- Author, Ben Tavener
- Role, Da BBC News em Moscou
Há meses já se sabe que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, está planejando uma visita oficial à Coreia do Norte.
Depois de o trem à prova de balas de Kim Jong Un percorrer o leste da Rússia no ano passado, o líder norte-coreano convidou Putin para uma visita ao seu país — e esse convite foi prontamente aceito.
Acredita-se que esta visita está próxima de acontecer. Fontes sul-coreanas sugerem que poderá ocorrer já na terça-feira (18/6), e imagens de satélite mostraram preparativos aparentemente em curso na Coreia do Norte.
Uma coisa é certa: jornalistas, tanto na Rússia como no exterior, estão buscando qualquer indício de notícia.
O Kremlin insiste que os detalhes serão divulgados no seu devido tempo, mas a especulação não pára.
Mas por que isso é importante? E por que agora?
Em primeiro lugar, há uma curiosidade natural, já que esta seria apenas a segunda vez de Putin na Coreia do Norte — a primeira foi em 2000, no início do seu primeiro mandato, quando o pai de Kim Jong Un, Kim Jong Il, ainda era o líder supremo.
Mas, além disso, esta é uma relação que (embora não nos níveis do tempo da União Soviética) passou de gentilezas mútuas a benefícios mútuos. E isso preocupa o Ocidente.
O Kremlin afirmou que há espaço para “relações muito profundas” entre a Rússia e a Coreia do Norte e que isto não deveria preocupar ninguém. Mas recomendou que ninguém venha a tentar perturbar as relações emergentes entre os dois países.
Tem havido muita especulação sobre o que exatamente os dois lados querem um do outro.
A Rússia provavelmente quer munições, trabalhadores da construção civil e até voluntários para lutar na linha da frente na Ucrânia, afirma o cientista político e aliado de Putin, Sergei Markov.
Em resposta, Pyongyang poderia obter produtos russos, bem como ajuda tecnológica militar, incluindo para seu programa de mísseis de longo alcance, na tentativa de fazê-los alcançar os Estados Unidos, acrescenta Markov.
Não há dúvida de que a Rússia precisa de recursos para sua guerra na Ucrânia.
Um relatório recente da Bloomberg, citando o Ministério da Defesa da Coreia do Sul, sugere que a Coreia do Norte enviou quase cinco milhões de cartuchos de artilharia para a Rússia.
A Rússia e a Coreia do Sul compartilham um grande desdém por sanções e pelo Ocidente e, portanto, estão dispostos a negociar um com o outro.
Afinal de contas, a Rússia e a Coreia do Norte são os dois países mais sancionados no mundo – a Coreia do Norte pelo desenvolvimento de armas nucleares e pelo lançamento de uma série de testes de mísseis balísticos.
No início deste ano, Moscou desferiu um duro golpe nas sanções contra Pyongyang ao vetar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que prorrogava o painel que supervisiona a Coreia do Norte. Isso foi visto como uma manobra de ajuda ao país.
E pode até existir uma verdadeira amizade entre os dois líderes, ainda que cautelosa e profissional. Em fevereiro, Putin presenteou Kim com uma luxuosa limusine russa (em violação das sanções da ONU).
Em mensagem recente a Putin, Kim disse que a Coreia do Norte é uma “camarada invencível” da Rússia.
Mas tudo isso pode ser apenas um jogo de cena, explicado pela necessidade da Coreia do Norte de possuir parceiros comerciais e a sua falta de outras opções.
Ou seja: a Coreia do Norte tem agora mais valor para a Rússia isolada – e a Coreia do Norte vê que Moscou precisa de amigos.
Ao visitar a Coreia do Norte, Putin demonstra ao mundo que faz o que quer.
Encontrar uma solução alternativa para as sanções ocidentais impostas ao seu país? Por enquanto, sim, ele pode.
Convencer outros a violar sanções e vender armas à Rússia? Aparentemente sim.
Forjar novas relações com países de todo o mundo, apesar de travar a sua chamada “operação militar especial”? Ele claramente está tentando.
Desde que Putin ordenou a entrada de tropas na vizinha Ucrânia, ele tem promovido a ideia de que o domínio do Ocidente está prestes a sumir – e tem cortejado aqueles que concordam com ele ou pelo menos estão abertos a essa filosofia.
Em um recente fórum econômico em São Petersburgo, não foi por acaso que um dos principais convidados de Putin foi o presidente do Zimbábue – outro país que sofreu com sanções.
E a Rússia tem se esforçado para mostrar que tem muitos amigos ao redor do mundo que seguem a mesma ideia. Da Ásia, América Latina, África – qualquer pessoa desencantada com um mundo liderado pelos EUA é bem-vinda.
Nos discursos do presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa, é possível ouvir algumas expressões favoritas de Putin, com um novo “mundo multipolar” em oposição a um Ocidente arrogante empenhado em reforçar a sua “hegemonia global” a qualquer custo.
Putin também cortejou laços mais estreitos com o Irã, outro país alvo de sanções que está ansioso para vender os seus produtos militares, como drones. E se isso abalar o Ocidente, tanto melhor.
Quando Putin finalmente embarcar no seu avião para Pyongyang, ele sabe que as imagens irão se espalhar pelo mundo, mostrando que ele está disposto a fazer negócios e política com os parceiros que escolher.
E embora a China tenha as suas próprias reservas quanto à reaproximação da Rússia com a Coreia do Norte, tudo foi provavelmente acertado previamente entre Putin e Xi Jinping, durante a última visita do russo à China.
Poucos países realizam cerimônias de demonstração de força tão pomposas como a Rússia – e a Coreia do Norte certamente é um desses países. E com a Rússia se afastando cada vez mais do modelo de democracia tradicional, o fosso entre os dois líderes parece estar diminuindo.
É claro que isso não significa necessariamente que os russos comuns saúdam a crescente proximidade do seu país com a Coreia do Norte, dados os seus laços culturais e históricos com a Europa e o Ocidente. E este é um risco potencial para Putin – bem como quaisquer novas medidas tomadas pelas potências ocidentais após a visita.
No final, muito provavelmente não descobriremos o que foi acordado – assim como já aconteceu quando Kim Jong Un veio à Rússia no ano passado.
Mas o palco está montado para Putin aparecer no país mais isolado do mundo, novamente desafiando o Ocidente.
Fonte: BBC
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