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Para Han, a autoconsciência na vida profissional não significa apenas autoconhecimento, mas também entender o próprio ambiente e entender quando é o caso mudar a forma de fazer as coisas

  • Author, Alejandro Millán Valencia
  • Role, BBC News Mundo

“Mais do que nunca, é importante ter noção do próprio lugar na vida profissional, ainda mais que, principalmente depois da pandemia, os ambientes de trabalho mudaram muito.”

É assim que Juliette Han, neurocientista e especialista em relações no ambiente de escritório, resume a importância da autoconsciência no trabalho.

Han é uma neurocientista de Harvard e professora de Administração da Columbia University que nos últimos anos vem pesquisando o funcionamento da mente no ambiente de trabalho, buscando desenvolver novas ferramentas para melhorar o desempenho humano.

De acordo com Han, entender a fundo o lugar que se ocupa dentro de uma empresa é fundamental para ter sucesso, mas esse conhecimento, acima de tudo, serve para estabelecer metas e estratégias.

“Nossa pesquisa indica que trabalhar a autoconsciência estimula a criatividade, ajuda a tomar melhores decisões, a se comunicar melhor e construir relacionamentos mais sólidos”, diz.

No entanto, se trata de uma habilidade pouco conhecida e, portanto, pouco desenvolvida.

A BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC) conversou com Han sobre essa e outras questões relacionadas ao desenvolvimento profissional dentro do local de trabalho.

BBC News Mundo – Antes de começar a falar sobre autoconsciência no trabalho, seria interessante definirmos o que é um local de trabalho hoje em dia, e como ele influencia a mente.

Juliette Han – Bem, essa é uma pergunta muito boa, porque tinha uma resposta muito clara antes da pandemia de covid-19, quando o normal era se ter um escritório ou um lugar específico onde trabalhar.

Para a maioria das pessoas existia um lugar onde ir para trabalhar, e assim receber seu pagamento no final do mês. Ou seja, na nossa cabeça existia uma ideia concreta do que é um local de trabalho.

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Conhecer bem a si mesmo e aos outros é uma das melhores ferramentas para ser bem-sucedidos no trabalho

Mas, depois da pandemia, esse conceito se transformou. Hoje em dia, muita gente trabalha em modelo híbrido, outros são nômades digitais, muitos se tornaram freelancers e os espaços de trabalho compartilhado são cada vez mais comuns.

Portanto, assim como existem diferentes tipos de escritório, a definição de trabalho também mudou. Para dar uma ideia, os criadores de conteúdo, que trabalham por conta própria e sem horários, são vistos como um motor da economia.

Portanto, a definição de local de trabalho mudou totalmente. Antes era basicamente um lugar concreto, estabelecido como tal pela empresa, ou por um prédio, e agora muita gente consegue adaptá-lo ao seu estilo de vida.

BBC News Mundo – Considerando essa mudança, como o local de trabalho afeta as pessoas hoje em dia?

Han – Acho que há mais uma mudança para levar em consideração, e é a mudança geracional. Para além das transformações causadas pelo trabalho remoto, ou pela inteligência artificial, ficou evidente que a própria ideia de trabalho também mudou muito.

Para as gerações dos nossos pais, os chamados “baby boomers”, trabalho significava receber uma compensação financeira, e dessa forma progredir na vida.

Era só isso que importava, e a opinião dos trabalhadores sobre o escritório nem era levada em conta, mesmo que o espaço os pudesse afetar seriamente de várias formas.

Mas, atualmente, a nossa relação com o local de trabalho e como ele pode influenciar nosso desempenho e nossas metas importa, e muito. Agora temos mais consciência daquilo que nos rodeia.

E também das pessoas ao redor. Reforço que muito disso veio à tona após a covid. Só para dar um exemplo: a questão das vacinas. Muita gente foi seriamente afetada por ter colegas negacionistas das vacinas. E vice-versa: muitos acabaram sendo isolados ou afetados porque seus pares não compartilhavam suas crenças.

