- Author, Simone Machado
- Role, De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
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Basta digitar “Ozempic” nas buscas de redes sociais para encontrar vídeos mostrando pessoas dizendo que emagreceram usando o medicamento e dando seus depoimentos sobre ele.
Foi buscando esse resultado que a publicitária Fernanda Guimarães Pimenta, de 29 anos, decidiu fazer o uso do medicamento sem orientação médica e acabou parando na UTI e quase teve uma insuficiência hepática – quando o fígado para de funcionar.
Após assistir a esses vídeos nas redes sociais, Fernanda decidiu usar o Ozempic, uma “canetinha” com uma agulha na ponta, sem acompanhamento médico em julho do ano passado. Ela também conhecia algumas amigas que faziam o uso do medicamento e estavam perdendo peso rapidamente.
“Comecei a ser impactada pelos vídeos, até brinco falando que fui influenciada pelo meu próprio trabalho já que sou publicitária. O algoritmo começou a me apresentar diversos vídeos falando sobre o uso do Ozempic e seus resultados positivos. Então, eu coloquei na minha cabeça que se eu tomasse, iria dar super certo também”, relata.
Na época, a publicitaria estava insatisfeita com o próprio corpo após engordar 10 quilos durante o período de pandemia e passar do manequim 40 para o 44. Trabalhando em home-office, ela deixou de ir caminhando até o escritório em que trabalha, em São Caetano do Sul, aumentando o seu sedentarismo e contribuindo para o ganho de peso.
Em nota à BBC News Brasil, o laboratório Novo Nordisk, fabricante o Ozempic explicou que o medicamento é indicado para o tratamento de adultos com diabetes tipo 2 insuficientemente controlado, como adjuvante à dieta e exercício físicos.
O fabricante acrescenta ainda que o medicamento deve ser utilizado e comercializado apenas sob prescrição médica, contraindicado para grávidas, lactantes e pacientes alérgicos à semaglutida.
Sobre as complicações tidas por Fernanda, após o uso sem prescrição do medicamento, o fabricante explicou que o medicamento não interfere na função do fígado.
“Ele pode ser usado em pacientes que possuem insuficiência hepática leve e moderada. A experiência em pacientes com insuficiência hepática grave é pequena. Mas não ocorre o aumento das enzimas hepáticas relacionadas ao uso do medicamento. Contudo, o aumento de enzimas pancreáticas pode ocorrer de maneira transitória e pacientes com histórico prévio de pancreatite devem utilizar o produto com cautela”, disse em nota.
“Os distúrbios gastrointestinais, tal como náusea, foram os eventos adversos mais frequentemente relatados, sendo a maioria transitórios, de intensidade leve e não levando a interrupção do tratamento. Esses eventos ocorreram em uma proporção semelhante em relação a outros análogos de GLP-1 já comercializados no Brasil. A interrupção prematura do tratamento devido a eventos adversos foram inferior a 10% em todos os grupos estudados1-7. Cabe ressaltar que o tratamento deve sempre ser orientado pelas recomendações fornecidas pelo médico responsável e deve basear-se em uma avaliação individual das necessidades do paciente”, acrescentou.
‘Ânsia e dor de cabeça’
“Eu insisti muito para que meu namorado comprasse o medicamento para mim. E como uma forma de tentar me agradar, ele comprou em uma farmácia, sem receita ou qualquer tipo de restrição e pagou R$ 850. Não pensei em nenhum momento passar pelo médico, eu estava muito esperançosa que iria funcionar e eu emagreceria”, detalha a publicitária.
Logo após a aquisição do medicamento, Fernanda recorreu mais uma vez aos vídeos das redes sociais para aprender a aplicar a medicação e decidiu que usaria o Ozempic uma vez por semana, aumentando a dose em cada aplicação.
“Fiz a aplicação da primeira injeção. Comecei a sentir muita ânsia e dor de cabeça, mas até aí estava dentro dos sintomas esperados pela medicação e são previstos na bula. Na semana seguinte, eu resolvi aumentar por conta própria a dosagem, passando de 0,25 mg para 0,5 mg, achando que potencializaria os resultados”, recorda a publicitária.
Após a segunda aplicação, os sintomas ficaram mais intensos e a publicitária decidiu buscar ajuda médica indo ao pronto-socorro da cidade. Foram oito idas ao hospital para tratar os sintomas que não cessavam.
Com vergonha, a jovem não relatou aos médicos que estava usando o Ozempic sem acompanhamento profissional.
“Eu não parava de vomitar, sentia muita dor no estômago e passava o dia enjoada. Fui oito vezes ao pronto-socorro, para tomar medicação na veia e nada adiantava. Eu voltava para casa e continuava vomitando”, recorda.
“Fiquei com vergonha de falar para o médico que eu estava usando por conta própria, então falei que estava tomando Ozempic, mas que um médico tinha indicado”, acrescenta.
Após exames de sangue, os médicos constataram que a publicitária apresentava alterações no fígado e pediram que ela fosse internada. Devido à gravidade do quadro de saúde de Fernanda, ela foi encaminhada para a UTI para que os médicos pudessem monitorar de perto as enzimas do fígado, que segundo a publicitária, a quantidade estava mais de dez vezes acima do considerado normal.
“Falei que não queria ficar na UTI e a médica foi bem sincera e disse “ou eu te interno para monitorar seu fígado, ou você pode ir para fila do transplante” porque caso as enzimas continuassem subindo meu órgão pararia de funcionar”, relata a publicitária.
Além do problema no fígado, a publicitária também foi diagnosticada com pedra na vesícula. Os especialistas não sabem se ela foi desencadeada pelo uso do Ozempic ou se a jovem já tinha o problema e só foi potencializado pelo medicamento.
