- Gerardo Lissardy
- BBC News Mundo
Costumamos ver os problemas econômicos que enfrentamos como fenômenos particulares: inflação, falta de investimento, baixo crescimento, crises financeiras… Mas seriam eles o reflexo de um modelo geral equivocado?
É exatamente isso que propõe Andrew Smithers, economista especialista em Wall Street e autor de um dos melhores livros de economia em 2022 segundo o jornal britânico Financial Times (The Economics of the Stock Market).
Smithers argumenta que, em vez de seguir uma metodologia científica em que a teoria é validada por evidências, os economistas tendem a insistir dogmaticamente em um modelo de consenso errôneo.
“Parece um pouco com uma religião”, diz Smithers em entrevista à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
E questiona várias premissas.
Uma delas é a de que os gestores das empresas de capital aberto buscam maximizar o valor de seus ativos.
Em vez disso, argumenta Smithers, eles buscam aumentar o valor das ações de suas empresas para manter seus próprios empregos e receber uma remuneração melhor na forma de ações ou bônus.
A maneira como eles fazem isso, segundo o argumento dele, é sacrificando investimentos das empresas comandadas por eles para recomprar ações, chegando até a se endividar, para inflar o preço de suas ações.
Smithers alerta, no entanto, que isso cria grandes riscos para a economia.
A seguir, veja os principais pontos da entrevista concedida por telefone:
BBC – Você passou anos estudando e escrevendo sobre o mercado de ações. Existe algo inerentemente errado com a maneira como Wall Street e os mercados de ações funcionam em geral?
Smithers – Não, não há nada de errado com o funcionamento do mercado de ações. O problema é que os economistas ignoram os mercados de ações e os dados que obtemos deles. O problema não está nas bolsas. É a teoria econômica que está mal.
BBC – Por quê?
Smithers – Basicamente, os economistas não têm sido científicos em sua abordagem da economia. O resultado é que o modelo econômico padrão está errado. E quando tentamos seguir esse modelo, descobrimos que a política econômica é um desastre, como vemos hoje.
BBC – De fato, em seu livro você sustenta que o atual modelo econômico de consenso carece de metodologia científica e o compara a uma religião. Porque?
Smithers – Infelizmente, é um pouco como uma religião, no sentido de que as pessoas não mudam de ideia apesar das evidências.
O que faço no livro é mostrar que a teoria econômica está errada e pode ser corrigida. Mas para isso você tem que estudar as evidências, não ignorá-las.
BBC – Você poderia dar um exemplo disso?
Smithers –O modelo econômico padrão assume como as empresas se comportam, com o entendimento de que as pessoas que as dirigem ignoram o mercado de ações. Mas não é assim.
O mercado de ações é absolutamente crucial para a maneira como as pessoas administram os negócios, porque se não agradarem ao mercado de ações, perderão o emprego.
Portanto, os gestores estão muito preocupados com o mercado de ações. A suposição de que eles não se importam com o mercado de ações leva a uma visão diferente e fundamentalmente errada da economia mundial.
Se os economistas mudarem e começarem a analisar os dados, verão que podemos construir um modelo funcional da economia, que apresento em meu livro.
A teoria econômica ruim pela qual as pessoas que tentam administrar a economia, (na qual) os bancos centrais e o pessoal do Tesouro, se baseiam, contribui para a política errada. E hoje estamos sofrendo com essa política ruim.
BBC – Uma das premissas que você questiona é que os gestores das empresas agem para maximizar o valor presente dos ativos de suas empresas. O que há de errado com esse conceito, conhecido como “maximização do lucro”?
Smithers – A suposição padrão é que, quando as empresas decidem investir em novos equipamentos, tentam obter o melhor valor líquido. Refiro-me ao valor subjacente das empresas: não como mostrado no mercado de ações, mas somando o valor de seus ativos
Mas eles não. O resultado é que as suposições dos economistas sobre por que as pessoas investem estão erradas. E uma das consequências é que temos muito pouco investimento.
A falta de investimento é provavelmente o problema mais importante que enfrentamos agora, além dos problemas de curto prazo, como a inflação. E o investimento pode ser facilmente estimulado pela mudança de impostos.
Neste momento, os governos do mundo tributam o investimento, o que é estúpido. Queremos mais investimento, não menos. Se você tributar algo, terá menos. Simples assim.
BBC – Por que os executivos das empresas agem da maneira que você define como “cultura de bônus”?
Smithers – O que piorou as coisas recentemente – esse foi o assunto do meu livro anterior, Productivity and the Bonus Culture – é que nos anos 90 houve uma grande revolução na forma de pagar os gestores corporativos. Isso mudou seus incentivos. E quando você muda os incentivos das pessoas, você muda o comportamento delas.
Infelizmente, essa mudança nos incentivos os levou a investir menos, não mais. Portanto, uma das razões pelas quais tivemos um crescimento tão fraco no século 21 é porque os gestores foram encorajados a investir menos do que costumavam por causa da mudança na forma como são pagos. Agora temos estagnação onde antes havia crescimento.
BBC – O que aponta é que os gestores corporativos agem com o objetivo de aumentar sua remuneração em ações…
Smithers – As principais forças motrizes para a maioria dos executivos de negócios são, primeiro, manter o emprego e, segundo, ser bem pago.
