Legenda da foto, Kiki Ekweigh trabalha como cuidadora em Skegness, cidade litorânea na Inglaterra

“Retomar o controle”. O slogan da campanha do Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, foi visto por muitos como um apelo à retomada do controle da política de imigração, acabando com a possibilidade de cidadãos do bloco europeu viverem, trabalharem e estudarem livremente no Reino Unido.

Mas, nos anos que se seguiram ao Brexit, o país registrou um dos crescimentos populacionais mais rápidos desde a década de 1960, tornando a migração um dos principais temas das próximas eleições gerais no Reino Unido, marcadas para 4 de julho.

Mas, afinal, o que aconteceu?

Para entender a questão da imigração no Reino Unido, a cidade costeira de Skegness, na Inglaterra, pode ser um bom ponto de partida. Lá, mais de três quartos da população votou pela saída da União Europeia.

Assim como em muitas partes do Reino Unido, quando se trata de imigração, grande parte do foco está naqueles que chegam ilegalmente ao país.

“Stop The Boats” (que pode ser traduzido como “Parem os barcos”) é uma promessa chave do Partido Conservador no governo, uma referência às dezenas de milhares de pessoas fazem a perigosa travessia do Canal da Mancha, muitas vezes em botes infláveis de qualidade duvidosa.

Apesar do fato de nenhum destes barcos nunca ter desembarcado nas praias de Skegness, esta é uma questão que preocupa a cidade. Vários hotéis à beira-mar foram usados até recentemente para alojar pessoas que buscavam asilo, enquanto suas solicitações eram processadas.

Julieanne Bunce, que administra o North Parade Hotel, afirma que isso causa problemas na comunidade.

“Eles não nos causaram nenhum incômodo”, diz ela.

“(Mas) a sensação geral na região de Skegness era que de as pessoas não os queriam aqui”.

A grande maioria das pessoas que buscam asilo já foi retirada dos hotéis, mas as preocupações locais sobre o impacto da migração permanecem.

Grande maioria migra legalmente

Você poderia imaginar, portanto, que o aumento recorde na imigração foi impulsionado principalmente por pessoas que chegaram ilegalmente ao Reino Unido.

Mas não é verdade.

Em 2022, estima-se que o saldo migratório — a diferença entre o número de pessoas que chegam e que saem do Reino Unido todos os anos — tenha batido um recorde histórico de 745 mil pessoas.

Em 2023, acredita-se que o número tenha sido de 672 mil. Naquele mesmo ano, 30 mil pessoas chegaram em pequenos barcos.

A grande maioria daqueles que chegam ao Reino Unido faz isso legalmente. São pessoas como Kiki Ekweigh, que trabalha em um complexo de moradia assistida em Skegness.

Ao fazer sua ronda, ela bate em uma porta. “Olá! É a cheeky (algo como “travessa”) Kiki!” diz ela, rindo, enquanto entra.

“Ser cuidadora não é uma tarefa fácil. É preciso ter equilíbrio mental, é preciso ter empatia, é preciso ter muita paciência”, afirma.

Kiki migrou da Nigéria para o Reino Unido, inicialmente para estudar na universidade, mas permaneceu lá para trabalhar.

Estudantes e profissionais da área de saúde e assistência, como Kiki, representam cerca de dois terços dos vistos concedidos pelo Reino Unido no ano passado. De acordo com o Observatório das Migrações da Universidade de Oxford, eles são os principais motores por trás do aumento do saldo migratório desde a década de 2010.

Os números de chegadas, que o ex-primeiro-ministro Boris Johnson classificou de “escandalosos” quando estavam num patamar bastante inferior ao atual, são, portanto, na verdade, em grande parte, resultado de decisões políticas deliberadas do governo.

Então, o que está acontecendo?

A verdade é que sucessivos governos calcularam que o Reino Unido precisa de migrantes.

