- Author, Jonathan Head e Thu Bui
- Role, Da BBC News em Bangkok
É o julgamento mais midiático já realizado no Vietnã, condizente com uma das maiores fraudes bancárias que o mundo já testemunhou.
No banco dos réus do tribunal de Ho Chi Minh, está uma empreiteira de 67 anos, suspeita de desviar dinheiro de um dos maiores bancos do Vietnã durante um período de 11 anos.
Truong My Lan é acusada de contrair empréstimos da ordem de US$ 44 bilhões (cerca de R$ 222 bilhões) no Saigon Commercial Bank (SCB) — e, de acordo com os promotores, US$ 27 bilhões (R$ 137 bilhões) podem nunca ser recuperados.
As autoridades comunistas, habitualmente reservadas, têm sido estranhamente francas sobre este caso, entrando em detalhes minuciosos na comunicação com a imprensa. Elas dizem que intimaram 2,7 mil pessoas para testemunhar. Há ainda 10 promotores estaduais e cerca de 200 advogados envolvidos.
As evidências estão em 104 caixas que pesam seis toneladas no total. Oitenta e cinco réus estão sendo julgados com Truong My Lan, que nega as acusações. Ela e outras 13 pessoas podem ser condenadas à pena de morte.
“Acho que nunca houve um julgamento midiático como este na era comunista”, diz David Brown, oficial aposentado do Departamento de Estado dos EUA com longa experiência em Vietnã.
“Certamente, não houve nada com esta dimensão.”
O julgamento é o capítulo mais dramático até agora na campanha anticorrupção “Blazing Furnaces” (que pode ser traduzido como “Fornalha Ardente”), liderada pelo secretário-geral do Partido Comunista, Nguyen Phu Trong.
Ideólogo conservador adepto da Teoria Marxista, Nguyen Phu Trong acredita que a revolta popular em relação à corrupção desenfreada representa uma ameaça existencial ao monopólio de poder do Partido Comunista. Ele começou a campanha para valer em 2016, depois de manobrar o então primeiro-ministro pró-mercado para manter o cargo mais alto do partido.
Como consequência da campanha, dois presidentes e dois vice-primeiros-ministros foram forçados a renunciar, e centenas de autoridades foram punidas ou presas. Agora, uma das mulheres mais ricas do país pode se juntar a eles.
Truong My Lan vem de uma família sino-vietnamita de Ho Chi Minh, antiga Saigon. A cidade é há muito tempo o motor comercial da economia vietnamita, o que remonta aos seus dias como capital anticomunista do Vietnã do Sul, com uma grande comunidade étnica chinesa.
Ela começou trabalhando em mercados de rua, vendendo cosméticos com a mãe, mas começou a comprar terrenos e propriedades depois que o Partido Comunista deu início a um período de reforma econômica, conhecido como Doi Moi, em 1986. Na década de 1990, ela era dona de um amplo portfólio de hotéis e restaurantes.
Embora o Vietnã seja mais conhecido internacionalmente por seu setor industrial em rápida expansão, como uma cadeia de abastecimento alternativa à China, a maioria dos vietnamitas ricos fez sua fortuna desenvolvendo e especulando no mercado imobiliário.
Todos os terrenos são oficialmente propriedade do Estado. Ter acesso a eles depende muitas vezes de relações pessoais com autoridades do Estado. A corrupção aumentou à medida que a economia crescia, se tornando endêmica.
Em 2011, Truong My Lan era uma empresária bastante conhecida na cidade de Ho Chi Minh — e foi autorizada a promover a fusão de três bancos menores, com pouco dinheiro, em uma entidade maior: o Saigon Commercial Bank.
A lei vietnamita proíbe qualquer indivíduo de deter mais de 5% das ações de qualquer banco. Mas os promotores afirmam que, por meio de centenas de empresas de fachada e pessoas agindo como “laranjas”, Truong My Lan tinha na verdade mais de 90% das ações do Saigon Commercial Bank.
Eles acusam a empresária de usar esse poder para nomear gente da confiança dela para a gerência — e, na sequência, ordenar que aprovassem centenas de empréstimos para a rede de empresas de fachada que ela controlava.
