Em boa parte dos esportes, é preciso fazer do relógio um aliado. Ser o mais rápido ou abrir vantagem inicial para trocar a pressa pela paciência. Mas ninguém domina o tempo por completo. Nem mesmo um velejador com cinco medalhas olímpicas em sete participações de Jogos, 13 títulos mundiais e mais de 180 conquistas nacionais e internacionais. Neste sábado (8), Robert Scheidt completa meio século de nascimento. Mas isso está longe de ser motivo de preocupação. Ele está em paz com os tempos. Assim mesmo, no plural: tempo de vida, de carreira e de conhecimento.
“Não me apego muito ao número da idade. Pelo fato de eu ser saudável, praticar bastante esporte, como natação e tênis, além de viver em contato com a natureza, eu consegui ter uma longevidade grande. Eu me sinto bem aos 50 anos. Claro que, com o passar do tempo, o auge esportivo que eu tinha, entre 20 e 40 anos, passou. Não tenho mais o vigor físico de antes, mas não posso me queixar. Olho para trás com mais sabedoria e experiência, com uma visão mais completa sobre a vida”, afirmou Scheidt, maior medalhista olímpico do Brasil, ao lado do também velejador Torben Grael, em entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco.
Referências do passado
Antes de ser uma inspiração aos mais jovens, era Scheidt quem buscava um espelho quando, em 1996, em Atlanta, nos Estados Unidos, disputou pela primeira vez os Jogos. “Sempre foi meu sonho participar de uma Olimpíada. Eu me lembro de ver, em Los Angeles 1984, Joaquim Cruz ganhar a medalha de ouro. Depois Ricardo Prado (prata na natação), o vôlei em Barcelona 1992, Gustavo Borges…todos me inspiraram. É uma luta porque você só tem uma chance a cada quatro anos. Você nunca sabe se estará em outra”.
Ele esteve. Em outras seis. A mais recente foi em Tóquio 2020. Ao que tudo indica, também a última. “Diria que há 99% de chances de não estar em Paris em 2024. A minha chance de ir seria se ainda tivesse a classe Laser, mas acho que eu já cobrei muito do meu corpo ao ir para uma Olimpíada aos 48 anos. Foi algo fora da curva. O barco exige muito do físico e chega um momento em que você não consegue treinar como gostaria, com medo de se lesionar. O ‘ir por ir’ não me agrada. Queria brigar por medalha. Ainda consegui fazer isso em Tóquio, mesmo não ganhando no fim”, explicou o atleta, que chegou a participar também, em 2002, de uma etapa da Refeno, regata que ocorre anualmente em Fernando de Noronha, em Pernambuco.
Novo papel
Scheidt já se aventurou como treinador, em 2018, no Mundial das Classes Olímpicas, guiando Jorge Zarif. No início deste ano, participou de uma clínica de vela, no Rio de Janeiro, orientando jovens atletas. Além disso, no final de 2023, estará à frente da Seleção Brasileira que disputará o SSL Gold Cup, com presenças de Martina Grael, filha de Torben Grael, e Kahena Kunze, ambas medalhistas de ouro no Japão.
“Quando comecei, tive ótimos professores no Iate Clube de Santo Amaro. Vi Alex Welter, campeão olímpico nos anos 80, e Claudio Biekarck, que foi meu treinador em várias olimpíadas. O esporte me deu tanto que agora eu quero devolver o que aprendi”, frisou.
Confira outros trechos da entrevista
Experiência na primeira Olimpíada
Foi muito especial porque você ainda é jovem, inexperiente e estar ali, em contato com nomes como Oscar, Aurélio Miguel, Gustavo Borges, Torben, Lars…foi maravilhoso. Depois precisei me acostumar com a quantidade de entrevistas quando veio a primeira medalha. Foi tudo novo. O esporte não era tão conhecido e a gente não estava acostumado com essa atenção. Eu fui ter a noção do que aconteceu em Atlanta após a minha volta ao Brasil. Tinha até um carro do Corpo de Bombeiros me esperando. Minha mãe enlouquecia dizendo que o telefone não parava de tocar. Comecei a ser reconhecido nas ruas também. Mas a minha imagem ficou mais forte em 2004 (Atenas, na Grécia), com o segundo ouro. Eu tinha ficado com a prata em 2000 (Sydney, na Austrália) para o inglês Ben Ainslie e depois consegui minha revanche. Nesse bicampeonato, com a terceira medalha, a repercussão foi ainda maior. Ali eu tive um pouco de noção do que é ser famoso.
Cenário da Vela
A Vela no Brasil é um esporte com atletas de potencial, mas chega um momento que é preciso se expor ao cenário mundial. Se competir apenas aqui, ele não conseguirá entrar na elite mundial. Na Vela, tem uma dinâmica da regata. Você precisa competir para ganhar experiência na largada, com flotilha grande e aprimorando decisões táticas. Velejar com poucos barcos pode desenvolver a velocidade, as manobras, mas chega um ponto que você precisa se expor em torneios internacionais. Aí fica mais caro, podendo ter conflito com estudo e trabalho. O atleta precisa de uma dedicação para seguir esse caminho, sabendo que pode levar porrada no começo, mas sem abaixar a cabeça. Olimpíada é um projeto de oito, 12 anos para os atletas. Com 15, 16, eles têm que pensar que com 24, por exemplo, podem chegar ao pico.
Ana Moser como ministra dos Esportes
Foi ótimo voltar a ter o Ministério. Ana é capacitada, uma ex-atleta olímpica com experiência enorme em gestão esportiva. Acompanhei os discursos dela e vi que há uma visão do esporte como meio de inclusão social e também como alto rendimento, aumentando o número de atletas que vão inspirar as novas gerações.
Medalhas olímpicas
Pódio Jogos Classe
Ouro Atlanta 1996 Laser
Ouro Atenas 2004 Laser
Prata Sidney 2000 Laser
Prata Pequim 2008 Star
Bronze Londres 2012 Star
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Fonte: Folha PE