Por isso, uma das mudanças mais radicais decorrentes da pandemia seja talvez a relação das pessoas com seu local de trabalho, e com o próprio trabalho feito em troca de compensação financeira.

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Han propõe que se estabeleçam metas das quais se tem certeza de poder atingir pelo menos um 80%

BBC News Mundo – Por isso você aponta que, em meio a tantas transformações, a autoconsciência é uma habilidade fundamental para o trabalho, mas, o que significa autoconsciência neste caso?

Han –A autoconsciência sempre foi tida como uma qualidade, e o que quero dizer é que costumava-se pensar que uma pessoa podia ser naturalmente mais ou menos consciente de seu lugar no ambiente de trabalho.

Mas, pessoalmente, acredito que essa convicção era uma maneira de desculpar certas falhas, ou até que servia para justificar um desempenho fraco.

Eu acho que prestar muita atenção ao nosso ambiente de trabalho, ao que nos rodeia, é uma habilidade real que a gente pode colocar em prática tendo nascido com ela ou não.

Acho que a autoconsciência é algo que se pode tanto aprender como ensinar. E eu enfatizo muito isso porque já vi muita gente achar que sabe o que é autoconsciência. Já conheci pessoas que, já que a palavra tem o prefixo “auto”, acham que se trata apenas de olhar para si mesmo: ver se são bons nisso, ou ruins naquilo.

Mas o que realmente importa não é só saber como se é, mas qual a própria relevância no ambiente. Isso vale para muitas situações, mas aqui estamos falando da vida profissional.

É mais do que autoconhecimento. É sobre conhecer a si mesmo, mas também o ambiente e o lugar que se ocupa nesse ambiente. Isso é autoconsciência.

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A crítica construtiva deve ser tomada como uma contribuição da qual se pode escolher o que aceitar ou descartar

E a segunda parte da definição mostra como aplicar esse conhecimento para executar ações diferentes, ou que influem de forma diferente sobre os objetivos e metas determinados pela pessoa ou por seus superiores. Para deixar claro que essa pessoa não é como as outras.

Além disso, a autoconsciência é fundamental para entender o efeito das próprias ações no local de trabalho. Ou seja, para poder ter empatia com colegas e chefes.

O que isso quer dizer? Que não se trata de sentimentos pessoais, mas de entender o que se espera de nós e como podemos executá-lo da melhor forma.

Por isso é importante entender o escopo da autoconsciência no local de trabalho, na empresa ou organização e, acima de tudo, repito, entender que não é uma reflexão interna, mas uma reflexão pessoal focada em fazer a diferença no nosso ambiente de trabalho.

BBC News Mundo – Mas você disse que essa habilidade é muito subestimada, por que razão?

Han –Primeiro porque, como disse, não entendemos a importância de se ter clareza sobre nosso papel dentro de uma empresa ou no trabalho. Acredito que a maioria das pessoas não faz uma avaliação interna para entender seu lugar ou não pensa o suficiente sobre quem de fato é. Pensam apenas sobre o lado exterior.

Vamos pensar em exemplos gerais, relevantes para os padrões sociais, como precisar ganhar um tanto de dinheiro, precisar ser feliz, precisar parecer isto ou aquilo. Como vemos, são fatores externos, e sem autoconsciência não há reflexão real sobre por que se desejam essas coisas ou sobre como alcançá-las.

Por isso digo que é uma habilidade subestimada, porque muito se fala em adquirir novas habilidades e aprendizados mas as pessoas, em geral, não pensam em termos de “ok, tal coisa precisa ser feita, mas por onde eu começo, quais são os meus pontos fortes, meus pontos fracos, como é o ambiente em que circulo?”.

BBC News Mundo – Você enfatiza que a autoconsciência ou auto-realização não só podem ser aprendidas, mas também aprimoradas…

Han – Exato. E essa é uma das suas principais vantagens, alavancar o crescimento pessoal.

