• Samantha Granville
  • BBC News, Arkansas (EUA)

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Funcionárias ligam para pacientes para cancelar abortos

Houve uma mudança palpável na atmosfera de uma clínica de aborto em Little Rock, no Estado americano do Arkansas, na manhã em que a Suprema Corte derrubou “Roe x Wade”. Nesse momento, tudo virou de cabeça para baixo.

As portas no final do corredor que leva à área do paciente foram instantaneamente fechadas – atrás delas, você podia ouvir o som de soluços.

A BBC passou as últimas três semanas na Clínica de Serviços de Planejamento Familiar Little Rock, entrevistando funcionários e pacientes.

Agora, a Suprema Corte – o órgão jurídico mais importante do país – anulou o direito ao aborto.

Quando a decisão foi anunciada, os funcionários da clínica nos pediram para sair imediatamente para que eles pudessem ter tempo para processar sozinhos o que havia acontecido.

Os acompanhantes de pacientes que estavam na clínica deram um abraço em grupo.

“Achei que este país ainda se importaria com as pessoas. Ainda se importaria com as mulheres”, disse Karen, uma dos acompanhantes.

Do lado de fora, manifestantes antiaborto comemoraram, mas disseram que há mais coisas que precisam ser mudadas.

“Será um dia de celebração, mas não vamos comemorar totalmente até que o aborto seja erradicado de nossa terra”, disse Hoyt Plunkett à BBC.

“Estejam avisados!”, outro manifestante gritou para pessoas ainda estacionando seus carros na clínica e que não tinham ouvido falar da decisão.

“Minha sugestão é que vocês deem a volta e deixem este lugar de pecado, este lugar de desigualdade, este lugar maligno”, disse.

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Acompanhantes abraçam funcionários no último dia dos Serviços de Planejamento Familiar de Little Rock

Em todo os Estados Unidos, clínicas como a de Little Rock estão fechando suas portas.

O Arkansas e outros 12 Estados têm uma “lei de gatilho” para proibir ou restringir o aborto se “Roe x Wade” – a decisão histórica em 1973 que legalizou o aborto – for derrubada.

Quando a Suprema Corte tomou sua decisão na manhã de sexta-feira (23/6), dando aos Estados autoridade para restringir o aborto, essas leis de gatilho começaram a entrar em vigor.

Enquanto alguns Estados, como o Texas, estabeleceram um período até que a lei entre em vigor, no Arkansas, ela passou a valer quase que imediatamente.

Leslie Rutledge, procuradora-geral do Arkansas, disse à BBC que apoia a lei de gatilho e a decisão da Suprema Corte. “Acho que muitos de nós não achavam que isso aconteceria em nossas vidas”, disse ela.

O aborto só é legal para salvar a vida da mãe – não há exceções para estupro ou incesto.

“Esta é uma vida inocente que estamos falando. E essa vida inocente que começa na concepção”, disse Rutledge. “Ter sida formada sob circunstâncias malignas não torna essa criança inocente má.”

Agora, pessoas no Arkansas que estão enfrentando uma gravidez indesejada têm menos opções. Eles podem sair do Estado para fazer um aborto – a clínica mais próxima em um Estado que permite o aborto fica a 5 horas de distância – ou podem decidir ficar com o filho.

O Estado não tem qualquer tipo de licença parental, e o Medicaid – seguro de saúde com financiamento público – cobre apenas mães de baixa renda por 60 dias após o parto.

Rutledge disse que o governo do Arkansas “sempre apoiou essas mães”, mas que eles “sempre precisam procurar mais maneiras de ajudar os pais que querem ser pais amorosos, e garantir que vamos cuidar destas crianças”.

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Jenifer Thompson, primeiro paciente e hoje funcionária, diz que a clínica salvou sua vida

A equipe da clínica Little Rock passou a manhã ligando para os pacientes para cancelar consultas e ajudá-los a remarcar em diferentes Estados.

Ashli ​​Hunt, uma enfermeira, caiu em prantos na manhã em que a decisão saiu e correu para fora para recuperar o fôlego.

“Não importa o quanto nos preparemos para as más notícias, quando elas finalmente chegam, atingem duramente. Ter que ligar para esses pacientes e dizer a eles que ‘Roe x Wade’ foi derrubado é de partir o coração”, disse ela algumas horas depois, após ter tido tempo para processar a notícia.

Ela trabalha na clínica há 14 anos. Ashli ​​disse que está com o coração partido pelos pacientes que estão perdendo o direito de escolha, mas também por ela mesma.

“Eles não apenas estão tirando a escolha das mulheres, mas estão tirando de mim a escolha de trabalhar com o que acho que tenho que fazer”, disse ela. “A minha escolha está incluída nisso também.”Jenifer Thompson, que chegou como paciente há mais de uma década antes de se tornar membro da equipe, disse que a clínica ajudou a salvar sua vida.

Ela contou que depois de fazer um aborto aqui (e depois apoio para não engravidar), ficou tão impressionada com o cuidado que eles ofereceram que começou a se voluntariar.

Ela acabou sendo contratada e se formou em Enfermagem. Problemas com álcool a levaram a ser demitida, mas ela disse que “o melhor chefe do mundo” lhe deu uma segunda chance ao recontratá-la quando ela começou a se recuperar.

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Manifestantes pró-aborto se reuniram no Arkansas

Agora, ela diz que está devastada por não poder mais ajudar as mulheres como antes.

“Eu tenho que dizer a elas: ‘sinto muito, mas não há nada que eu possa fazer por você. Lamento que seu namorado bata em você todos os dias, e que ele estupre você o tempo todo, você vai ter que encontrar outro lugar para ir”, disse ela.

“Quero dizer, eu posso dar a eles informações para ajudar a tentar, mas é de partir o coração. Esse lugar salvou minha vida, literalmente, várias vezes.”

No final da noite de sexta-feira, cerca de mil manifestantes se reuniram do lado de fora da Assembleia Legislativa do Estado, principalmente para protestar contra a decisão da Suprema Corte.

Um dos acompanhantes da clínica estava lá. “Hoje, estamos de luto. Amanhã lutamos”, disse ela.

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