assim que chegassem a Brasília.
A indicação é de que, assim que chegassem em Brasília, os militantes recrutados seriam alocados no acampamento de bolsonaristas que se formou em frente ao Quartel General do Exército.
A aglomeração durou mais de um mês e só foi desmobilizada após a invasão das sedes dos 3 poderes, no domingo. Pelo menos 1,5 mil pessoas foram detidas e encaminhadas para delegacias e para um ginásio após a desocupação do acampamento em frente ao QG do Exército.
Segundo o Ministério da Justiça, eles poderão responder pelos crimes de golpe de estado, dano de patrimônio e lesão corporal. As penas podem chegar a 15 anos de prisão.
A reportagem ligou para os telefones indicados em três postagens que anunciavam o recrutamento de militantes em direção a Brasília.
Num dos casos, uma mulher atendeu a chamada e negou seu envolvimento no caso. Segundo ela, seu telefone estaria sendo usado de forma indevida.
A reportagem também telefonou para outra pessoa indicada como o contato que organizava caravanas do Paraná para Brasília.
Ela disse ser bolsonarista, mas negou que estivesse por trás da organização do transporte de militantes para a capital federal.
No terceiro caso, nenhuma das duas pessoas cujos telefones estavam indicados na postagem atenderam às chamadas.
A legislação prevê penas de até quatro anos de prisão para quem financiar atos contra o Estado e a ordem política e social.
Financiamento na mira
O transporte de milhares de militantes bolsonaristas para Brasília é uma das principais linhas de investigação da Polícia Federal e da Polícia Civil do Distrito Federal desde os atos do domingo.
Informações colhidas pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal apontam que, no dia do evento, pelo menos 140 ônibus com militantes haviam chegado a Brasília até aquele momento.
Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, as autoridades locais e federais apreenderam pelo menos 40 ônibus que transportavam militantes e iniciaram o processo de identificação dos responsáveis pelo fretamento dos veículos.
Segundo o portal UOL, o ministro afirmou, sem detalhar, que entre os supostos financiadores teriam sido identificados representantes do agronegócio, comerciantes e pessoas com certificado de caçador, atirador ou colecionador de armas (CACs).
“Já foram identificados os primeiros financiadores, sobretudo aqueles relativos aos ônibus, aqueles que organizaram o transporte, que contrataram os ônibus. Estas pessoas estão todas identificadas”, disse o ministro, segundo o portal.
Na segunda-feira (9/1), durante uma entrevista coletiva, Dino sinalizou que entre os suspeitos de financiarem os atos de domingo estariam pessoas ligadas ao agronegócio.
“Eu prefiro não me intrometer em investigações que competem à PF e é precoce porque pode revelar ideia de generalização. Há pessoas vinculadas a este segmento econômico que participaram, é inequívoco, mas isso não significa generalização”, disse.
Em outra frente das investigações sobre o financiamento dos atos está a Advocacia-Geral da União (AGU).
Veículos como os portais G1 e UOL veicularam e a BBC News Brasil confirmou a informação de que o órgão teria identificado pelo menos 100 empresas suspeitas de custear os gastos de manifestantes em Brasília. A expectativa é de que a AGU peça o bloqueio dos bens dessas empresas nos próximos dias.
A invasão às sedes dos três poderes aconteceu na tarde de domingo. Milhares de militantes bolsonaristas romperam o bloqueio de alguns policiais militares e entraram no Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF). Móveis, computadores e obras de arte foram destruídos ou parcialmente destruídos.
A ordem só foi restituída após o reforço do policiamento na área. Após a invasão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretou a intervenção na segurança pública do Distrito Federal, prevista para durar até o 31 de janeiro. Horas mais tarde, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, afastou temporariamente o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). O afastamento tem duração de 90 dias.
As investigações apuram se houve conivência de Ibaneis e outros agentes públicos nos momentos que antecederam a invasão. Entre eles está o ex-secretário de Segurança Pública e ex-ministro da Justiça durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Anderson Torres. Na terça-feira, a PF cumpriu mandados de prisão e busca e apreensão contra ele. Torres, porém, está de férias nos Estados Unidos.
Nos últimos dias, Torres lamentou o ocorrido e rebateu acusações de que ele foi conivente com os atos do domingo.
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