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Max Dickins: ‘Muitas vezes tratamos as mulheres nas nossas vidas como um departamento de recursos humanos. Elas organizam amizades e os homens dependem dos seus grupos sociais’

  • Author, Ronald Ávila-Claudio
  • Role, BBC News Mundo

Numa noite em que organizava os detalhes de seu casamento, Max Dickins, comediante e escritor britânico, percebeu que não tinha amigos homens.

Depois de tomar alguns drinks, foi para casa e tentou fazer uma lista de possíveis candidatos a padrinho para sua festa de casamento.

Os nomes que lhe vieram à cabeça, diz o londrino, eram principalmente de colegas de trabalho. E quem não pertencia a esse círculo eram pessoas com quem “não falava, em alguns casos, há um, dois ou três anos.”

Como disse Dickins ao programa Woman’s Hour, da BBC Radio 4, ele decidiu fazer uma rápida pesquisa no Google — foi o momento em que ele percebeu que não estava sozinho.

Depois disso, Dickins escreveu o livro Billy-No Mates: How I Realized Men Have a Friendship Problem (‘Como descobri que os homens têm problemas de amizade’, em tradução livre), lançado no Reino Unido.

“Desde que os cientistas sociais começaram a medir estas coisas [amizades entre gêneros], os homens têm se mostrado com menos amigos, especialmente menos amigos próximos, do que as mulheres”, diz ele.

“Fica pior à medida que eles envelhecem. A tal ponto que se olharmos para o luto, para o divórcio e para a aposentadoria, os homens sofrem piores resultados de saúde física e mental do que as mulheres por causa desse isolamento.”

Estudos nos Estados Unidos e no Reino Unido indicam que os homens têm menos amigos do que as mulheres. E tendência se acentua ao longo dos anos.

Uma pesquisa de 2019, realizada pelo Survey Center for American Life, apontou que 15% dos homens americanos que participaram do estudo disseram não ter amigos próximos. Isso representa uma proporção cinco vezes superior à de um estudo anterior realizado em 1990.

No Reino Unido, uma pesquisa YouGov, em levantamento também de 2019, revelou que um em cada cinco homens participantes não tinha amigos próximos, o dobro da proporção das mulheres.

Embora seja difícil encontrar estudos semelhantes na América Latina, Niobe Way, cientista especialista em Psicologia do Desenvolvimento, afirma que o fenômeno se repete entre homens de diversas nacionalidades.

Way, professora titular da Universidade de Nova York, entrevistou centenas de adolescentes ao longo de sua carreira e viu como, à medida em que eles cresciam, perdiam seus melhores amigos.

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15% dos homens que participaram de uma pesquisa nos EUA disseram não ter amigos próximos do mesmo sexo

E tanto ela como Robin Dunbar, professor de Antropologia e Psicologia Evolutiva da Universidade de Oxford (Reino Unido), concordam que as consequências que Dickins viu no Google são mais do que provadas pela ciência: a falta de conexões fora da família tem consequências devastadoras para os seres humanos.

Para remediar e implementar mudanças, como tentou fazer Dickins ao escrever seu livro, faz falta entender as causas disso.

Os especialistas não necessariamente estão de acordo em relação às causas, porque, como afirma Dunbar, “as formas como os humanos agem em seu mundo social são enormes, caóticas e imprevisíveis”.

Desejo genuíno de amizade

Homens têm dificuldade em construir pontes de amizade tanto com mulheres como com pessoas do mesmo sexo, diz Dunbar.

Em relação às mulheres, diz Way, os homens tendem a posicioná-las como “cuidadoras emocionais” e procuram que elas os ouçam, atribuindo-lhes um papel quase de “terapeuta”. No entanto, não é uma relação de mão dupla. A mulher “não sente que seja mútuo”, diz

Way conduziu durante anos estudos em escolas com populações de baixa renda em Nova York e se concentrou em tentar compreender as relações de amizade entre homens. Ela tem a sua própria teoria do problema comum que Dickins, assim como tantos outros homens, enfrentam.

As crianças, ressalta a professora, têm um desejo natural de ter amigos.

