- Giulia Granchi
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Quando Helena Nader entrou na segunda turma de ciências biomédicas da Unifesp em 1967, seu sonho era se tornar uma cientista que contribuísse para o crescimento do Brasil. Foi essa vontade que permeou toda sua carreira até que ela se tornasse a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Ciências (ABC) em 105 anos, cargo que assumirá oficialmente entre 3 e 5 de maio.
“Na época que comecei a estudar, nunca imaginei que um dia seria a presidente da Academia, mas já tinha essa vontade de mudar o país para melhor. Era um curso totalmente novo, foi pensado e organizado na Escola Paulista de Medicina, com a ideia de formar pesquisadores para essa área que inclui tantos caminhos diferentes”, lembra.
Foram os aprendizados da faculdade que motivaram Helena a enxergar a ciência além de valiosas contribuições específicas, mas como um instrumento que está presente em todas as esferas da sociedade.
“A biomedicina me deu uma base sólida e mostrou o valor da ciência. Quando eu olho os formados da minha turma, vejo que esse impacto também surtiu neles, todos têm grande sucesso profissional.”
O caminho até a presidência da Academia Brasileira de Ciências
Helena nasceu na cidade de São Paulo em 1947 e passou a infância com os pais e a irmã na capital paulista e em Curitiba (PR), para onde seu pai foi transferido. Depois de formada na faculdade, a biomédica ingressou no doutorado e em seguida no pós-doutorado, sempre na área da ciência.
Por muitos anos, ela trabalhou em um laboratório que fazia testes para detectar as mucopolissacaridoses (MPS), doenças hereditárias raras do metabolismo que ocorrem quando o corpo não tem as enzimas necessárias para decompor e armazenar moléculas de açúcar complexas. Pela urina dos pacientes a equipe da qual Helena fazia parte conseguia diferenciar o tipo de MPS, ajudando a pessoa a seguir para um tratamento mais efetivo para aquela condição específica.
Outra contribuição de Helena para a ciência foi o conjunto de descobertas sobre a heparina, um tipo açúcar complexo produzido naturalmente pelo corpo humano e que atua como substância anticoagulante. A biomédica é pioneira nos estudos sobre o tema, atuando na área há mais de 40 anos e liderando uma equipe de pesquisa que é referência em todo o mundo.
Pelo seu trabalho, Helena conquistou bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e publicou mais de 380 artigos em revistas científicas de renome entre a comunidade profissional.
Mas são os outros profissionais que passaram pela sua jornada que, na opinião dela, fazem a maior diferença em sua carreira.
“Eu sou uma boa cientista, tenho um excelente currículo, mas o que eu acho mais importante são as pessoas que eu formei – não só no Brasil, mas pelo mundo. Isso me dá uma alegria muito grande”, diz a biomédica, que participou da educação de 46 mestres e 51 doutores.
Ao longo de sua carreira, Helena aliou as atividades de pesquisa ao exercício de cargos administrativos em destacadas instituições científicas e de ensino.
“Fui chefe de departamento, de disciplina, coordenadora de curso, e pró-reitora de graduação. Tenho muita alegria por que eu pude estar onde começaram as ações afirmativas, que é uma questão que sempre me preocupou”, diz ela, referindo-se às medidas especiais que têm como objetivos eliminar desigualdades historicamente acumuladas.
“Temos uma grande população negra, que teve seus antepassados escravizados, e isso não era levado em consideração. Quando a escravidão foi abolida, disseram: ‘Agora você são livres, virem-se.’ Não teve um projeto. Mas vi as coisas, aos poucos, começarem a mudar. Quando era pró-reitora da Unifesp, foi aprovado por unanimidade, antes das cotas do governo federal, vagas para ações afirmativas – estudantes de escola pública, negros ou indígenas podiam aplicar”, lembra ela, que considera essas contribuições sociais como parte importante da produção científica.
Sobre ser a primeira mulher presidente da ABC, Helena afirma se sentir honrada, mas também triste. “Se a gente comemora, é por que ainda falta muito progresso. E as pesquisadoras brasileiras são muito competentes, não só a Helena. Somos mães e avós cientistas, acumulando funções e ainda conseguindo fazer um ótimo trabalho, tentando construir um Brasil melhor.”
Embora o cenário esteja avançando, historicamente, foram poucas as mulheres em cargos de liderança em academias e instituições pelo mundo. Nélida Piñon e Ana Maria Machado são as duas únicas presidentes mulheres da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde sua fundação, em 1897.
Na Academia Nacional de Medicina (ANM), fundada em 1829, ainda não constam regentes do gênero feminino. Em nível internacional, dentre os 303 presidentes da tradicional Academia Francesa de Ciências (ASF, sigla em francês), cuja fundação data de 1699, há apenas uma mulher: a bioquímica Marianne Grunberg-Manago (1995-96).
A Royal Society, fundada em 1660, nunca foi presidida por uma mulher e a primeira presidente mulher da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NAS, sigla em inglês), fundada em 1863, é a atual, eleita em 2016, Marcia Mc Nutt. Alemanha, Inglaterra e Itália não tiveram presidentes do gênero feminino em sua história secular. Assim, a eleição de Helena é um marco internacional na história das academias científicas.
O que faz a Academia Brasileira de Ciências?
“A instituição congrega diferentes áreas do conhecimento, que vão das ciências humanas e sociais, áreas médicas, engenharia, química, física, agronomia, veterinária… Para ser membro, é uma votação entre pares, começando com a seleção inicial dos que vão concorrer”, explica a presidente.
O objetivo da ABC é que essas pessoas eleitas sejam pesquisadores com grande contribuição científica de trabalhos com temas que a Academia considera relevantes e capazes de contribuir para o desenvolvimento do país, como educação, meio ambiente, mudanças climáticas e na área da saúde.
“Estamos sempre em diálogo com governadores, prefeitos e quem faz as legislações – deputados, senadores e vereadores. Também temos o contato bastante intenso com o nível federal. Às vezes a gente consegue mostrar para o parlamentar ou governante daquele momento a importância da ciência e da educação. Outras vezes, infelizmente, não”, afirma a Helena.
Na opinião da pesquisadora, apesar de falta de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento científico e declarações negacionistas de governantes e influenciadores, a pandemia mostrou que a maioria do povo brasileiro acreditou na ciência.
“Poderíamos ter uma vacina brasileira muito antes do que foi feito, mas sem investimento contínuo não dá. E o investimento para a ciência caiu vertiginosamente nos últimos anos, não só durante o governo Bolsonaro”, diz.
Entre as atividades dos membros da ABC estão, além da condução de pesquisas e contribuições para políticas públicas, reuniões, congressos, debates e ensinamentos de governança na ciência a outros profissionais e colaborações com cientistas brasileiros que moram em outros países.
“Ultimamente demos muitos passos para trás, mas é gratificante quando conseguimos dar um para frente. É o que queremos continuar fazendo”, diz Helena.
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