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De acordo com Han, as metas dos líderes devem estar em sintonia com os objetivos de suas organizações

BBC News Mundo – Uma de suas dicas para desenvolver a autoconsciência tem a ver com pedir feedback, pedir críticas construtivas, coisas que outros autores consideram uma “falácia”…

Han – É complicado. Mas vamos começar por algo que se ouve há muitos anos, que o feedback é um presente. E é um presente que deve ser aceito mesmo sem gostar nem precisar.

BBC News Mundo – Mas, neste caso, pode até ser um presente, mas isso não significa que somos obrigados a ficar com ele, certo?

Han – Bem, é aí que entra a questão da autoconsciência e da crítica construtiva.

Quem recebe o feedback pode escolher mantê-lo e incorporá-lo ao seu desempenho ou recusá-lo. A noção geral que a pessoa tem de si mesma e do seu comportamento no ambiente profissional é o que vai permitir aproveitar ou não uma observação sobre seu trabalho.

E é uma decisão tomada inteiramente com base no que se deseja alcançar nesse local de trabalho.

Se, por exemplo, o Steve Jobs tivesse trabalhado em um escritório de advocacia e recebesse um feedback negativo por não se dedicar o suficiente ao trabalho jurídico, ele iria passar a dedicar seu tempo a processos judiciais quando sua verdadeira vocação era criar os objetos que moldaram a nossa realidade.

Portanto, cada um deveria decidir quais críticas construtivas são realmente úteis e quais é melhor deixar de fora.

Dito isto, acho que pedir feedback é fundamental para aprimorar não somente nosso autoconhecimento mas também o entendimento do nosso meio e o olhar deste sobre nós.

BBC News Mundo – Outro tema relacionado à autoconsciência, que você aborda em suas entrevistas e que praticamente norteia este processo, é o da definição de metas. Como é possível fazê-lo sem pecar por falta nem excesso de ambição?

Han – Tenho uma fórmula. Ao definir uma meta, deve-se ter certeza de que será possível bater 80% dela. Nem mais, nem menos.

Quero deixar claro que estamos falando de metas no trabalho. Não na vida pessoal, onde há outras variáveis.

E, para que funcione, é preciso ser claros. Explícitos na definição de objetivos. Outros especialistas além de mim trabalham com essa fórmula, mas, para ela funcionar, os objetivos não podem ser amplos ou vagos demais porque, para avaliar o próprio desempenho, é necessário saber o que está sendo medido.

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A autoconsciência tem a ver com conhecer as próprias habilidades e fraquezas, mas acima de tudo, entender como elas podem fazer a diferença no próprio ambiente.

Por que 80%? Por que imprevistos acontecem, há objetivos que podem ter um determinado valor no início mas depois as coisas mudam de figura. E também, porque um desempenho de 80% é notável.

A respeito disso, dividi o tema de metas ou objetivos em três linhas. Primeiro, as metas operacionais. Ou seja, as ações que precisa executar todos os dias, as tarefas diárias, o trabalho básico.

O segundo tipo de meta seria o crescimento, aquilo que pode fazer a pessoa crescer profissionalmente. Tudo o que se relaciona com adquirir novas habilidades para ser melhor naquilo que se faz diariamente.

E o terceiro é o objetivo aspiracional, o lugar onde se deseja chegar. Seja conseguir um cargo, um salário melhor, uma conta muito desejada pela empresa, etc.

Os três tipos de meta trabalham juntos e não individualmente.

BBC News Mundo – Uma última pergunta: falamos muito sobre funcionários, mas como isso se aplica a chefes ou líderes dentro de uma empresa?

Han – Na minha experiência o grande dilema dos líderes é não entender que eles é que devem concretizar os objetivos da empresa, pois às vezes acontece de eles colocarem suas metas pessoais por cima das da organização, gerando um conflito.

Para quem é executivo, ou seja, tem cargo executivo, seja de gestor, coordenador ou presidente, os objetivos profissionais têm que ser os mesmos da empresa, mesmo que existam outros executivos nela.

Quando líderes ou chefes perseguem objetivos pessoais, os funcionários ficam desiludidos ou desanimados, porque os vêem como líderes para seguir ou para obedecer.