- Author, Steven McIntosh
- Role, Repórter de entretenimento da BBC News
O tema da saúde mental masculina vem merecendo mais importância na última década – e muitas pessoas defendem que esta atenção já vem muito tarde.
As altas taxas de suicídio entre os homens colocam este tema em posição de destaque na agenda nacional britânica. O suicídio é a maior causa de morte entre os homens com menos de 50 anos no Reino Unido.
Mas muitos homens continuam enfrentando dificuldades para discutir seus sentimentos de forma abertamente vulnerável. Agora, um novo filme examina como os homens ainda encapsulam suas emoções e questiona como é possível mudar este comportamento arraigado e sistemático.
O diretor de Silent Men (“Homens silenciosos”, em tradução livre), Duncan Cowles, é o primeiro a admitir suas próprias dificuldades para se abrir emocionalmente às pessoas mais próximas. Ele brinca que lidar com o assunto para o documentário foi “como me arrastar para trás através de uma cerca viva”.
Mas ele conta à BBC News, durante o Festival de Documentários de Sheffield, na Inglaterra, que percebeu a importância de percorrer esta jornada, pois os riscos de ignorar as emoções são muito mais assustadores.
“Acho que ainda existe muita pressão social em torno daquelas características masculinas tradicionais”, afirma Cowles. “Ser forte e as coisas associadas a ser um líder, ou essa figura estável, segura e confiável.”
“Talvez ainda exista algo de sedutor na ideia daquele homem à moda antiga, aquele personagem James Bond com quem muitos de nós talvez tenhamos crescido. Acho que ele ainda é bastante procurado por muitas pessoas.”
“Minha experiência é que, quando ficamos um pouco mais abertos e vulneráveis, podemos realmente gerar relacionamentos mais fortes e, com isso, mais alegria, conexão e realização. E, ainda assim, somos levados a nos fechar”, ele conta.
A noção de que os homens sofrem em silêncio não é nova. Em 1854, o escritor americano Henry David Thoreau escreveu sua mais famosa observação: “A maioria dos homens leva uma vida de silencioso desespero.”
A frase que sobreviveu por 170 anos e continua a ser citada com frequência até hoje é um testemunho do quanto as pessoas se identificam com ela – e de como se fez tão pouco progresso neste campo desde aquela época.
Thoreau tocou em uma sensação vivida por muitos homens, naquela época e agora, de não estarem realizados, seja na carreira, nos relacionamentos ou por razões que eles não conseguem expressar com detalhes.
Dominados pelos compromissos ou pela vida mundana do seu próprio dia a dia e, ao mesmo tempo, incapazes ou reticentes para expressar suas emoções, os homens costumam enfrentar dificuldades para lidar com este tipo de situação.
A teoria do cobertor azul
“Imagino que eu sempre tive dificuldades com isso, de me abrir e demonstrar minhas emoções para a família”, afirma Cowles, explicando seus motivos para produzir o filme.
“Quando eu estava na universidade, fiz um pequeno filme investigando esta questão, mas sempre pareceu que este é um ponto não totalmente resolvido na minha vida.”
Enquanto se prepara para explorar o tema no início do filme, Cowles posta um anúncio online. Ele procura homens que possam falar para o documentário. Em seguida, ele entrevista alguns dos que responderam ao anúncio.
Ele viaja pelo país e conversa com homens de diferentes estilos de vida por vários anos. Ele chegou a comparecer a um retiro onde os homens se reúnem por um fim de semana para fazer terapia de grupo.
“Eu quis sair na minha própria jornada, conversando paralelamente com os homens, como parte do filme”, explica ele. “Mas acabou sendo um filme mais pessoal do que eu imaginava.”
O cineasta escocês entrevista membros da sua própria família e estuda como suas personalidades moldaram a dele próprio.
“Meu pai gosta de fazer furos na parede e dos seus selos, mas ele não é bom em comunicação verbal”, destaca Cowles logo de início. Muitos espectadores irão reconhecer o quadro que ele pinta do pai.
Uma especialista em traumas entrevistada para o filme menciona um estudo que concluiu que os bebês em cobertores azuis – e, portanto, considerados como sendo meninos – recebiam toque por muito menos tempo do que as meninas.
“Isso é muito interessante”, destaca ela. “O que estamos fazendo na nossa cultura de socialização dos meninos para que eles sejam menos tocados, não sejam vistos como vulneráveis e não precisem de tanto apoio emocional quanto as meninas?”
