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Alena Yap era a única médica disponível para cuidar de Eleuthera Abus em um arquipélago de 13 mil habitantes

  • Author, Rupert Wingfield-Hayes
  • Role, De Agutaya e Manila (Filipinas)

Quando Eleuthera Abus, de 99 anos, levanta o braço direito, ela estremece à medida que os ossos quebrados se movem. Já se passaram seis meses desde que ela caiu.

“Tudo o que posso fazer é controlar a dor dela”, diz a médica Alena Yap, de 28 anos, que examina a idosa na varanda de casa.

“Ela realmente precisa colocar um pino no osso. Mas a família se recusa a levá-la ao hospital.”

As filhas de Eleutera não são pessoas sem coração. Elas são pobres.

O centro cirúrgico mais próximo fica a centenas de quilômetros de distância da pequena Ilha Diit, onde elas vivem. É uma das ilhas que compõem o arquipélago de Agutaya, bem no meio do Mar de Sulu, nas Filipinas.

Para as cerca de 13 mil pessoas que vivem aqui, Alena, como é chamada, é a única médica. De baixa estatura, óculos e rabo de cavalo, ela sempre exibe um sorriso largo no rosto que esconde uma determinação silenciosa.

Há apenas uma ilha no arquipélago que ela não visita — Amanpulo, que tem o mesmo nome do seu resort de luxo, onde Tom Cruise e Beyoncé teriam se hospedado. Em um dia claro, é possível avistá-la das praias de Diit, a apenas 20 km de distância.

Alena chegou pouco antes da pandemia de covid-19 — e aprendeu a conviver com as ameaças de morte que recebia quando insistia para que as pessoas fizessem isolamento. Mas a pandemia que devastou o mundo estava longe de ser seu único desafio neste recanto frequentemente esquecido das Filipinas. Ela lutou contra novas e antigas doenças e enfrentou os maiores desafios de seu país. Ela conta que foi para Acutaya para fazer “mudanças reais” — mas saiu de lá profundamente desiludida.

Essas remotas ilhas vulcânicas não são o lugar onde você espera encontrar uma médica formada na melhor faculdade de medicina do país, que passou a vida toda em Manila, a fervilhante capital das Filipinas.

Diferentemente de muitos de seus colegas que partiram em busca de uma carreira na Austrália, nos Estados Unidos e no Reino Unido, Alena se ofereceu para participar de um programa do governo que a enviou para um dos municípios mais pobres do país.

A chegada da covid-19

A ilha principal de Agutaya fica a dois dias e meio de Manila. Isso inclui um voo, seguido por uma travessia noturna de 15 horas mal dormidas em uma balsa aberta da cidade portuária de Iloilo para uma ilha maior chamada Cuyo.

Na sequência, a única maneira de entrar e sair de Agutaya é fazer uma travessia de duas horas em uma canoa que mais parece uma montanha-russa, da qual você sai encharcado.

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Estas ilhas, em meio a águas cristalinas sobre a areia branca, parecem ter saído direto do paraíso

Enquanto o habilidoso piloto guia a canoa pelos recifes até as águas rasas, Agutaya parece um pedaço do paraíso. Aos pés da costa cercada por palmeiras, uma ampla faixa de areia branca se estende em todas as direções. Canoas coloridas balançam em águas tão claras que parecem estar flutuando no ar.

Mas a geografia é uma bênção e uma maldição. Espalhadas por centenas de quilômetros quadrados de mar, as cerca de uma dúzia de ilhas que compõem o arquipélago ficam isoladas por dias, até semanas, quando chegam as monções, com ventos a reboque. Cobertas por densa floresta, as encostas se erguem sobre grandes campos de rochas basálticas. Há pouco solo cultivável. Os ilhéus dependem quase inteiramente do oceano.

Alena fez sua primeira travessia para Agutaya em fevereiro de 2020.

“Quando comecei aqui, tinha 26 anos, e muitas pessoas me confundiam com uma estudante do ensino médio”, diz ela com uma risada. “As pessoas não acreditavam que eu era médica.”

Seu primeiro desafio chegou em um mês, quando a pandemia de covid-19 colocou as Filipinas em lockdown. As ilhas foram isoladas.

“O primeiro ano não foi tão ruim”, diz Alena. “Não houve caso local algum. Mas no segundo ano [2021], foi quando o governo permitiu que todos voltassem para suas cidades natais. De repente, tínhamos pessoas voltando de lugares tão distantes quanto Manila.”

Alena estava encarregada de fazer cumprir a quarentena.

“Quando as pessoas souberam que seriam colocadas em quarentena, reagiram com violência”, diz ela. “Recebi ameaças de morte. As pessoas diziam que queriam atirar em mim.”

Ela entendeu o motivo. As pessoas aqui vivem dia após dia. O que pescam de manhã, elas comem no jantar. Se não pudessem sair de casa para pescar, passariam fome.