E o modelo que proponho explica seu comportamento em termos desses dois objetivos principais.
BBC – Quão difundido é isso?
Smithers – O incentivo para ser bem pago e garantir seu emprego é bastante universal. Claro, a forma de manter seu trabalho varia.
Numa tirania, o que mais te preocupa é agradar o governo. Em uma economia livre, o mais importante é agradar os acionistas.
BBC – Por que essa “cultura do bônus” é um problema para a economia se, afinal, os executivos também poupam para suas empresas?
Smithers – A cultura do bônus não só reduz o investimento, mas também a poupança das empresas, porque as leva a recomprar suas próprias ações: seu dinheiro vai para isso e não para comprar novos equipamentos.
BBC – Você pode explicar qual é o risco que você vê para a economia real nesse modelo?
Smithers – O equilíbrio é uma economia em crescimento, com inflação e desemprego baixos ou moderados. Esse equilíbrio pode ser perdido de três maneiras.
Primeiro, a demanda pode ser muito forte ou muito fraca. Assim, ou a oferta é limitada e os preços sobem, ou a oferta é muito escassa e ocorre uma recessão. O equilíbrio da demanda é uma das coisas a serem alcançadas.
Por outro lado, tem a oferta monetária. Se de repente houver um grande aumento na oferta monetária, então você tem inflação. E foi isso que aconteceu recentemente.
Portanto, a primeira coisa a fazer é colocar a demanda no nível certo. Em segundo lugar, você deve fazê-lo sem permitir que a oferta de dinheiro cresça muito rápido.
E a terceira coisa é que você não deve ter preços excessivos de ativos. Se você tem bolhas de ativos, elas entram em colapso repentinamente, como aconteceu em 2008 no setor imobiliário.
Estamos no processo de uma enorme bolha nos preços das ações corporativas, que já está causando problemas e acho que vai causar muitos mais.
Então você precisa dessas três coisas: equilíbrio na demanda, nos preços dos ativos e na oferta monetária. Isso é o que os economistas não entendem.
A teoria padrão da economia assume apenas um equilíbrio, que é o da demanda. Na prática, isso está errado e, portanto, temos crises, tanto de inflação quanto de inflação de ativos.
BBC – Você vê risco de estouro dessa bolha no mercado de ações?
Smithers – Estamos testemunhando a explosão de uma. Tivemos a primeira etapa no ano passado, quando o mercado caiu 20%. E o mercado ainda é extremamente caro.
Para reduzir a oferta monetária, os bancos centrais terão que reduzir o fluxo de dinheiro no mercado de ações. E foi esse excesso de dinheiro que fez a bolsa subir.
Ninguém conhece o futuro. Mas existe um risco muito alto de termos outra grande queda no mercado de ações. E com ela teremos outra grande crise financeira.
BBC – Em todo o mundo?
Smithers – Se tivéssemos uma grande quebra do mercado de ações nos Estados Unidos, isso afetaria a economia mundial.
BBC – Quão diferente seria o valor do mercado de ações se fosse medido como você propõe, levando em consideração os custos de reposição dos ativos das empresas?
Smithers – Se o mercado de ações fosse precificado corretamente, seria metade do nível atual.
BBC – As ações em Wall Street foram negociadas acima do custo de reposição por décadas, em parte devido ao efeito da internet e das empresas de tecnologia. Por que as avaliações atuais das ações apresentariam um problema diferente do que vimos no passado recente?
Smithers – A supervalorização não se deve às empresas de tecnologia. É uma supervalorização geral de todo o mercado de ações.
BBC – O senhor critica a forma como o Banco Central dos EUA tem agido diante desse risco?
Smithers – Correto. Mas não os culpo totalmente. A razão pela qual sua política está errada é porque eles se baseiam em uma teoria econômica ruim. Você não pode administrar bem uma economia a menos que tenha uma boa teoria.
E os diretores de bancos centrais têm dirigido ou tentado dirigir as economias do mundo com base na teoria econômica atual.
BBC – O que o senhor propõe basicamente é um novo modelo econômico que leve em conta o peso das bolsas de valores na economia real. Mas quem deve liderar essa mudança, os economistas ou os políticos?
Smithers – Acho que não se pode esperar que os políticos entendam o que é basicamente uma questão muito técnica.
Tentei falar aqui de forma simples e clara. Mas o argumento por trás disso é bastante complicado. E quem tem que mudar de mentalidade são os economistas.
A obstinação dos economistas diante dos erros de nosso modelo é o problema básico que enfrentamos.
BBC – O que você diz não tem relação com ideologia política?
Smithers – A ideologia muitas vezes atrapalha, mas a economia ou é uma ciência ou não é nada.
E não há mais economia de esquerda ou direita do que física ou astronomia de esquerda ou direita.
A gestão da economia é uma questão técnica, que exige uma abordagem não ideológica.
E como é muito difícil as pessoas não introduzirem a política na economia, esse é um dos principais problemas que enfrentamos.
BBC – Como seu livro foi recebido pelo público em geral e pelos economistas em particular?
Smithers – É difícil para mim dizer. Fiquei desapontado com a disposição dos economistas de debater o assunto comigo. Estou apontando que o sistema atual não é científico, mas não encontro pessoas alegando que estou errado. Preferem não debater o assunto.
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