Os valores retirados são surpreendentes. Os empréstimos dela representavam 93% de todos os empréstimos do banco.
De acordo com os promotores, durante um período de três anos, a partir de fevereiro de 2019, ela ordenou ao motorista que sacasse 108 trilhões de dongs vietnamitas, mais de US$ 4 bilhões (aproximadamente R$ 20 bilhões), em espécie do banco, e guardasse o dinheiro no porão dela.
Essa quantidade de dinheiro, mesmo que fosse toda em notas do valor mais alto da moeda local, pesaria duas toneladas.
Ela também é acusada de pagar generosas propinas para garantir que seus empréstimos nunca fossem alvo de escrutínio. Um dos acusados ao lado dela é um ex-inspetor-chefe do Banco Central, que enfrenta pena de prisão perpétua por aceitar US$ 5 milhões (R$ 25 milhões) em suborno.
A enorme publicidade do caso, com aval oficial, canalizou a indignação da população diante da corrupção para Truong My Lan, cuja aparência abatida e desarrumada no tribunal contrasta fortemente com as fotos publicitárias glamourosas que as pessoas viram dela no passado.
Mas também está sendo questionado por que ela conseguiu continuar com a suposta fraude por tanto tempo.
“Estou intrigado”, diz Le Hong Hiep, que dirige o Programa de Estudos do Vietnã no ISEAS – Yusof Ishak Institute, em Cingapura.
“Porque não era segredo. Era bem conhecido no mercado que Truong My Lan e seu grupo Van Thinh Phat estavam usando o SCB como seu cofrinho próprio para financiar a aquisição em massa de propriedades nas localizações mais privilegiadas.”
“Era óbvio que ela tinha que tirar o dinheiro de algum lugar. Mas acontece que é uma prática muito comum. O SCB não é o único banco que é usado desta forma. Então talvez o governo tenha perdido isso de vista, porque há muitos casos semelhantes no mercado.”
David Brown acredita que ela foi protegida por figuras poderosas que dominaram os negócios e a política na cidade de Ho Chi Minh durante décadas. E ele acredita que há algo maior em jogo na forma como este julgamento está sendo conduzido: uma tentativa de reafirmar a autoridade do Partido Comunista sobre a cultura de livre mercado do sul.
“O que Nguyen Phu Trong e seus aliados no partido estão tentando fazer é recuperar o controle de Saigon, ou pelo menos impedir que se esvaia.”
“Até 2016, o partido em Hanói praticamente deixava esta máfia sino-vietnamita comandar a região. Eles faziam tudo que se esperava que os líderes comunistas locais deveriam fazer, mas ao mesmo tempo estavam explorando a cidade para obter uma parte substancial do dinheiro que estava sendo feito lá.”
Aos 79 anos, o secretário-geral do Partido Comunista, Nguyen Phu Trong, está com a saúde frágil. É praticamente certo que ele vai ter que se aposentar no próximo Congresso do Partido Comunista, em 2026, quando novos líderes vão ser escolhidos.
Ele tem sido um dos secretários-gerais mais importantes e mais longevos no cargo, restaurando a autoridade da ala conservadora do partido a um nível nunca visto desde as reformas da década de 1980. É evidente que ele não quer correr o risco de permitir uma abertura suficiente para comprometer o controle do partido sobre o poder político.
Mas ele está preso em uma contradição. Sob a sua liderança, o partido estabeleceu uma meta ambiciosa de alcançar o status de país de alta renda até 2045, com uma economia baseada na tecnologia e no conhecimento. É isso que impulsiona a parceria cada vez mais próxima com os Estados Unidos.
No entanto, o crescimento mais acelerado no Vietnã significa quase inevitavelmente mais corrupção. E, ao combater demais a corrupção, arrisca-se extinguir muita atividade econômica.
Já há reclamações em relação à burocracia, à medida que as autoridades evitam tomar decisões que possam envolvê-las em casos de corrupção.
“Esse é o paradoxo”, diz Le Hong Hiep.
“O modelo de crescimento deles tem dependido de práticas corruptas há muito tempo. A corrupção tem sido a graxa que manteve a engrenagem funcionando. Se eles abandonarem a graxa, as coisas podem não funcionar mais.”
Fonte: BBC
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