Longe de ser abraçada pela comunidade local, Alena, que havia deixado o noivo em Manila, agora estava sendo mal recebida pelo povo como uma fiscal do governo.

“Havia dias em que eu não conseguia fazer nada além de chorar. Foram muitas lágrimas”, relembra.

Para aliviar a solidão, ela começou a adotar cachorros. Bruno é grande, com um rabo enorme que não para de abanar, enquanto Vigly é pequeno e tímido. Os dois a acompanham em todos os lugares.

“Passei muito tempo indo à praia com eles e vendo o pôr do Sol. Também comecei a desenhar. Meus desenhos não são bons, mas é uma espécie de arteterapia.”

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A pandemia e a solidão que ela impôs foram especialmente difíceis para a jovem de 28 anos

O desafio seguinte surgiu quando as vacinas começaram a chegar, no verão de 2021.

“Tivemos que ir de casa em casa, em cada barangay [vilarejo] da ilha”, diz Alena. “A ilha mais distante fica a quase três horas de barco, e muitas pessoas não podem pagar a passagem [para ir à clínica]. Então, elas não viriam.”

Por mais cansativa que a jornada fosse, a distância não era o único problema:

“Houve muita hesitação, muitas notícias falsas sobre as vacinas fazerem mal ou serem capazes de matar as pessoas. Muita gente aqui acessa notícia por meio das redes sociais e não estava recebendo os fatos.”

No outono de 2022, a ameaça da covid-19 começou a diminuir. Apesar da resistência, o programa de vacinação foi bem-sucedido.

Apenas oito ilhéus em todo o arquipélago morreram em decorrência do vírus.

Mas isso trouxe uma pequena trégua.

A ‘moça do remédio’

Nos dias de semana, uma fila começa a se formar todas as manhãs do lado de fora da principal clínica em Agutaya, enquanto a reunião diária entre Alena e sua equipe ainda está em andamento.

Nesse dia, o primeiro da fila é um homem de 50 anos com suspeita de derrame.

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Um menino caminhando para a escola na Ilha Diit

“Antes de vir para cá, pensei que tudo seria fresco e orgânico”, diz Alena, rindo de sua própria ingenuidade. “Mas é muito difícil conseguir uma alimentação nutritiva aqui.”

Por um lado, os habitantes locais salgam e secam seus peixes, levando à pressão alta. Diabetes também é comum porque é mais fácil encontrar refrigerante do que água potável.

Um cartaz na entrada da clínica anuncia o outro grande problema de saúde: “amostra de escarro” para tuberculose.

Alena diz que registrou 45 casos em 2022, mas muitos outros não foram diagnosticados.

A tuberculose é uma infecção bacteriana que pode ser fatal se não for tratada. Ela mata milhões de pessoas anualmente, embora uma combinação de vacinas e antibióticos a tenha erradicado de algumas partes do mundo antes da metade do século passado.

Mas ainda se estima que as Filipinas tenham mais de um milhão de casos.

“O plano de longo prazo é erradicá-la”, diz Alena, acrescentando que é “impossível em um futuro próximo”. Ela afirma que, devido à falta de acesso aos serviços de saúde, as pessoas frequentemente têm recaídas e começam até a desenvolver cepas resistentes a medicamentos.

Mais tarde naquela manhã, uma mulher leva seu filho à clínica. Pálido e apático, o menino desaba em uma cadeira. Alena suspeita que ele esteja com dengue. Alguns minutos depois, está confirmado. Ela receita paracetamol e diz à mãe para mantê-lo hidratado.

A dengue é novidade por aqui. O único caso em janeiro se transformou em 10 em março, mesmo quando Alena e sua equipe pulverizaram inseticida na escola para matar os mosquitos que espalharam a doença, e distribuíram mosquiteiros tratados.

Por volta das 11h, a médica se libera da crescente fila de pacientes. Eles vão ter de ser atendidos por sua competente equipe de enfermagem, porque ela precisa atravessar para Diit, a 40 minutos de barco.

Essa ilha é mais bonita que Agutaya, mas mais pobre. Não tem eletricidade nem torre de sinal de celular, e possui apenas uma estrada de concreto que termina depois de algumas centenas de metros.

A chegada da “moça do remédio”, como Alena é carinhosamente chamada, é recebida com muita emoção. Dezenas de crianças em idade escolar vêm correndo pela praia. Elas não tiveram aula para que a equipe de controle da dengue de Alena pudesse pulverizar a escola com inseticida. Enquanto caminha pelo vilarejo, ela parece o flautista de Hamelin, com uma longa fila de crianças risonhas atrás dela.

Ela visita um casal de idosos que está sentado em cadeiras de rodas do lado de fora de casa na praia. Ambos tiveram derrames e estão parcialmente paralisados. Ela verifica a pressão arterial dele — 15 por 9.

