- Author, Alejandra Martins
- Role, BBC
O que você vai ler a seguir é muito mais do que uma entrevista.
É o resultado de décadas de um estudo com centenas de pessoas sobre o que realmente importa na vida.
Há 85 anos, a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, conduz o mais longo estudo científico sobre felicidade da história.
O “Estudo sobre o Desenvolvimento Adulto” começou em 1938 com cerca de 700 adolescentes. Alguns deles eram estudantes de Harvard, outros viviam nos bairros mais pobres de Boston.
A pesquisa os acompanhou ao longo de suas vidas, monitorando periodicamente suas alegrias e dificuldades, seu estado físico e mental. E agora, também inclui os parceiros e filhos dos participantes iniciais.
Robert Waldinger, professor de psiquiatria na universidade e mestre zen, é o quarto diretor do estudo.
Sua palestra de 2015 na plataforma TED foi vista mais de 40 milhões de vezes. E ele é coautor de um novo livro, The good life (“A boa vida”, em tradução livre) sobre as principais lições do estudo.
Waldinger explicou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, por que a qualidade dos nossos relacionamentos é o principal indicador de nossa felicidade e saúde à medida que envelhecemos. E lembrou que nunca é tarde para “energizar” as relações ou construir novas conexões.
Leia a entrevista abaixo.
BBC – Qual foi a descoberta que mais chamou a atenção no estudo?
Robert Waldinger – Não foi nenhuma surpresa que as pessoas em relacionamentos mais calorosos sejam mais felizes. Isso faz sentido.
Mas a surpresa foi a de que as pessoas que têm relacionamentos mais calorosos permanecem fisicamente mais saudáveis à medida que envelhecem.
A questão que surge é: como os relacionamentos podem torná-lo menos propenso a desenvolver diabetes tipo 2 ou doença arterial coronariana?
Outros estudos mais tarde descobriram a mesma coisa, e percebemos que esse é um achado forte.
Passamos os últimos dez anos em nosso laboratório tentando entender como os relacionamentos afetam nossos corpos e mudam nossa fisiologia.
BBC – Qual é sua hipótese para isso?
Waldinger – O estresse é uma parte natural da vida. Se algo estressante acontecer comigo esta manhã, haverá mudanças em meu corpo: a frequência cardíaca aumentará, minha pressão arterial aumentará. Esta é a chamada “reação de luta ou fuga”.
Mas espera-se que nosso corpo volte ao equilíbrio, ao normal, uma vez que o estresse foi embora.
Algo que percebemos é que a solidão e o isolamento são estressantes.
Se algo incômodo, estressante, aconteceu, posso ir para casa e conversar com minha esposa ou ligar para um amigo. Se eles forem bons ouvintes, posso sentir meu nível de estresse diminuir. Mas se não tenho ninguém assim, se estou isolado e sozinho, acreditamos que o corpo permanece em um grau latente de “reação de luta ou fuga”.
Isso significa que haverá níveis mais altos de hormônios do estresse, como o cortisol, circulando em meu sangue, e níveis mais altos de inflamação em meu corpo. E esses fatores gradualmente desgastam e atacam diferentes sistemas corporais. Dessa forma, o isolamento social e a solidão podem afetar as artérias coronárias e as articulações.
BBC – Você assegura no livro que uma vida boa é uma vida complicada — há felicidade, mas também dor. Ter bons relacionamentos nos ajuda a processar melhor as emoções difíceis?
Waldinger – Sim, eles nos ajudam a gerir melhor as emoções porque as relações muitas vezes nos permitem falar sobre o que sentimos. E, em primeiro lugar, temos um sentimento de pertencimento.
Somos animais sociais. Provavelmente evoluímos assim porque é mais seguro estar em grupo. E sentir que pertencemos a um grupo é uma forma de aliviar o estresse.
Quando você sente que é a única pessoa com um problema, você não se sente bem. Em vez disso, se conversa com outras pessoas que têm esse problema, isso fará com que você se sinta menos sozinho. É um sentimento muito poderoso e acreditamos que seja um importante regulador do estresse.
BBC – No livro, você fala da importância de se manter uma “aptidão social”. O que significa isto?
Waldinger – Cunhamos esse termo para torná-lo análogo ao fitness, porque vimos que cuidar de nossos relacionamentos é como exercitar um músculo.