Os estudantes estrangeiros pagam mensalidades muito mais altas, subsidiando essencialmente os estudantes nacionais. Se o número de estudantes estrangeiros caísse, os estudantes do Reino Unido poderiam ter que pagar mais; ou as universidades poderiam falir; ou o governo precisaria financiá-las. Nada disso seria popular.

Além disso, muitos setores da economia do Reino Unido, sobretudo a área de saúde e assistência social, sofrem desesperadamente com a falta de mão de obra.

Uma em cada 5 das 1,5 milhão de pessoas que trabalham no NHS, serviço público de saúde do Reino Unido, são estrangeiros.

Mas apesar do aumento na imigração, ainda havia 150 mil vagas abertas no setor de saúde no ano passado.

O efeito Brexit

Embora seja surpreendente que a saída da União Europeia tenha coincidido com o aumento da imigração, o Brexit reduziu o número de um grupo.

Nos 12 meses até junho de 2023, o saldo migratório do bloco europeu foi de -86 mil, o que significa que mais cidadãos da União Europeia deixaram o Reino Unido do que chegaram.

Mas eles foram mais do que substituídos por pessoas que chegaram do resto do mundo. Cerca de 250 mil pessoas chegaram da Índia, e pouco menos de 150 mil da Nigéria. China, Paquistão e Zimbábue aparecem na sequência, como local de origem mais comum.

‘Stop the Boats’

Apesar disso, são as chegadas ilegais que têm dominado o discurso político do Reino Unido.

Em meio ao período eleitoral, “Stop the Boats” se tornou um slogan de campanha frequentemente utilizado.

O atual primeiro-ministro, Rishi Sunak, fez dele uma das suas cinco prioridades.

Para resolver a questão, ele elaborou um plano para enviar alguns solicitantes de asilo que chegam ilegalmente para Ruanda.

Mas o Partido Trabalhista, da oposição, promete abandonar esse plano. Em vez disso, pretende estabelecer um novo Comando de Fronteiras e Segurança para ajudar a retirar os solicitantes de asilo desqualificados.

E o recém-criado Reform UK (partido de direita radical) prometeu uma abordagem de tolerância zero, incluindo a saída da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

O Reino Unido recebe mais migrantes do que outros países?

Legenda da foto, Kiki saiu inicialmente da Nigéria para cursar universidade no Reino Unido

O Reino Unido está, de um modo geral, em sintonia com outros países de alta renda no que diz respeito à migração.

Em 2022, 14% das pessoas que viviam no Reino Unido foram classificadas como “nascidas no exterior” — um percentual da população semelhante ao de países como os EUA e a Holanda.

Mas quando olhamos para países como Canadá, Nova Zelândia e Austrália, vemos surgir um cenário diferente. Na Austrália, por exemplo, a população nascida no exterior é cerca do dobro da população do Reino Unido, como percentual da população.

Concessões difíceis

E assim voltamos à nossa questão original: por que é que o saldo migratório do Reino Unido é tão alto, oito anos depois de deixar a União Europeia?

A realidade é que a migração não foi impulsionada apenas pela liberdade de circulação. A economia do Reino Unido tem precisado da migração, apesar da retórica política.

Muitas das decisões que seriam necessárias para reduzir significativamente o número de pessoas que chegam ao Reino Unido exigiriam concessões difíceis, que o governo tem relutado em fazer.

A migração ilegal, sobretudo por meio de rotas perigosas, é algo que todos os partidos ficam à vontade para se opor — e o foco da discussão acaba recaindo sobre ela.

De volta a Skegness, Kiki está ciente disso.

“Vejo o noticiário para não ignorar totalmente o que está acontecendo”, diz ela, ao ser questionada sobre o debate em relação à imigração, enquanto passa pelas atrações à beira-mar da cidade.

“Se as pessoas têm impressões negativas, isso foi mal interpretado, na minha opinião. Não acho que estejam realmente conscientes da realidade do que está acontecendo na prática. Acho que estão com a percepção equivocada.”