- Megha Mohan, Yousef Eldin e Ana Paola Avila
- Da BBC 100 Women em Honduras
Laura* nos encontra uma hora depois do pôr-do-sol, quando os últimos raios de sol estão desaparecendo rapidamente. Ela tem 25 anos de idade, está grávida há dois meses, mas diz que não está preparada para ter um filho.
“Dois meses atrás, saí e conheci uma pessoa”, ela conta, encolhendo-se. “Não tomei cuidado e fiquei grávida. Tem sido difícil para mim porque vivo sozinha. Eu me sustento sozinha.”
Ela para e observa um cão de rua aproximar-se do banco onde está sentada no centro da capital hondurenha, Tegucigalpa. Honduras tem algumas das normas mais restritivas do mundo sobre a reprodução feminina.
A pílula do dia seguinte foi proibida no país em 2009 e essa proibição durou até o início de dezembro. Agora, ela é disponível para as mulheres que sofreram estupro. O aborto segue proibido pode levar a até seis anos de prisão, mesmo em casos de estupro ou incesto.
Mas Laura soube de um remédio para câncer do estômago, vendido com receita médica, que mulheres estão tomando para pôr fim à gravidez. Quando inserido pela vagina, ele causa forte sangramento da parede uterina e, por fim, o aborto.
Ela planeja comprar esse remédio de um fornecedor chamado José*. Laura conta que ele é conhecido das pessoas da sua idade em Tegucigalpa.
A reportagem José a uma farmácia, onde ele foi pegar o remédio para uma cliente. O cheiro da sua colônia invade o carro. Ele conta que uma ex-namorada que trabalha em um hospital forneceu a receita.
José afirma que seu preço varia de acordo com a situação financeira da cliente. O maior valor que ele já cobrou é de 7 mil lempiras (a moeda de Honduras – cerca de R$ 1,5 mil), mas pode baixar o preço para até 1,5 mil lempiras (cerca de R$ 320). Ele consegue relacionar os tipos de clientes de memória.
“Estudantes, meninas que estão iniciando sua vida sexual, mães maduras e mais velhas, mulheres que ficaram grávidas depois de um caso… são principalmente mulheres. Os homens costumam não assumir a responsabilidade”, ele conta.
José afirma que também vende a pílula do dia seguinte, mas tem muito menos clientes para ela. Existe uma farmácia em Tegucigalpa que é conhecida por vender a pílula ilegalmente. Nós confirmamos essa informação visitando a farmácia – compramos a pílula por 230 lempiras (cerca de R$ 50).
Um grupo de trabalho das Nações Unidas estimou em 2021 que ocorrem 51 mil a 82 mil abortos de risco em Honduras todos os anos. José conta que sempre tem trabalho.
Questionado, ele admite que sua atividade é ilegal e que não recebeu treinamento médico. Mas ele afirma que está fornecendo um serviço e indica os nomes de algumas clientes conhecidas.
José argumenta que suas clientes confiam nele e, às vezes, até pedem a ele que insira os comprimidos.
“Como duas pílulas são ingeridas por via oral e duas são inseridas pela vagina, elas preferem ter alguém que saiba como fazê-lo”, afirma José. “Elas me pedem esse favor.”
José afirma que também fornece sais de reidratação para ajudar as mulheres a combater o sangramento.
Complicações e sangramentos
No maior hospital público de Honduras, o Hospital Escola de Tegucigalpa, costumam chegar mulheres com complicações e sangramento causados pela droga fornecida por José e por outros comerciantes do mercado ilegal.
Todas as semanas, cerca de 60 mulheres são tratadas depois de perderem sua gravidez, seja por abortos induzidos ou espontâneos. O hospital não mantém registros separados.
Os funcionários do hospital também recebem muitas adolescentes com 15 a 17 anos de idade, que chegam para fazer testes de gravidez. Honduras tem a maior incidência de gravidez de adolescentes da América Central – mais que o dobro da média mundial, segundo o Relatório sobre a Situação da População Mundial das Nações Unidas de 2020.
Os médicos afirmam que é frustrante não poder fazer nada para ajudar quando a gravidez é indesejada e nem mesmo quando a gravidez traz riscos para a vida da mãe.
Jinna Rosales, do grupo Acción Jóven, afirma que a pouca oferta de educação sexual e a alta incidência de violência de gênero são as causas de grande parte das gestações indesejadas e dos consequentes abortos de risco em alguns casos.
“Se uma mulher fizer um aborto em Honduras, não é culpa dela, mas sim da falta do Estado, que não oferece os recursos para evitar essas situações”, afirma ela.
Rosales afirma que é compreensível a oposição à legalização do aborto em um país onde 43% das pessoas identificam-se como cristãos evangélicos e 38%, como católicos romanos. Mas ela argumenta que a pílula do dia seguinte, que é aceita pela Organização Mundial da Saúde como forma de contracepção, deveria causar menos controvérsias.