Se ficarmos sentados a vida toda, nossos músculos atrofiarão. E da mesma forma, olhando para as vidas das pessoas que participaram do estudo, vimos que bons relacionamentos podem murchar não porque haja um problema, mas por descuido.
O que estamos começando a ver é que, se você cuidar ativamente de seus relacionamentos da mesma forma que cuida de seu corpo ou de uma planta em sua casa, esses relacionamentos permanecerão fortes.
BBC – No livro, você dá várias sugestões para nutrir ou energizar um relacionamento. Uma delas é “reconhecer alguém quando faz algo de bom”. Como fazer isso?
Waldinger – Somos muito bons em prestar atenção ao que não gostamos e ao que está errado. E com outras pessoas, tendemos a estar muito sintonizados com o que nos incomoda ou nos ofende, quando alguém faz algo que eu acho errado.
Mas muitas vezes tomamos como dadas as coisas que as pessoas fazem bem. Por exemplo, minha esposa adora cozinhar e prepara o jantar quase todas as noites. E eu tenho que me lembrar que não devo considerar isso como algo garantido.
Da mesma forma, resolvo tudo que tem a ver com tecnologia, e ela tem que lembrar que dá muito trabalho fazer as coisas funcionarem.
Então é uma forma de praticar a gratidão, onde nos perguntamos: como seria minha vida se essa pessoa não fizesse essas coisas ou se essa pessoa não estivesse na minha vida? É isso que queremos dizer com “reconhecer alguém por fazer algo bom”, por fazer algo que se não estivesse na sua vida te faria se sentir infeliz.
BBC – Outra sugestão sua para cuidar dos relacionamentos é manter uma “curiosidade radical”. Do que se trata?
Waldinger – Quando estamos com alguém há muito tempo, seja cônjuge, familiar ou amigo, presumimos que conhecemos essa pessoa.
Existem estudos sobre como estamos sintonizados com os sentimentos de outra pessoa. A pesquisa mostra que, especialmente quando saímos pela primeira vez com alguém, somos muito bons em sintonizar o que a outra pessoa está sentindo.
Mas quando estamos juntos há cinco, dez, vinte anos, sabemos muito menos o que ela sente. Podemos pensar que seria o contrário, que quanto mais tempo juntos, mais sabemos, mas o que acontece é que começamos a supor que conhecemos a outra pessoa.
Então, o que estamos falando é de reverter isso e despertar a curiosidade.
BBC – Em outra palestra, você mencionou um exemplo de curiosidade radical com sua esposa…
Waldinger – Estou com minha esposa há 37 anos. E o que faço é me perguntar: como posso voltar a ter curiosidade sobre quem ela é hoje?
Isso tem a ver com uma instrução de um dos meus mestres zen.
Na meditação zen, você se senta em uma almofada e medita continuamente. Já meditei milhares de vezes. E a instrução é perguntar a si mesmo enquanto faz algo que você já fez mil vezes: o que há aqui que eu nunca percebi antes?
Você pode fazer isso mesmo enquanto escova os dentes. Se eu te perguntar qual dente você escova primeiro, aposto que você tem que pensar, porque faz isso automaticamente. Então, hoje, quando for escovar os dentes, pode fazê-lo com uma curiosidade radical.
BBC – Você poderia compartilhar conosco algo que notou sobre sua esposa depois de mais de 30 anos juntos?
Waldinger – Descobri, por exemplo, que ela passou a usar brincos de prata em vez de ouro como antes, porque seu cabelo agora é grisalho em vez de castanho. É algo pequeno, mas é algo que eu não tinha notado.
BBC – Talvez algumas pessoas sintam que não têm “uma boa vida” porque não têm muitos amigos… O número importa?
Waldinger – É importante, mas é uma coisa muito individual. Alguns são muito tímidos e, para essas pessoas, ter muitas pessoas por perto é estressante. Outras pessoas que são mais extrovertidas, por outro lado, precisam de muitas pessoas em suas vidas e isso lhes dá energia.
Uma pessoa tímida pode precisar de um relacionamento próximo ou dois. Ter mais pode ser estressante e cansativo. Mas a pessoa extrovertida pode querer muitos, muitos relacionamentos.
Portanto, cada um de nós precisa determinar por si mesmo: quanta atividade social é boa para mim e minha vida?
BBC – Muitas pessoas podem pensar: “Eu tento cultivar as minhas amizades, mas sou sempre aquele que liga, aquele que ouve”. Você aconselharia essas pessoas a serem francas com seus amigos sobre como se sentem?
