Um integrante do círculo próximo do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, renunciou depois que o premiê se manifestou publicamente contra a Europa se tornar um povo “mestiço”.
Zsuzsa Hegedus, que conhece o nacionalista Orbán há 20 anos, descreveu o discurso dele como um “texto puramente nazista”, segundo noticiou a imprensa local.
O Comitê Internacional de Auschwitz, formado por sobreviventes do Holocausto, chamou o discurso de “estúpido e perigoso”.
O Holocausto foi o assassinato em massa de milhões de judeus, bem como homossexuais, ciganos, Testemunhas de Jeová e outras minorias, durante a 2ª Guerra Mundial, a partir de um programa de extermínio sistemático patrocinado pelo partido nazista de Adolf Hitler
E o porta-voz de Orbán afirmou, por sua vez, que a imprensa deturpou os comentários.
O discurso aconteceu no sábado (23/07) em uma região da Romênia que tem uma grande comunidade húngara.
Ao discursar, Orbán disse que os povos europeus deveriam ser livres para se misturar uns com os outros, mas que a mistura com não-europeus criava um “mundo mestiço”.
“Estamos dispostos a nos misturar uns com os outros, mas não queremos nos tornar mestiços”, declarou ele.
As opiniões antimigração de Orbán são bem conhecidas, mas para Hegedus, o discurso de sábado passou dos limites.
“Não sei como você (Orbán) não percebeu que o discurso que fez é uma diatribe puramente nazista digna de Joseph Goebbels”, escreveu ela em sua carta de demissão, segundo o site de notícias húngaro hvg.hu.
Goebbels era ministro da propaganda de Adolf Hitler na Alemanha nazista. Ele era conhecido pelo dom da oratória e profundo antissemitismo.
O maior grupo judaico da Hungria também condenou o discurso e convocou uma reunião com Orbán.
Análise de Nick Thorpe, correspondente da BBC em Budapeste
Os comentários de Orbán sobre raça foram duramente criticados por algumas pessoas na Hungria, e igualmente defendidos com veemência por outras.
“Apenas uma raça habita esta terra, Homo Sapiens. E é única e indivisível”, comentou o rabino-chefe Robert Fröhlich.
Políticos da oposição, derrotados decisivamente pelo partido Fidesz de Orbán nas eleições de abril, disseram que seus comentários foram “inaceitáveis… indignos de um estadista europeu”.
O porta-voz do governo, Zoltan Kovacs, tentou abafar o crescente coro de reprovação, argumentando que o primeiro-ministro havia sido franco sobre os temas de imigração e assimilação durante anos.
No jornal Magyar Nemzet, alinhado ao governo, um artigo elogiou Orbán por defender a ideia de nacionalidade contra uma tentativa de misturar todas as nações “em uma massa cinzenta e indistinguível”.
Na melhor das hipóteses, Orbán parece confuso, às vezes falando dos húngaros como “a sociedade mais mista”, outras vezes, parecendo sugerir que acredita na pureza étnica.
A renúncia de Zsuzsa Hegedus provavelmente não terá mais repercussões na Hungria. A disciplina partidária é rígida, e as demissões são quase desconhecidas.
Em resposta por carta à sua conselheira de longa data, Orbán defendeu suas palavras.
“Você sabe melhor do que ninguém que na Hungria meu governo segue uma política de tolerância zero tanto em relação ao antissemitismo quanto ao racismo”, escreveu.
O porta-voz dele, Zoltan Kovacs, disse que a grande mídia estava “hiperventilando sobre algumas frases duras sobre imigração e assimilação”, mas permaneceu em silêncio sobre os principais pontos do discurso.
Orbán também falou sobre a guerra na Ucrânia, argumentando que o apoio do Ocidente ao país havia fracassado, que as sanções contra a Rússia não estavam funcionando e que a negociação de um acordo de paz deveria ser prioridade.
Apesar de receber grandes quantias de fundos da União Europeia, o governo húngaro liderado por Orbán entra frequentemente em conflito com o bloco sobre questões de Estado de direito, como liberdade de imprensa e migração.
O primeiro-ministro húngaro teve no passado uma boa relação com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e é o único líder da União Europeia a criticar abertamente o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
Em fevereiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro se encontrou com Órban, em Budapeste. Na ocasião, chamou o primeiro-ministro húngaro de irmão e disse haver afinidades políticas e ideológicas entre o Brasil e a Hungria. Segundo ele, os dois países seriam representantes de valores como Deus, pátria, família e liberdade.
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