Jovens ativistas de um coletivo online chamado Generación Celeste – pela vida, pela família e pela liberdade de Honduras, segundo sua autodescrição – discordam dessa posição.
A reportagem encontra dois ativistas, Jorge e Alma, na cafeteria de um hotel. Jorge nos conta que a pílula do dia seguinte age de três formas: duas delas são contraceptivas, mas a terceira evita que o óvulo fertilizado seja implantado na parede uterina.
Jorge e Alma acreditam que isso faz com que a pílula do dia seguinte seja abortiva, embora esta ideia seja rejeitada pelas autoridades médicas, como a Organização Mundial da Saúde e o Colégio Real de Obstetras e Ginecologistas do Reino Unido.
Mudanças na lei
Em novembro de 2021, Honduras promoveu sua primeira eleição presidencial democrática desde o golpe militar de 2009. A vencedora foi Xiomara Castro, que se tornou a primeira mulher presidente do país.
Castro havia prometido a legalização do aborto em algumas situações — incluindo casos de estupro e de risco de vida para a mãe — e tornar a pílula do dia seguinte disponível legalmente para todas as mulheres. Ela afirmou que tomaria essa medida nos primeiros 100 dias do seu mandato, que começou em janeiro de 2022.
Mas os grupos de defesa dos direitos das mulheres afirmam à BBC que, embora tenham sido convidados para discussões com a presidente, ainda não houve sinais de possíveis mudanças da legislação sobre o aborto. E as alterações prometidas sobre a pílula do dia seguinte também não se tornaram realidade.
No dia 6 de dezembro, o Ministério da Saúde anunciou que a pílula seria novamente legalizada, pela primeira vez desde o golpe de 2009, mas apenas em casos de estupro. Ela deve ser administrada pelo médico no hospital.
Tess Hewett, da organização Médicos Sem Fronteiras em Honduras, considera que a mudança é “um passo importante para garantir a disponibilidade de assistência vital e urgente para milhares de mulheres em Honduras”, mas que não deveria limitar-se às vítimas de violência sexual.
Para ela, “os passos imediatamente seguintes devem ser garantir que a pílula contraceptiva de emergência esteja disponível para todas as mulheres que precisarem dela”.
A presidente Xiomara Castro não concedeu entrevista, mas o Ministro da Saúde, José Manuel Matheu, concordou em falar para a BBC na época em que estava sendo preparada a legalização da pílula do dia seguinte.
Ele foi questionado por que estava oferecendo a pílula apenas para mulheres que haviam sofrido violência sexual.
“Nós não iremos promover a pílula do dia seguinte para contracepção, para que não haja desregramento sexual”, respondeu ele.
“Uso palavras precisas: nós vamos usar a pílula do dia seguinte somente para vítimas de estupro. Aqueles que fizerem sexo de forma irresponsável que assumam as consequências.”
Com isso, mulheres como Laura, que ficou grávida com sexo consensual, mas teria dificuldades para criar seu filho sozinha, não teriam direito. Ela afirma que compreende os riscos de tomar as pílulas vendidas por José.
“Eles dizem que o aborto [ilegal] dói três vezes mais do que o parto normal”, ela conta, em meio a um arrepio. “Não sei ao certo se irei sobreviver, mas não tenho outra saída. Sei que o aborto é ilegal, mas irei fazer.”
Aborto legal e aborto ilegal
Fazer aborto com chás abortivos, remédios caseiros ou remédios usados para outros fins (como o fornecido por José) gera diversos riscos, desde infecções e abortos incompletos até complicações que podem levar à morte.
Nos países onde o aborto é legalizado, como o Reino Unido, o aborto com medicamentos é realizado com a ingestão de uma combinação de remédios.
Os remédios são receitados por médicos e as mulheres têm acompanhamento durante o procedimento.
No Brasil, o aborto é legal em caso de estupro, risco de vida para a mãe e anencefalia. O procedimento precisa ser feito com acompanhamento médico para ser seguro.
Embora seja considerado um método seguro quando administrado por um profissional de saúde, ele pode trazer riscos quando feito por conta própria.
As chances de um aborto malsucedido aumentam muito quando o remédio é comprado pela internet ou administrado por uma pessoa sem preparo.
Essas mulheres também estão menos inclinadas a buscar cuidados médicos após o aborto caso algo dê errado, por medo de serem presas.
No mundo todo, cerca de 25 milhões de abortos pouco seguros são realizados todos os anos, segundo a OMS. Isso equivale a 45% de todos os abortos.
Pelo menos 22,8 mil mulheres morrem todos os anos como resultado de abortos inseguros, segundo o Instituto Guttmacher.
* Laura e José são pseudônimos.
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