Waldinger – Sim, acho que seria bom porque algumas pessoas não percebem isso. Você pode dizer a um amigo: “Sempre sou eu que ligo para você. Gostaria que me ligasse de vez em quando ou me convidasse para tomar um café”.
Mas haverá algumas pessoas que nunca o farão. Então eu diria a você que isso não significa que você tenha que cortar essas amizades. Mas você também pode buscar outras amizades que sejam mais mútuas.
BBC – Muitas trocas hoje são virtuais. Para os relacionamentos, qual é a melhor maneira de usar as redes sociais?
Waldinger – Não é minha área de pesquisa, mas há estudos sobre isso e as primeiras descobertas indicam que a forma como usamos as redes sociais realmente importa.
Se as usarmos ativamente para nos conectar com outras pessoas, isso aumentará nosso bem-estar. E o exemplo que gosto de usar é um amigo meu que, na pandemia, se reconectou por Facebook com seus amigos do ensino fundamental. Agora, eles tomam um café virtual todos os domingos de manhã no Zoom. Eles têm momentos maravilhosos falando sobre suas vidas e sua infância. É um exemplo de uma conexão ativa via rede social, e todos ficam mais felizes por isso.
Por outro lado, existe o uso passivo das redes sociais, quando consumimos os feeds do Instagram ou do Facebook, onde todos postam belas imagens de suas vidas. Por que não postamos fotos de quando estamos infelizes?
Isso pode fazer com que outras pessoas que veem essas imagens sintam que “todo mundo está tendo uma vida boa e eu sou o único que está passando por momentos difíceis”. Esse tipo de consumo passivo de mídia social nos faz sentir pior, e os adolescentes são particularmente vulneráveis a isso. Muito vulneráveis.
Então, como as redes sociais não vão acabar, o que podemos fazer é ser mais ativos em usá-la para nos conectar com outras pessoas e não apenas olhar passivamente para o que outras pessoas postam. Isso é terrível para nós.
BBC – Uma palavra que não aparece muito no livro é “arrependimento”. Alguns lidam com isso quando chegam a um determinado estágio de suas vidas e pensam, por exemplo, que poderiam ter entendido alguém melhor. Há algo no estudo que possamos aprender sobre como lidar com o arrependimento?
Waldinger – Quando os participantes chegaram aos 80 anos, fizemos a seguinte pergunta: quando você olha para trás em sua vida, do que mais se arrepende?
Houve dois grandes arrependimentos.
Uma delas era algo do tipo: “Gostaria de não ter passado tanto tempo no trabalho e passado mais tempo com as pessoas de quem gosto.” Portanto, há uma razão para aquele conhecido clichê de que “ninguém em seu leito de morte gostaria de ter passado mais tempo no escritório”.
O outro arrependimento particularmente expresso pelas mulheres foi: “Gostaria de não ter passado tanto tempo me preocupando com o que as outras pessoas pensam.”
Portanto, se me perguntarem quais arrependimentos eu gostaria de evitar, a resposta seria passar bastante tempo com pessoas queridas e não gastar tanto tempo se preocupando com o que as outras pessoas pensam.
BBC – Você falou sobre como evitar arrependimentos. Mas o que fazer quando eles já estão presentes?
Waldinger – Ao lidar com o arrependimento, não adianta ficar com raiva de nós mesmos, nos bater com força. A única utilidade do arrependimento é se ele nos informar sobre o que gostaríamos de fazer diferente no futuro.
Use o arrependimento para aproveitar a vida que tem pela frente.
BBC – No livro, há um capítulo intitulado “Nunca é tarde demais”. Qual é a mensagem principal que você quer passar com essa frase?
Waldinger – Algumas pessoas me disseram: “É tarde demais para mim. Não sou bom em relacionamentos. Isso nunca vai acontecer na minha vida”. Algumas das pessoas que dizem isso têm 20 anos e dizem que é tarde demais para elas, e outras pessoas que dizem isso são mais velhas.
Mas o que vemos nas histórias do livro, que são de vidas reais, é que as pessoas encontram conexões que não esperavam em diferentes momentos de suas vidas, sejam conexões amorosas ou amizades. Portanto, para aqueles que acreditam que essas coisas nunca acontecerão com eles, diríamos: você não tem como saber.
A mensagem é que vale a pena continuar trabalhando nisso porque a qualquer momento da vida você pode criar novas e boas conexões.
