- Author, Vitor Tavares
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
- Twitter, @vitoramtav
Em 1985, um episódio marcou a vida do casal de vulcanólogos Katia e Maurice Krafft.
A erupção do Nevado del Ruiz, na Colômbia, deixou mais de 23 mil mortos, numa das maiores tragédias causadas por vulcões da história.
A cidade de Armero foi completamente soterrada e, literalmente, deixou de existir, após a erupção derreter as geleiras da montanha e gerar os chamados lahars – uma avalanche de lama, terra e detritos vulcânicos.
Na época, especialistas em vulcões tentaram alertar autoridades sobre riscos da iminente erupção e da necessidade de evacuar cidades, mas não foram ouvidos.
Maurice e Katia, que já haviam ganhado fama no mundo por “caçarem” e registrarem vulcões em todos os continentes, fizeram coro ao aviso. Mas também não foi suficiente.
“Ficamos com vergonha de nos considerarmos vulcanólogos”, disse Katia em entrevistas na época.
“Meu sonho é que vulcões deixem de matar”, afirmou Maurice.
Abalado pela tragédia, o casal decidiu que precisava fazer mais do que já faziam — ou seja, gravar de perto atividades vulcânicas ameaçadoras para, assim, demonstrar o poder destrutivo e convencer autoridades sobre os riscos.
Em junho de 1991, eles viajaram ao Japão para registrar a força da erupção do Monte Unzen.
Nas últimas imagens em que aparecem com vida, Katia e Maurice olham para a montanha, ao lado da câmera. Eles morreram minutos depois, ele aos 45 anos, ela aos 49. Os corpos foram encontrados lado a lado.
“Todos nós sabíamos que eles iam morrer em um vulcão, e eles mesmo sabiam”, disse à BBC News Brasil a brasileira Rosaly Lopes, astrônoma e vulcanóloga da Nasa que conheceu o casal em palestras e eventos. Os dois, conta Lopes, eram tratados como estrelas no mundo da vulcanologia.
As impressionantes imagens que os Krafft registraram ao longo de décadas de trabalho estão no documentário Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft, que concorre ao Oscar da categoria. No Brasil, é possível assistir à produção dirigida por Sara Dosa pelo serviço de streaming Disney .
Amor pelo fogo
Foi em 1966, quando frequentavam a Universidade de Estrasburgo, na França, que Katia e Maurice se conheceram. Ela, geoquímica; ele, geólogo. Mas logo descobriram um interesse em comum: vulcões.
“Começamos na vulcanologia porque estávamos decepcionados com a humanidade. E, como um vulcão é maior do que os homens, sentimos que era o que precisávamos. Algo além da compreensão humana”, disse Maurice em uma entrevista mostrada no documentário. Ele era considerado mais “midiático” do que Katia.
Era um período do pós-guerra, com grande avanço científico. Em 1967, as placas tectônicas foram descobertas, permitindo entender intrigantes mistérios da natureza, como os terremotos e a formação de vulcões.
Na Islândia, em 1968, os Kraffts tiveram a primeira experiência juntos na exploração de vulcões. A partir dali, começaram a registrar erupções em vídeo e fotos — o que acabaria se tornando uma fonte de renda do casal, que passou a vida viajando.
“Quando você vê uma erupção, não consegue mais viver sem, porque é tão grandiosa, tão forte, que temos um sentimento de insignificância”, explicava Katia. Dois anos depois, se casaram e escolheram não ter filhos.
“Eles não poderiam fazer o que fizeram se não fosse o outro. Eles tinham um relacionamento entre os dois, e entre eles e os vulcões”, diz a vulcanóloga Rosaly Lopes.
Além da venda de parte do material audiovisual, Katia e Maurice filmavam todas as expedições com a intenção de rever as erupções e estudá-las. E passaram a querer chegar cada vez mais perto.
Para Rosaly Lopes, o casal, mesmo que não se destacasse pela produção acadêmica em si, deixou um grande legado científico e para a humanidade.
As filmagens que mostram lava, explosões e fluxos piroclásticos (a mistura de gás, matéria vulcânica, cinzas e fragmentos de rocha expelida nas erupções) rodaram o mundo e foram usadas por pesquisadores para entender e criar modelos sobre o comportamento dos vulcões.
Os dois também traziam material “jovem” expelido nas erupções para estudos em laboratórios geofísicos.
“Mas acho que o legado principal é de educação, de ensinar que vulcões são muito bonitos, porém perigosos. E também que, às vezes, você pode ir a um vulcão, perto da lava, sem correr muito risco”, diz Lopes, que escreveu um livro sobre as possibilidades de se fazer turismo em áreas com atividade vulcânica.
‘Isso vai me matar, mas não me importo’
Katia e Maurice adotaram duas classificações para vulcões.
Os “vermelhos” seriam aqueles em que há os “rios” de lava e sem fortes explosões. Eram esses, menos perigosos, que os Krafft se dedicaram inicialmente a explorar.
Já os “cinzas” eram os explosivos, que acumulam pressão e calor até sua liberação cataclísmica. Eram os chamados de “assassinos”, menos conhecidos e mais difíceis de acessar.
Após a erupção do vulcão “cinza” do Monte Santa Helena, nos Estados Unidos, que deixou 57 mortos em 1980, o casal decidiu mudar o foco de suas expedições para esses mais arriscados.
Elas foram atrás de erupções no Alasca (Estados Unidos), Indonésia e Colômbia, onde registram o rastro de destruição da tragédia em Armero.
Em junho 1991, eles receberam a informação de que o monte Unzen, no Japão, entraria em erupção. Eles viajaram ao país e foram ao encontro de mais uma missão – sua última.
Na ocasião, Katia e Maurice decidiram se manter a uma distância que acreditavam ser segura, com outros cientistas, jornalistas e bombeiros. Mas um fluxo piroclástico muito mais forte do que o esperado levou à morte de 43 pessoas, incluindo o casal.
As marcas no solo depois da tragédia indicaram que Katia e Maurice estavam perto um do outro.
Nas imagens mostradas no documentário, há a menção a um texto em que Maurice escreveu que preferia uma “vida intensa e curta que longa e monótona”, justificando sua caça aos vulcões. E Katia, em certo ponto, disse: “Se ele morrer, prefiro ir com ele”.
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