- Author, Mark Poynting e Marco Silva
- Role, BBC News
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Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, foi palco de enchentes recordes nas últimas 24 horas, gerando especulações enganosas de que a forte tempestade que atingiu a cidade teria sido causada pela “semeadura de nuvens”.
Mas, afinal, quão incomum foi a precipitação que deixou Dubai debaixo d’água — e quais são as razões por trás desta chuva torrencial?
Quão intensa foi a precipitação?
Dubai está situada na costa dos Emirados Árabes Unidos — e costuma ter um clima bastante árido. Mas embora receba em média menos de 100 mm de chuva por ano, sofre com tempestades torrenciais ocasionais.
Na cidade de Al-Ain, a pouco mais de 100 km de Dubai, cerca de 256 mm de precipitação foram registrados em apenas 24 horas.
A passagem de um sistema meteorológico de baixa pressão, que atraiu ar quente e úmido e bloqueou a passagem de outros sistemas meteorológicos, foi a principal causa.
“Esta parte do mundo é caracterizada por longos períodos sem chuva, e depois por chuvas fortes e irregulares, mas mesmo assim, este foi um episódio de chuva muito raro”, explica o meteorologista Maarten Ambaum, professor da Universidade de Reading, no Reino Unido, que estudou padrões de precipitação na região do Golfo.
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Qual foi o papel das mudanças climáticas?
Ainda não é possível determinar exatamente o papel que as mudanças climáticas desempenharam. Isso requer uma análise científica completa dos fatores naturais e humanos, o que pode levar vários meses.
Mas o recorde de precipitação é consistente com a forma como o clima está mudando.
Resumindo: o ar mais quente é capaz de reter mais umidade — cerca de 7% a mais para cada grau Celsius — o que pode, por sua vez, aumentar a intensidade da chuva.
“A intensidade da chuva foi recorde, mas isso é consistente com um clima mais quente, com mais umidade disponível para alimentar tempestades e tornar os episódios de chuvas fortes e as inundações associadas a elas mais potentes progressivamente”, explica Richard Allan, professor de ciências climáticas na Universidade de Reading.
Um estudo recente sugeriu que a precipitação anual pode aumentar até cerca de 30% em grande parte dos Emirados Árabes Unidos até ao fim do século, à medida que o mundo continuar esquentando.
“Se os humanos continuarem a queimar petróleo, gás e carvão, o clima vai continuar a esquentar, as chuvas vão continuar a ficar mais intensas, e as pessoas vão continuar a perder suas vidas em inundações”, adverte Friederike Otto, professor de Ciências Climáticas na Universidade Imperial College London, no Reino Unido.
O que é a ‘semeadura de nuvens’ — e que papel desempenhou?
A semeadura de nuvens prevê a manipulação de nuvens existentes para ajudar a produzir mais chuva.
Isso pode ser feito usando aeronaves para lançar pequenas partículas (como iodeto de prata) nas nuvens. O vapor d’água pode então se condensar mais facilmente — e se transformar em chuva.
A técnica existe há décadas, e os Emirados Árabes Unidos recorreram a ela nos últimos anos para ajudar a resolver a questão da escassez de água.
Nas horas seguintes às inundações, algumas pessoas usaram as redes sociais para atribuir erroneamente o fenômeno meteorológico extremo exclusivamente às recentes operações de semeadura de nuvens no país.
Reportagens publicadas anteriormente pela Bloomberg afirmaram que aviões para semeadura de nuvens foram lançados no domingo e na segunda, mas não na terça-feira, quando ocorreu a inundação.
Embora a BBC não tenha conseguido verificar de forma independente quando ocorreu a semeadura de nuvens, os especialistas dizem que, na melhor das hipóteses, isso teria tido um efeito pouco significativo sobre a tempestade — e que focar na semeadura de nuvens é “enganoso”.
“Mesmo que a semeadura de nuvens tenha estimulado as nuvens ao redor de Dubai a produzir chuva, a atmosfera provavelmente teria que estar carregando mais água para formar nuvens, antes de qualquer coisa, devido às mudanças climáticas”, explica Otto.
A semeadura de nuvens é geralmente implementada quando as condições de vento, umidade e poeira são insuficientes para provocar chuva. Na última semana, os meteorologistas haviam alertado para um alto risco de inundações na região do Golfo.
“Quando há previsão de sistemas tão intensos e de larga escala, a semeadura de nuvens — que é um processo caro — não é realizada, porque não há necessidade de ‘semear’ sistemas tão fortes em escala regional”, diz Diana Francis, chefe do Departamento Ambiental e de Ciências Geofísicas da Universidade Khalifa, em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos.
O meteorologista Matt Taylor, do BBC Weather, serviço de previsão do tempo da BBC, também destacou que a tempestade já havia sido prevista.
“Antes do evento, modelos de computador (que não levam em consideração os potenciais efeitos da semeadura de nuvens) já estavam prevendo que (um volume de) chuva equivalente a um ano cairia em cerca de 24 horas”, afirmou.
“Os impactos foram muito mais amplos do que eu esperaria exclusivamente da semeadura de nuvens — inundações graves atingindo grandes áreas do Bahrein a Omã”.
As missões de semeadura de nuvens nos Emirados Árabes Unidos são coordenadas pelo Centro Nacional de Meteorologia (NCM, na sigla em inglês), uma força-tarefa governamental.
Quão preparados estão os Emirados Árabes Unidos para chuvas torrenciais?
Evitar que chuvas fortes se transformem em inundações mortais requer defesas robustas para lidar com precipitações repentinas e intensas.
Dubai é, obviamente, altamente urbanizada. Há pouco espaço verde para absorver a umidade, e as instalações de drenagem não foram capazes de suportar níveis tão altos de chuva.
“É preciso haver estratégias e medidas de adaptação para [adaptar-se] a esta nova realidade [de chuvas mais frequentes e intensas]”, explica Francis.
“Por exemplo, a infraestrutura das estradas e instalações precisam ser adaptadas, construindo reservatórios para armazenar a água das chuvas da primavera e utilizá-la posteriormente.”
Em janeiro, a Autoridade Rodoviária e de Transportes dos Emirados Árabes Unidos criou uma nova unidade para ajudar a gerenciar as inundações em Dubai.
Fonte: BBC
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