Legenda da foto, A então presidente da Corte Internacional de Justiça, Joan Donoghue, disse que decisão foi mal interpretada

Israel, que classificou o caso da África do Sul como “totalmente infundado” e “moralmente repugnante”, responderá às acusações nesta sexta-feira (17/5).

No centro da polêmica, está a utilização da palavra “plausível” na decisão.

Em janeiro, a CIJ emitiu uma decisão provisória – e um parágrafo da decisão chamou atenção: “Na opinião da Corte, os fatos e as circunstâncias… são suficientes para concluir que pelo menos alguns dos direitos reivindicados pela África do Sul e para os quais se está buscando proteção são plausíveis.”

Isto foi interpretado por muitos, incluindo alguns comentadores jurídicos, como significando que o tribunal concluiu que a alegação de que Israel estava cometendo genocídio em Gaza era “plausível”.

Esta interpretação se espalhou, aparecendo em comunicados de imprensa da ONU, em declarações de grupos de campanha e em muitos meios de comunicação, incluindo a BBC.

Em abril, porém, Joan Donoghue, presidente da CIJ quando foi divulgada aquela decisão, disse em entrevista à BBC que não foi isso que o tribunal decidiu.

De fato, disse ela, o objetivo da decisão era declarar que a África do Sul tinha o direito de apresentar o seu caso contra Israel e que os palestinos tinham “direitos plausíveis à proteção contra o genocídio” – direitos que corriam um risco real de danos irreparáveis.

Os juízes enfatizaram que não precisavam estabelecer por enquanto se houve um genocídio, mas concluíram que alguns dos atos de que a África do Sul se queixou – se fossem provados – poderiam ser abrangidos pela Convenção das Nações Unidas sobre o Genocídio.

Analisemos os antecedentes do caso e como a disputa legal se desenrolou.

A CIJ foi criada para lidar com disputas entre as nações do mundo relacionadas ao direito internacional.

Isso significa leis que são acordadas entre as nações, como é o caso da Convenção do Genocídio, uma medida fundamental acordada após a Segunda Guerra Mundial para tentar impedir novamente massacres em massa.

Em dezembro do ano passado, a África do Sul apresentou uma denúncia na CIJ para provar que, na sua opinião, Israel estava cometendo genocídio na forma como está travando a guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza.

A África do Sul alegou que a forma como Israel conduz a guerra é de “natureza genocida” porque haveria uma intenção de “destruir os palestinos em Gaza”.

Israel rejeitou completamente as alegações, dizendo que o caso deturpa o que está acontecendo de fato na guerra.

A África do Sul teria de apresentar ao tribunal provas claras e concretas de um suposto plano para cometer genocídio.

Israel, por sua vez, teria o direito de examinar essas alegações uma por uma e argumentar que as suas ações – dentro do contexto de uma terrível guerra urbana – foram em legítima defesa contra o Hamas, que é classificado como grupo terrorista por dezenas de países.

O caso completo pode levar anos para ser preparado e discutido. Por isso, a África do Sul pediu aos juízes da CIJ que emitisse primeiro “medidas provisórias”.

Este é o termo utilizado pela CIJ para uma liminar – uma ordem de um juiz para congelar uma situação, para evitar que qualquer dano seja causado, antes que uma decisão final do tribunal possa ser alcançada.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A África do Sul pediu à corte que ordene a suspensão imediata da incursão de Israel em Rafah, na Faixa de Gaza

A África do Sul pediu à corte que ordenasse Israel a tomar medidas para “proteger contra danos futuros, graves e irreparáveis aos direitos do povo palestino”.

Durante dois dias, os advogados de ambos os países discutiram se os palestinos em Gaza tinham direitos que o tribunal precisava proteger.

A decisão, para a qual contribuíram 17 juízes (alguns deles contrários), foi proferida em 26 de janeiro.

“Nesta fase do processo, o Tribunal não é chamado a determinar definitivamente se existem os direitos que a África do Sul deseja ver protegidos”, afirmou a CIJ.

“Basta decidir se os direitos reivindicados pela África do Sul, e para os quais procura proteção, são plausíveis.”

“Na opinião do Tribunal, os fatos e circunstâncias… são suficientes para concluir que pelo menos alguns dos direitos reivindicados pela África do Sul e para os quais se procura proteção são plausíveis.”

Tendo decidido que os palestinos em Gaza tinham direitos plausíveis ao abrigo da Convenção do Genocídio, a Corte concluiu que eles corriam um risco real de danos irreparáveis – e Israel deveria tomar medidas para evitar a ocorrência de genocídio enquanto estes pontos críticos permanecem em questão.

O tribunal não decidiu se Israel cometeu genocídio – mas será que a formulação significa que a Corte estava convencido de que havia um risco de isso acontecer?

Foi aqui que a disputa sobre o que o tribunal realmente quis dizer começou.

Em abril, cerca de 600 advogados britânicos, incluindo quatro antigos juízes do Supremo Tribunal do país, assinaram uma carta ao primeiro-ministro do Reino Unido, pedindo que a venda de armas a Israel fosse interrompida e referindo-se a “um risco plausível de genocídio”.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, As palavras da Corte Internacional de Justiça têm estado sob intenso escrutínio desde o início do caso

Isso desencadeou uma carta-resposta da entidade UK Lawyers For Israel (UKLFI).

O grupo de 1,3 mil pessoas disse que a CIJ apenas decidiu que os palestinos de Gaza tinham um direito plausível de serem protegidos do genocídio – em outras palavras, que estava lidando com um argumento jurídico complexo e um pouco abstrato.

A disputa continuou em outras cartas e interpretações.

Críticos descreveram a interpretação do UKLFI como “jogo de palavras vazio”. O tribunal, argumentaram eles, não pode estava se ocupando apenas com uma questão acadêmica – porque o que está em jogo é muito maior do que isso.

O debate se cristalizou em disputas jurídicas perante uma comissão parlamentar do Reino Unido que debate a questão das exportações de armas para Israel.

Jonathan Sumption, antigo juiz do Supremo Tribunal do Reino Unido, disse à comissão: “Acredito que está sendo sugerido [na carta do UKLFI] que tudo o que a CIJ fez foi aceitar, como uma questão de direito abstrato, que os habitantes de Gaza têm o direito de não serem submetidos ao genocídio. Devo dizer que considero essa proposição pouco defensável.”

Isso não é verdade, respondeu Natasha Hausdorff, do UK Lawyers for Israel.

“Insisto respeitosamente que a leitura de uma conclusão de risco plausível de que Israel esteja cometendo genocídio desconsidera as declarações inequívocas da Corte”, respondeu ela.

Um dia depois, Joan Donoghue – agora aposentada da CIJ – apareceu no programa HARDtalk da BBC e tentou encerrar o debate, expondo o que o tribunal tinha feito.

“A Corte não decidiu – e aqui estou corrigindo algo que é dito com frequência nos meios de comunicação… que a alegação de genocídio era plausível”, disse a juíza.

“Na ordem, a Corte enfatizou que havia um risco de dano irreparável ao direito palestino de ser protegido do genocídio. Mas a síntese que muitas vezes aparece, de que há um caso plausível de genocídio, não é o que o tribunal decidiu.”

Se há alguma evidência de danos tão terríveis é uma questão que o tribunal está longe de decidir.