Crédito, Suhnwook Lee / BBC Korean

Legenda da foto, Yana, da etnia Koryoin, que se mudou do Uzbequistão para a Coreia do Sul com a família em 2017, precisa traduzir para os colegas, pois a maioria não fala bem o coreano

  • Author, Suhnwook Lee
  • Role, BBC Coreia

“Se eu não traduzir para o russo, as outras crianças não entenderão as lições”, diz Kim Yana, uma aluna de 11 anos da Escola Primária Dunpo, em Asan, uma cidade que fica próxima à capital sul-coreana, Seul.

Yana é quem melhor fala coreano na turma – a maioria dos 22 colegas fala russo, e o coreano deles é irregular.

Na verdade, quase 80% dos alunos desta escola são considerados “estudantes multiculturais”, o que significa que são estrangeiros ou têm pais que não são cidadãos coreanos.

“É difícil obter os números exatos porque os pais têm nacionalidades e status de residência diferentes”, diz Chu Dae-yeol, professor sênior que supervisiona assuntos acadêmicos, “mas acredita-se que a maioria dos estudantes multiculturais sejam Koryoins”.

Koryoins são coreanos étnicos cujos ancestrais migraram da Coreia para o extremo leste do Império Russo no final do século 19 e início do século 20.

Muitas das famílias foram deportadas para a Ásia Central na década de 1930, como parte da política de “limpeza de fronteiras” do líder soviético Joseph Stalin (1878-1953). Eles viveram em antigos estados soviéticos como o Uzbequistão e o Cazaquistão e, ao longo das gerações, pararam de falar coreano porque era proibido.

A família de Yana voltou para a Coreia do Sul há sete anos e atualmente muitas outros estão fazendo o mesmo. “Aprendi coreano naturalmente brincando com amigos coreanos na pré-escola, mas hoje há muito mais crianças na escola que não falam coreano”, diz ela.

Na escola de Escola Primária Dunpo, 26,6% dos alunos eram considerados multiculturais em 2018. Este ano, são 79,3%.

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Legenda da foto, Quase 80% dos alunos da Escola Primária Dunpo são “multiculturais”

Não é nenhuma surpresa – a população de etnia coreana com cidadania estrangeira aumentou mais rapidamente em Asan do que em qualquer outro lugar da Coreia do Sul. Em 2010, menos de 300 deles viviam na cidade, mas em 2023 o número era 52 vezes superior.

A Coreia do Sul começou a conceder residência a coreanos étnicos que viviam na China e em antigos estados soviéticos após uma decisão histórica do tribunal constitucional que ampliou a definição de “compatriotas” em 2001. Mas o número de migrantes Koryoin começou a crescer rapidamente em 2014, quando eles foram autorizados a trazer familiares.

No passado, a maior parte dos imigrantes étnicos coreanos era da China e falava coreano. Mas o número de Koryoins que não fala coreano aumentou de forma acentuada. No ano passado, havia cerca de 105 mil Koryoins vivendo no país – quase cinco vezes mais do que há uma década.

A Coreia do Sul enfrenta uma crise demográfica. Apesar das generosas doações em dinheiro e do apoio à habitação, o país tem a taxa de fertilidade mais baixa do mundo, que cai ano após ano.

Em 2023, a taxa de natalidade era de 0,72, muito aquém da taxa de natalidade de 2,1 necessária para manter uma população estável sem imigração. Estimativas sugerem que, se a tendência continuar, a população da Coreia do Sul poderá cair à metade até 2100.

O país precisará de mais 894 mil trabalhadores, especialmente na indústria de serviços, para “alcançar as projeções de crescimento econômico a longo prazo” na próxima década, de acordo com o Ministério do Emprego e Trabalho da Coreia do Sul.

“Embora o visto coreano para o estrangeiro seja muitas vezes visto como uma forma de apoio aos coreanos étnicos, ele tem servido principalmente para fornecer mão-de-obra estável para a indústria de transformação”, afirma Choi Seori, pesquisador do Centro de Investigação e Formação Migratória.

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Legenda da foto, Asan é o lar de muitas fábricas de subcontratados da Hyundai Motor

Em Asan, muitos Koryoins vivem perto do parque industrial que abriga fábricas administradas por subcontratados da Hyundai Motors.

Ni Denis, do Cazaquistão, é um deles. “Hoje em dia não vejo coreanos na fábrica”, diz ele. “Eles acham o trabalho difícil, então vão embora rapidamente. Mais de 80% das pessoas com quem trabalho são Koryoins.”

“Sem Koryoins, essas fábricas não funcionariam”, diz Lee, um recrutador que pediu para ser identificado apenas pelo sobrenome.

A maioria dos outros trabalhadores migrantes, que não são de etnia coreana, possuem vistos de emprego de curta duração, que só permitem permanecer por quatro anos e 10 meses.

Para renovar os vistos, eles precisam retornar ao país de origem e lá permanecer por pelo menos seis meses. Mas os Koryoins podem prolongar a permanência na Coreia a cada três anos sem terem que sair do país.

Segregação na escola e fora dela

Os Koryoins também estão se estabelecendo em outras cidades industriais, como Gwangju e Incheon. Mas, como descobriram Asan e a Escola Primária Dunpo, a imigração pode trazer desafios.

“As crianças coreanas só brincam com coreanos, e as crianças russas só brincam com russos porque não conseguem se comunicar”, diz Kim Bobby, um estudante local de 12 anos. Yana concorda, acrescentando que muitas vezes eles brigam porque não conseguem se entender.

