- Author, Veronica Smink
- Role, Da BBC News Mundo na Argentina
O presidente da Argentina, Javier Milei, havia definido a iniciativa como “um projeto de lei que pode muito bem determinar o destino do nosso país”.
Mas na terça-feira (6/2) ele decidiu retirar sua emblemática Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos – mais conhecida como “lei omnibus” -, o pacote com o qual planejava realizar uma reforma liberal no país.
Isso aconteceu depois que os principais artigos da lei foram rejeitados pela maioria dos legisladores na Câmara dos Deputados, onde o pacote estava sendo votado artigo por artigo, depois de ter sido aprovado em termos gerais na semana passada, após três dias de acalorados debates ( que geraram manifestações violentas diante do Parlamento).
A decisão do presidente, que ordenou de Israel – onde está na sua primeira viagem internacional após tomar posse – que o pacote de leis voltasse às comissões, causou surpresa, pois significa que tudo volta ao ponto de partida. Ou seja, a aprovação geral não é mais válida.
Se o governo quiser reapresentar a Lei de Bases, que até agora considerou a pedra fundamental do seu plano de reformas, terá que repetir todo o processo parlamentar desde o início.
No entanto, o ministro do Interior, Guillermo Francos, destacou esta quarta-feira (7/2) que o governo não resolveu se vai reapresentar o projeto, que incluía dar poderes extraordinários ao presidente para legislar sem ter que passar pelo Congresso, abria a possibilidade de privatizar diversas empresas estatais, limitava o direito de protesto e dava maiores poderes às forças de segurança, entre os pontos que geraram mais resistência.
O governo já havia reduzido bastante a proposta original – passou de cerca de 660 artigos para cerca de 380 e foram excluídas as questões tributárias – com a intenção de conseguir a sua aprovação.
Após a decisão de devolver o projeto às comissões, o governo divulgou nota em que dirige seus ataques aos governadores, com quem mantém disputa pela distribuição da receita federal, dizendo que “eles tomaram a decisão de destruir a lei”, apesar de antes terem se comprometido a apoiá-la.
Já Milei, de Israel, acusou os parlamentares que rejeitaram o pacote de irem contra o mandato popular.
“A casta se posicionou contra a mudança que nós, argentinos, votamos nas urnas. Sabemos que não será fácil mudar um sistema onde os políticos enriqueceram às custas dos argentinos que se levantam para trabalhar todos os dias”, publicou em sua conta no X (antigo Twitter).
“Nosso programa de governo foi votado por 56% dos argentinos e não estamos dispostos a negociá-lo com quem destruiu o país. Há setores da política que resistem a fazer as mudanças que o país necessita. Eles terão que explicar à sociedade o motivo”, continuou ele.
E agora?
A rejeição da emblemática lei de Milei expôs uma realidade que complicará qualquer plano do governo de voltar à briga no Congresso.
E, embora o libertário tenha vencido as eleições confortavelmente, sua vitória veio no segundo turno.
No primeiro turno – aquele válido para a obtenção de cadeiras no Congresso – obteve apenas 30% e ficou em segundo lugar, 7 pontos atrás do Kirchnerismo-Peronismo, que obteve a maioria nas duas Casas do Legislativo.
Com esses resultados eleitorais, o grupo La Libertad Avanza, de Milei, tem hoje cerca de 40 cadeiras na Câmara dos Deputados e apenas 7 no Senado. Isso representa cerca de 15% de todo o Congresso.
Mesmo com os votos de aliados, como os legisladores do PRO (a força do ex-presidente Mauricio Macri), a votação da “lei omnibus” mostrou que o governo não tem musculatura parlamentar suficiente.
É por isso que alguns acreditam que ele não tentará novamente que o seu pacote de reformas seja aprovado no Congresso.
Uma alternativa poderia ser que, em vez de outra “lei omnibus”, o governo procurasse chegar a um consenso com a oposição ponto por ponto, e enviasse leis separadas com as principais reformas para as quais consegue obter apoio.
Contudo, o fracasso das negociações com os governadores para a aprovação da Lei de Bases mostrou outra aparente fraqueza deste governo: a sua falta de experiência e capacidade de manobra política.
“Houve muita negligência”, disse o analista político da Rádio Rivadavia, Ignacio Ortelli.
“O governo disse que a lei foi aprovada”, disse, referindo-se à confiança que Milei parecia ter antes de iniciar a viagem, que o levará também à Itália e ao Vaticano.
A verdade é que o La Libertad Avanza só chegou ao cenário político nas eleições legislativas de 2021, e o próprio Milei é um outsider, que se dedicou a trabalhar como economista no setor privado e começou a ficar conhecido como um excêntrico comentarista de programas de opinião, antes de entrar na política há apenas três anos.
Plebiscito?
Dado que o principal capital político de Milei é a sua vitória em novembro passado, com quase 56% dos votos, muitos na Argentina especulam que o presidente poderia tentar governar através da realização de consultas populares.
No passado ele disse que se não conseguisse um consenso político para alguma de suas iniciativas “convocaria um plebiscito”.
Após o fracasso da “lei omnibus” no Congresso, o porta-voz presidencial Manuel Adorni garantiu que Milei “tomou a decisão” de avançar com as medidas incluídas no projeto derrubado, e que “vai fazer isso com as ferramentas que a Constituição permite”.
A Carta Magna Argentina permite ao Poder Executivo realizar consultas populares sobre projetos de lei.
Um dos plebiscitos mais lembrados da história argentina foi o realizado pelo então presidente Raúl Alfonsín, em 1984, que foi fundamental para a aprovação do Tratado de Paz com o Chile, que pôs fim ao Conflito de Beagle.
Mas essa ferramenta tem suas limitações. A principal delas é que não é vinculante. Ou seja: ouve a opinião da população, mas não pode suplantar o Congresso e servir para aprovar uma lei.
Porém, a ideia dos libertários que apoiam essa opção é que ela serve para pressionar o Legislativo, sob a ideia de que se rejeitassem uma norma que foi endossada por plebiscito estariam votando “contra o povo”.
No entanto, tanto os detratores como os apoiadores do governo alertam que se trata de uma faca de dois gumes: se o governo perder um plebiscito, poderá também perder legitimidade (e, portanto, governabilidade).
O caso mais dramático ocorreu há alguns anos no Reino Unido, quando David Cameron convocou um plebiscito sobre a saída do país da União Europeia, pensando que seria rejeitada, e teve de se demitir após o surpreendente apoio ao Brexit.
Nesse sentido, alguns na Argentina apontam para diversas pesquisas de opinião que mostram uma queda na imagem do presidente nos primeiros dois meses no poder.
Embora seus índices de aprovação geralmente permaneçam acima de 50%, eles mostram queda de até 10 pontos em algumas pesquisas.
Um dos mais recentes, da CB Consultora Opinión Pública, aponta que a imagem de Milei caiu em todas as províncias argentinas, embora apenas em três dos 24 distritos ele tenha tido mais rejeições do que apoio.
A maioria dos especialistas atribui isto ao fortíssimo ajustamento econômico imposto pelo presidente logo que assumiu o cargo, que incluiu uma desvalorização do peso, que perdeu metade do seu valor diante do dólar, e que causou enorme consternação numa população que já sofre de uma das inflações mais altas do mundo.
Fonte: BBC
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