“É alta, mas aceitável para a idade dele”, afirma.

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Nestas ilhas, uma hérnia, como a deste menino, pode levar uma família à falência

Uma mulher na faixa dos 40 anos abre caminho no meio da multidão que se reuniu ao redor da médica. Ela está carregando um menino, que talvez tenha cinco ou seis anos. Alena pede que ela se sente em uma cadeira e começa a examinar a criança. O testículo esquerdo dele está extremamente aumentado. A lanterna revela uma hérnia na parte inferior do abdômen. Uma parte do intestino dele penetrou na parede intestinal, empurrando seus testículos.

“Ele vai precisar de cirurgia”, diz Alena à mãe.

A esperança nos olhos da mulher logo se transforma em ansiedade.

Alena pergunta se ela conhece alguém com quem possa ficar em uma das ilhas maiores. Sim, diz a mulher — em Culion, a 12 horas de barco.

“Assim que digo a eles que precisam de cirurgia, você vê o medo e a tristeza em seus rostos porque percebem que não há nenhum remédio que eu possa dar para curar aquilo”, diz Alena.

“Você vê em suas mentes [o pensamento de] como vão pagar por isso? É difícil ser a única a dar a notícia.”

Em outra parte do mundo, uma hérnia é um procedimento médico simples. Mas aqui pode acabar com as economias de uma família, deixando-a endividada por anos.

“Se pudéssemos facilitar as viagens, faria muita diferença”, ela acrescenta.

“Mas isso é difícil porque exige muitos recursos.”

Depois de três anos na ilha, o otimismo e a ambição de Alena deram lugar à desanimadora constatação de que recursos — ou dinheiro — sempre vão ser o maior desafio.

Paraíso perdido

Uma estrada de concreto para qualquer tipo de clima passa ao longo da base das colinas rochosas que circundam a ilha principal de Agutaya. A construção começou junto com a campanha para a eleição local no ano passado. Uma pista foi concluída antes do dia da eleição, mas os ilhéus dizem que a obra parou depois disso. Ainda não há uma segunda faixa.

“Teremos que esperar as próximas eleições para terminar a estrada”, brinca um morador.

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Agutaya e as ilhas ao redor são muito pequenas para fazer diferença para Manila, dizem os moradores

Do outro lado da ilha, barras de aço enferrujadas se projetam de uma estrutura de concreto incompleta que está sendo invadida aos poucos pela vegetação.

Era para ser a nova unidade de saúde rural, segundo Alena. A obra parou no ano passado porque o governo local ficou sem dinheiro.

“Mas eles não concluíram sua parte no acordo”, diz ela, com uma frustração palpável.

A política filipina não é conduzida por partidos, mas por personalidades, e é dominada por grandes clãs poderosos cujos chefes prometem recursos de Manila em troca de votos. Como observou uma moradora local, Agutaya é uma comunidade muito pequena: “Não há votos suficientes aqui que façam valer a pena o dinheiro.”

Os políticos locais têm pouco incentivo para mudar e, na época das eleições, a compra de votos é tão comum que agora parece ter um preço fixo: 500 pesos filipinos (cerca de R$ 44). A corrupção tem raízes profundas, e o dinheiro que entra parece não chegar ao seu destino.

“Eu cheguei aqui muito idealista”, diz Alena, suspirando.

“Fui muito aguerrida para tentar mudar a forma como o sistema de saúde local funcionava. Mas, com o passar do tempo, você percebe que três anos é muito pouco para fazer grandes mudanças.”

À medida que a temporada de Alena em Acutaya — um contrato de três anos — chegava ao fim, muitos ilhéus disseram a ela que ficariam tristes em vê-la partir.

“O tempo passa rápido”, afirma Ricardo, um dos auxiliares de enfermagem da equipe, que a descreveu como “altruísta e trabalhadora”.

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Por mais que tenha ajudado, Alena diz que se sente profundamente frustrada ao final de sua temporada no arquipélago

Mas nas semanas seguintes ao seu retorno a Manila, Alena conta que se sentiu desapontada e até cínica em relação à sua experiência trabalhando para o governo local. Ela recebeu uma oferta de emprego na administração de saúde da província de Palawan, mas recusou. Em vez disso, ela quer trabalhar para uma ONG ou instituição de caridade médica.

Na semana passada, ela voltou a Agutaya como parte de um programa administrado por uma ONG. Há décadas que a ONG, com a ajuda de doadores locais e internacionais, envia regularmente médicos especialistas às ilhas para realizar pequenas cirurgias.

Mas, desta vez, a viagem de Alena não durou dois dias e meio. Ela e outros médicos chegaram lá três horas depois de decolar de Manila — o avião deles pousou em uma pista na luxuosa ilha de Amanpulo.