Na tentativa de superar a barreira do idioma, a Escola Primária Dunpo oferece duas horas de aulas de coreano por dia para estudantes estrangeiros. Mas a medida não é suficiente para reduzir a preocupação da professora Kim Eun-ju. “Acredito que muitas das crianças mal entendem as lições à medida que avançam de série”, diz ela.

Outras aulas são ministradas em coreano, e Yana diz que “o tempo passa rápido” porque muitos alunos precisam que as aulas sejam traduzidas.

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Legenda da foto, Os professores estão preocupados que os alunos Koryoin não consigam acompanhar as aulas, ministradas em coreano

A competição acadêmica na Coreia do Sul é notoriamente forte, e a escola está perdendo estudantes locais, uma vez que os pais temem que o aprendizado dos filhos esteja sendo prejudicado.

“Fiquei um pouco preocupado quando transferi a minha filha para esta escola”, diz Park Hana, cuja família é de Asan. Ela matriculou a filha de oito anos na Dunpo no ano passado. “Mesmo que a escola vizinha esteja superlotada, muitos pais locais preferem mandar seus filhos para lá.”

O vice-diretor Kim Guen-tae diz que administrar uma escola onde cerca de 80% dos alunos são classificados como multiculturais pode ser difícil e que no passado, quando havia menos alunos, era mais fácil aprender coreano fora da sala de aula, pois a maioria tinha um familiar coreano.

A taxa de matrícula no ensino médio de estudantes multiculturais é ligeiramente inferior à dos habitantes locais, de acordo com um levantamento nacional oficial realizado em 2021.

Park Min-jung, pesquisador do Centro de Investigação e Formação Migratória, teme que mais estudantes Koryoin abandonem a escola caso não obtenham o apoio que precisam.

“Se isso continuar, me preocupo com a forma como as crianças poderão viver na Coreia no futuro”, afirma o professor sênior Chu.

A segregação estende-se para além da escola. Em Asan, por exemplo, mais Koryoins estão morando na cidade velha, enquanto os habitantes locais se mudam para a cidade nova.

Crédito, Ni Denis

Legenda da foto, Ni Denis, um Koryoin do Cazaquistão, estabeleceu-se na Coreia do Sul com a família

Ni, o trabalhador de fábrica que veio do Cazaquistão para a Coreia do Sul com a mulher e os cinco filhos em 2018, diz ter notado que muitos de seus vizinhos coreanos saíram dos seus edifícios.

“Os coreanos parecem não gostar de ter Koryoins como vizinhos”, diz ele com uma risada estranha. “Às vezes os coreanos nos perguntam por que não sorrimos para eles. É o nosso jeito, não é porque estamos chateados. Mas as pessoas que não nos conhecem pensam que estamos chateados.”

Ele diz que tem havido desentendimento entre as crianças em seu bairro e ouviu falar de casos em que crianças Koryoin foram “difíceis” nesses momentos. “Depois disso, os pais coreanos dizem aos filhos para não brincarem com crianças Koryoin. Acho que é assim que acontece a segregação.”

Falta de política de imigração

A experiência de Asan na gestão de um influxo de coreanos étnicos de fora do país coloca em evidência desafios mais amplos da Coreia do Sul relacionados à imigração – uma questão controversa num país que é um dos mais etnicamente homogêneos do mundo.

“Já existe uma resistência psicológica significativa ao influxo de coreanos étnicos que não parecem diferentes de nós. Fico preocupado com como a Coreia será capaz de aceitar outros imigrantes no futuro”, diz Seong Dong-gi, da Universidade de Inha, especialista em Koryoin.

Lee Chang-won, diretor do Centro de Investigação e Formação em Migração, concorda: “Não existe um plano claro para a imigração a nível de governo nacional. Resolver o problema populacional do país com estrangeiros foi uma reflexão tardia.”

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Legenda da foto, Placas em russo são facilmente encontradas no distrito de Sinchang, em Asan, onde muitos Koryoins vivem

No ano passado, havia cerca de 760 mil coreanos étnicos da China e de países de língua russa vivendo na Coreia do Sul, que compunham cerca de 30% da população estrangeira do país.

A Coreia do Sul é também um destino popular para trabalhadores migrantes de locais como Nepal, Camboja e Vietnã, e em 2023 havia cerca de 2,5 milhões de estrangeiros vivendo no país.

A maioria deles trabalha em empregos manuais, com apenas 13% em funções profissionais.

Lee diz que a atual política de imigração é “fortemente orientada para os trabalhadores pouco qualificados”, levando a uma “visão comum” de que os estrangeiros só trabalham na Coreia do Sul durante algum tempo e depois vão embora.

Como resultado, ele diz que tem havido pouca discussão sobre a permanência de longo prazo para todos os imigrantes.

“Espero que a sensação de crise que está passando em relação à população possa ser um catalisador para que a nossa sociedade olhe para a imigração de forma diferente”, diz o pesquisador Choi. “Agora é a hora de pensar em como integrá-los.”

Apesar de enfrentar alguns desafios, Ni não se arrependeu da decisão de se mudar para a Coreia do Sul. “Para meus filhos, esta é a nossa casa. Quando visitamos o Cazaquistão, perguntaram: ‘Porque estamos aqui? Queremos voltar para a Coreia.'”