“O reforço – ‘seja um menino valente, homens não choram’ – aquele processo de fazer você se tornar um homem, quando alguém diz a você o que é um homem, que o homem precisa ser emocionalmente forte. Todas estas construções sociais meio que deixam você preso, causando imensos números de problemas de saúde mental para os homens. Temos um grande problema nas mãos.”
Silent Men é o primeiro documentário de longa metragem de Cowles. Mas ele já ganhou um prêmio Bafta na Escócia pelo seu curta-metragem Isabella, em 2016.
Questionado se foi difícil fazer com que os homens apresentados no filme falassem sobre seus sentimentos, Cowles responde:
“Curiosamente, não, porque existe algo sobre falar para um estranho que, às vezes, parece muito mais fácil do que falar para alguém da própria família. Acho que é porque você tem menos a perder.”
É interessante observar a percepção de outros homens. Um dos colaboradores, Ainslie, declarou que sua visão mudou depois que ele foi pai. Mas não necessariamente da forma em que se poderia pensar.
Ele conta que a responsabilidade de ser pai, na verdade, fez com que ele tivesse menos tempo e oportunidades de expressar suas próprias emoções.
Outro homem, Dom, diz frequentemente ao seu filho mais novo o quando ele o ama. Ele conta que odeia a ideia de que alguém próximo a ele possa morrer sem saber o quanto aquela pessoa significa para ele.
Um dos momentos mais tocantes – e engraçados – do filme ocorre quando acaba a bateria do microfone do irmão de Cowles. Ele aproveita aquele exato momento, quando não pode ser totalmente ouvido, para dizer a Duncan: “Eu te amo.”
Apesar de todas essas conversas fortes, o filme é temperado com momentos de leveza. Em alguns pontos, o diretor interrompe abruptamente conversas difíceis para apresentar imagens de praias relaxantes e abelhas pousando em flores.
“Algo que eu realmente quis fazer com este filme foi torná-lo acessível, sem que fosse totalmente restrito às doenças mentais, mas que também contivesse humor e deixasse as pessoas com um sorriso no rosto”, conta Cowles.
O documentário caminha rumo à sua conclusão quando Cowles se senta com seus pais para dizer a eles o quanto ele os ama. Os dois são receptivos, mas seu pai meio que desdenha do ar “fantasioso” de demonstrar emoções, sugerindo que “não é algo normal para um homem”.
Por isso, o pai de Cowles defende que, quando alguém não se abre, na verdade, é um bom sinal. Para ele, não sentir a necessidade de se mostrar vulnerável significa que, de forma geral, ele está se sentindo satisfeito.
Refletindo agora sobre os comentários do seu pai, Cowles comenta que “ele vem de uma geração que não quer ver alguém visivelmente preocupado. Por isso, se você não demonstra nada, é um bom sinal [para ele] porque significa que você está bem. Sei o que ele quer dizer.”
“Os mais jovens parecem ter uma opinião diferente sobre este tipo de assunto e estão mais dispostos a se abrir”, observa ele. “Eles têm consciência sobre esta questão.”
Cowles admite em frente à câmera seu receio de que precisará fingir ter feito progressos para dar ao filme um final feliz. Mas, na verdade, talvez ele não tenha conseguido fazer mudanças significativas.
Mas, meses depois do término do filme, o cineasta afirma que a produção “certamente” alterou seu comportamento.
“Eu não chamaria de uma transformação hollywoodiana”, diz ele, rindo. “Tem sido algo bem gradual e eu não diria que sou perfeito, em nenhum aspecto.”
“Mas, em comparação com o que eu era antes, minha parceira reconhece que eu mudei bastante, que sou mais consciente sobre isso e capaz de admitir quando devo me abrir um pouco mais.”
O filme Silent Men estreou no Festival de Documentários de Sheffield em junho e aguarda novas apresentações a serem confirmadas em breve.
Caso você seja ou conheça alguém que apresente sinais de alerta relacionados ao suicídio, confira alguns locais para pedir ajuda:
– Para jovens de 13 a 24 anos, o Unicef oferece também o chat Pode Falar;
– Em casos de emergência, outra recomendação de especialistas é ligar para os Bombeiros (telefone 193) ou para a Polícia Militar (telefone 190);
– Outra opção é ligar para o SAMU, pelo telefone 192;
– Na rede pública local, é possível buscar ajuda também nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Pronto Atendimento (UPA) 24h;
– Confira também o Mapa da Saúde Mental, que ajuda a encontrar atendimento em saúde mental gratuito em todo o Brasil.
Fonte: BBC
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