BBC – Você é um mestre zen. A meditação desempenhou um papel importante em sua vida?
Waldinger – Tem tido um grande papel. A meditação zen é sobre aprender o que é estar vivo.
Você se torna muito mais familiarizado com a experiência de olhar para uma flor por cinco minutos, ou de comer uma refeição conscientemente, saboreando cada mordida. É realmente um mergulho profundo na experiência de estar vivo.
E isso se encaixa muito bem com o estudo de todas essas vidas. Porque é uma forma diferente de estudar a experiência de ser humano.
Da mesma forma, em meu trabalho como psiquiatra, tenho o privilégio de ouvir as pessoas falarem detalhadamente sobre suas vidas. E tudo isso para mim é um trabalho fascinante. Todas são maneiras diferentes de aprender sobre a experiência humana.
BBC – No livro, você afirma que a atenção é a forma mais básica de amar. Há uma bela frase: “Uma vida boa não é o destino, mas o caminho e com quem você caminha… E fazendo isso, segundo a segundo, você pode decidir a que e a quem você dá sua atenção”. Você pode nos falar sobre esse poder de escolher a cada momento em que prestamos nossa atenção?
Waldinger – Essa é uma citação de um dos meus mestres zen. Seu nome é John Tarrant e sim, uma das coisas que sabemos é que nossa atenção é algo pelo qual as pessoas brigam.
Essas telas que tanto amamos são projetadas para nos cativar, porque as pessoas ganham dinheiro chamando nossa atenção e mantendo-a.
Agora, mais do que nunca, o caminho de menor resistência é ficar o tempo todo na frente das telas. Então a pergunta é: podemos intencionalmente desviar nossa atenção dessas telas para as pessoas de quem gostamos?
Há uma escritora chamada Linda Stone que escreve sobre algo que ela chama de atenção parcial contínua, que é o que estamos dando cada vez mais uns aos outros. Isso é um problema: estou falando com você, mas na verdade estou olhando para minha tela.
Queremos chamar a atenção para isso. Pense: com quem você se importa? Você poderia dar a essa pessoa toda a sua atenção? Essa é a pergunta que devemos nos fazer.
BBC – Com o privilégio que você teve de estudar todas essas vidas, você diria para alguém que, por exemplo, teve uma infância muito conturbada ou enfrentou momentos muito difíceis, que todos podemos encontrar dentro de nós os recursos para seguir em frente e prosperar?
Waldinger – Acho que existe um instinto de prosperar, de sobreviver. Estamos todos tentando ser felizes. Uma das razões pelas quais minha palestra TED se tornou viral, como alguém me disse, não é porque eu sou bonito. É porque todo mundo quer ser feliz. E então há em nós esse impulso de encontrar maneiras de prosperar.
Acho que existe uma energia em todos nós que está procurando por isso e isso é bom. Embora eu possa ser muito pessimista sobre para onde o mundo está indo, acho que as pessoas sempre foram assim. E isso abriu caminho para novas possibilidades, é algo que faz parte de nós.
BBC – No seu caso pessoal, quais são os componentes básicos de uma boa vida?
Waldinger – É estar envolvido em atividades que são importantes para mim e que considero significativas. Minha pesquisa, meu trabalho como psiquiatra, minha meditação zen, essas coisas são muito importantes para mim. E, por exemplo, eu queria muito estar aqui, conversando com você agora. Porque eu dou muita importância para essas ideias e quero que elas alcancem as pessoas. Isso é significativo para mim.
Para mim, então, uma boa vida é fazer atividades que tenham significado para mim e realizá-las com pessoas que são importantes e que se preocupam comigo.
BBC – Você termina o livro com uma chamada à ação. O que você convidaria as pessoas a fazerem quando terminarem de ler esta entrevista?
Waldinger – Eu diria: pense em alguém de quem você sente falta, alguém com quem você não se sente tão conectado quanto gostaria ou alguém que você quer ter certeza de que sabe que você está pensando nele ou nela. E envie uma mensagem de texto, ou um e-mail, ou ligue para eles e apenas diga: oi, eu estava pensando em você e queria falar com você.
Basta fazer isso e você verá o que volta para você. Você poderá ficar surpreso com quantas pessoas ficarão felizes por você ter entrado em contato com elas. Então dê agora esse pequeno passo, levará 15 segundos para fazê-lo.
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