- Author, Vitaliy Shevchenko
- Role, BBC Monitoring
Os meios de comunicação da Rússia afirmam que os ataques ucranianos estão sendo frustrados, um após o outro, e que as autoridades estão retirando civis e oferecendo indenização às pessoas afetadas.
“Dias sob fogo, mas ninguém é deixado para trás. É assim que ajudamos as pessoas”, informou um dos principais noticiários do Canal Um, da televisão estatal.
E prosseguiu dizendo:
“É óbvio que o ataque da Ucrânia entrou em colapso, a situação está sob controle!”
Outro importante canal de televisão administrado pelo Kremlin, o Rossiya 1, argumentou que a Ucrânia havia enviado suas melhores unidades militares “para serem massacradas na região de Kursk”.
“Eles vão ser fisicamente incapazes de avançar ainda mais”, declarou, na tentativa de tranquilizar os telespectadores.
O jornal russo Izvestia, pró-governo, também adotou um tom desafiador, afirmando:
“Não seremos vencidos.”
Os meios de comunicação controlados pelo Kremlin retratam rotineiramente a Ucrânia como um país que não tem um Exército real. Suas tropas são descritas com frequência como “militantes”, “terroristas” ou “forças do regime de Kiev”.
Volta e meia, a imprensa russa recorre ao seu truque, já testado e comprovado, de invocar o espírito da Grande Guerra Patriótica — a batalha soviética contra o nazismo, quando em 1941 a União Soviética foi atacada pela Alemanha, apesar de os dois países terem assinado um pacto de não agressão, em 1939, no início da Segunda Guerra Mundial.
Esta guerra e a vitória da União Soviética sobre a Alemanha continuam a ser um elemento central na narrativa patriótica do atual Estado. As acusações infundadas contra a Ucrânia de estar associada ao nazismo são comuns nos meios de comunicação.
Um artigo no principal tabloide russo, Komsomolskaya Pravda, diz que as forças ucranianas são “como as alemãs”, enquanto a televisão estatal as chama de “neonazistas”.
Mas existe uma questão que a máquina midiática do Kremlin não está interessada em analisar: o que as tropas ucranianas estão fazendo na região de Kursk, após a incursão surpresa que começou na semana passada? E também: será que a incursão tem alguma coisa a ver com o que a Rússia está fazendo dentro da Ucrânia?
Hesitação e dúvidas
Sem dúvida, nem todo mundo acredita nas reportagens otimistas da TV estatal. Uma moradora local, da região de Kursk, disse ao jornal Kommersant: “Não entendemos por que é que não nos dizem a verdade! O inimigo está em nosso território, os tanques inimigos estão em nossas terras! Isto é guerra!”
O correspondente do Kommersant afirmou que estava preocupado com o bem-estar da mulher, após ela ter feito esses comentários tão abertamente. Ele diz que este tipo de conversa pode colocá-la em apuros com os serviços de segurança russos.
O ataque surpresa da semana passada levou as autoridades russas a declarar estado de emergência na região.
A Ucrânia diz que suas forças continuam a avançar em território russo, se deslocando em várias direções.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que as tropas do país haviam avançado de 1 a 2 quilômetros no interior de Kursk desde quarta-feira (14/8) — e haviam capturado 100 soldados russos. Mas a Rússia afirma que conseguiu impedir novos avanços.
‘Gabinete militar ocupado’
O comandante das Forças Armadas da Ucrânia, Oleksandr Syrsky, afirmou que “um gabinete de comando militar” foi criado em partes da Rússia controladas pela Ucrânia.
Em um vídeo postado nas redes sociais, ele aparece dizendo, em uma reunião presidida por Zelensky:
“Para manter a lei e a ordem e atender às necessidades imediatas da população, um gabinete de comando militar foi criado nos territórios controlados [pela Ucrânia]. O major-general Moskalyov foi nomeado para liderá-lo.”
Syrsky também afirma no vídeo que as tropas ucranianas controlam 1.150 km² de território, incluindo 82 municípios.
“A situação está sob controle em geral”, informou ele a Zelensky.
Para o presidente russo, Vladimir Putin, a incursão em Kursk é um tapa na cara.
Ao lançar sua “operação militar especial”, Putin instou os ucranianos a se renderem, e o Ocidente a se manter afastado.
No início da invasão, em fevereiro de 2022, quando as forças russas estavam nos arredores de Kiev, seus meios de comunicação esperavam que a capital ucraniana fosse tomada em poucos dias.
Dois anos e meio depois, seu Exército está lutando para impedir que o Exército ucraniano avance ainda mais para o interior da Rússia.
Para tentar conter os danos à imagem causados pela incursão em Kursk, Putin convocou uma reunião televisionada com autoridades. No início da reunião, ele parecia confiante de que os invasores seriam derrotados, e que todos os objetivos da “operação militar especial” seriam alcançados.
Mas o clima azedou quando o governador em exercício de Kursk, Alexei Smirnov, apareceu na tela. No momento em que ele começou a falar sobre quão profundamente as forças ucranianas haviam penetrado na sua região, foi interrompido pelo presidente.
Deixe isso para os militares, ele disse, e ordenou ao governador que informasse sobre como está “ajudando as pessoas”.
Putin parecia visivelmente descontente, mordendo os lábios enquanto Smirnov falava sobre os milhares de cidadãos russos deixados nos vilarejos ocupados pelas forças ucranianas.
“Não sabemos nada sobre o destino deles!”, reclamou.
Mas será que a situação em Kursk vai diminuir o apoio à guerra entre os russos?
Este pode ter sido um dos objetivos da Ucrânia, mas os meios de comunicação controlados pelo Estado russo estão trabalhando arduamente para apresentar o episódio como uma confirmação de que a Ucrânia é agressiva em relação à Rússia — e que Putin estava certo o tempo todo.
Fonte: BBC
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