Foram sete dias de internação na UTI, tomando medicações para dor e controlar o fígado. Com o tratamento, as enzinas do fígado de Fernanda reduziram, indicando a recuperação do órgão, descartando a necessidade de um transplante.
Recuperada, a publicitária passou a fazer musculação duas vezes por semana e já eliminou sete dos dez quilos que havia engordado durante a pandemia.
O que é o Ozempic e quando ele é indicado
Ozempic é o nome comercial de um medicamento injetável chamado Semaglutida, indicado inicialmente para auxiliar no tratamento do diabete tipo 2.
A Semaglutida ajuda a controlar o açúcar no sangue, aumentando a produção de insulina e reduzindo a produção de glicose pelo fígado. Como é um medicamento, a dose e forma de usar devem ser orientadas por um médico.
“Ela ajuda a controlar o açúcar no sangue, reduz o apetite e retarda o esvaziamento gástrico, o que significa que os alimentos permanecem no estômago por mais tempo, proporcionando uma sensação de saciedade. Além disso, ela pode reduzir a gordura corporal. Em estudos clínicos, a Semaglutida demonstrou melhorar a sensibilidade à insulina e aumentar a queima de gordura, o que pode ajudar na perda de peso. Isso também é uma vantagem na redução da gordura no fígado, beneficiando portadores de esteatose hepática com dificuldade ou má resposta a mudança de hábitos com dieta e exercícios”, explica Carla Adriana Loureiro de Matos, hepatologista do núcleo de medicina avançada do Hospital Sírio Libanês.
Apesar disso, diferente do que acontece na Europa e EUA, a Semaglutida ainda não está liberada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso unicamente contra a obesidade no Brasil.
“Sua utilização é recomendada para adultos, portadores de diabete tipo 2, como auxiliar no tratamento, em conjunto com dieta e exercícios. Pode ser utilizado como única medicação, mas também pode ser utilizado em associação com outros medicamentos, se necessário. O Ozempic ainda não é liberado para uso em crianças e adolescentes menores de 18 anos e não deve ser utilizado em grávidas devido à falta de estudos com esse público”, acrescenta Matos.
Assim como todo medicamento, seu uso indiscriminado pode ter consequências graves, como:
– Potencialização das complicações oculares do diabético;
– Desidratação grave com insuficiência renal;
– Pancreatite aguda grave.
“Pacientes que estão usando o Ozempic se precisarem passar por um procedimento cirúrgico, por exemplo, precisam suspender o uso vários dias antes ou então o jejum que para cirurgia seria de 8 horas, tem que ser de 48 horas, porque os pacientes podem aspirar o conteúdo gástrico na hora da intubação”, explica Rodrigo Surjan, médico-cirurgião do Hospital Nove de Julho.
Por que ele causa um emagrecimento tão rápido?
Um dos “efeitos colaterais” da Semaglutida é a perda de peso rápido. Isso acontece porque a Semaglutida, que é um agonista (que simula a ação) de um hormônio chamado GLP-1, produzido pelo intestino e, além de contribuir para o controle da glicemia, também atua no hipotálamo, diminuindo a vontade de comer. E, como já demonstrado em alguns estudos, também melhora a fome emocional, que é aquele comer por ansiedade.
“Foram feitos estudos visando o tratamento da obesidade com o Ozempic e observou-se que doses maiores teriam um efeito melhor na perda de peso. Com esse estudo, foi aprovado no Brasil um medicamento com o nome comercial de Wegovy, que ainda não está comercializado nas farmácias, mas que em breve chegará. Ele apresenta uma dose maior da Semaglutida do que se tem no Ozempic, sendo mais eficaz no tratamento da obesidade”, explica Fábio Trujilho, diretor do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
O Wegovy, o medicamento específico contra a obesidade, também tem como seu princípio ativo a Semaglutida. Ele já foi aprovado pela Anvisa e traz 2,4 mg (o Ozempic tem 1mg).
“Esse medicamento pode resultar em perdas médias de 17% do peso corporal e pode ser usada com segurança em pessoas com ou sem diabete. Entretanto, sempre com acompanhamento médico que vai fazer a dosagem correta, uma vez que o aumento lento e gradual da dose reduz, e muito, a chance de efeitos colaterais”, diz Bruno Geloneze, pesquisador da Unicamp e membro do departamento científico da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica).
No entanto, a aprovação não quer dizer que ele pode ser usado de forma indiscriminada e por qualquer pessoal que deseja emagrecer.
Um dos critérios para indicação de medicamentos no tratamento da obesidade é o Índice de Massa Corpórea (IMC) maior do que 30 (IMC < 30 = obesidade de grau 1), ou em pessoas que tem IMC maior ou igual a 27 e que tenham outras comorbidades associadas à obesidade e a perda de peso possa contribuir para a melhora geral.
Para calcular o IMC basta dividir o peso de uma pessoa pela altura dela elevada ao quadrado. O número obtido a partir dessa operação matemática se encaixa em uma das categorias a seguir:
Menor que 18,5 – abaixo do peso normal
Entre 18,5 e 24,9 – peso normal
Entre 25 e 29,9 – sobrepeso
Entre 30 e 34,9 – obesidade grau 1
Entre 35 e 39,9 – obesidade grau 2
Acima de 40 – obesidade grau 3
“Acontece que vemos muita gente recorrendo à automedicação sem seguir esses critérios. Às vezes pessoas com o peso normal, que querem perder 2 ou 3 kg e acabam fazendo o uso inadequado do remédio, já que ele não tem essa indicação”, diz o diretor d SBEM.
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