Em suas entrevistas com pré-adolescentes porto-riquenhos, dominicanos, negros, asiáticos, ela os ouvia dizer coisas sobre seus amigos homens como “não consigo viver sem ele” ou “conto a ele meus segredos mais profundos”.

À medida que amadurecem, por volta dos 15 anos ou mais, as crianças passavam a perder os amigos, sentindo-se sozinhas e isoladas.

As razões dessa mudança, segundo seu livro Deep Secrets: Boys Friendship and the Crisis of Connection (Segredos profundos: a amizade dos garotos e a crise da conexão, em tradução livre), a razão é que os homens são ensinados, enquanto crescem, com uma ideia hegemônica sobre a masculinidade, concebida principalmente pela cultura norte-americana.

Os homens, explica ela, aprendem que ser vulnerável está longe de ser razoável e, além disso, está associado à feminilidade ou à diversidade sexual. E isso, continua ela, dificulta o relacionamento deles.

“A ideia americana de masculinidade, branca, rica e heteronormativa foi introduzida com suas variantes nas amizades masculinas em todo o mundo”, sustenta.

Mas há quem na sociedade se permite desafiar estas normas, acrescenta Way.

Principalmente homens envolvidos em atividades intimamente relacionadas à ideia de “masculino”, como o esporte.

“Os atletas não sentem que sua masculinidade está sendo questionada, então eles podem dar tapinhas na bunda”, diz.

Outros, porém, ficam “aterrorizados” de não seguir essas regras, porque “vão te colocar em um armário, te bater, te intimidar, fazer bullying com você”.

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Nos pré-adolescência, os homens costumam falar com emoção sobre seus amigos. À medida em que crescem, eles mudam sua visão sobre a amizade, diz pesquisadora

Herança psicológica

Dunbar tem outra opinião. Em sua perspectiva de cientista evolucionista, ele afirma que os seres humanos “herdaram mecanismos psicológicos” de nossos ancestrais.

Segundo ele, diferentemente das mulheres, as amizades entre os homens são mais “casuais, giram em torno de grupos e geralmente são baseadas em atividades”.

“Essa atividade pode ser tomar uma cerveja no bar, assistir a um jogo de futebol ou escalar uma montanha”, diz o pesquisador de Oxford.

“As mulheres tendem a manter relações de amizade conversando entre si, trocando intimidades”, acrescenta.

E a raiz de tudo, afirma ele, está “nos problemas que cada sexo enfrentou nas sociedades mais antigas”.

“As relações dos homens são provavelmente mais físicas e, ao mesmo tempo, mais casuais, porque no passado eles tinham a necessidade de trabalhar junto para proteger a comunidade”, diz.

“Os homens costumavam ser os guerreiros e protetores nessas sociedades. E para fazer isso com sucesso, eles basicamente precisavam ter bons laços uns com os outros.”

“Mas, por outro lado, eles não poderiam levar isso muito a sério caso um de seus parceiros se machucasse ou morresse, porque se não, tudo desmoronaria. Eles têm que ter flexibilidade e resiliência na forma como seus relacionamentos funcionam”, Dunbar disse à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

As mulheres nestas sociedades, continua Dunbar, dedicavam-se a outros serviços e, além disso, grande parte das suas vidas girava em torno da procriação.

“Elas tiveram que se mudar de acordo com a comunidade do marido, estavam sozinhas e nesse contexto precisavam de outro tipo de apoio emocional (não físico), e de pessoas que as ajudassem nos cuidados. Você vê a mesma coisa em muitas sociedades ao redor do mundo.”

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Os homens muitas vezes baseiam as suas amizades em alguma atividade, diz o professor Robin Dunbar, da Universidade de Oxford.

Consequências

O isolamento social, em geral, tem sido associado a graves problemas de saúde, conforme detalhado em um relatório do órgão dos EUA responsável pela previsão de doenças no país.

A entidade, em documento publicado em 2023, indica que “a falta de ligações provoca maior risco de doenças cardiovasculares, demência, acidentes vasculares cerebrais, depressão, ansiedade e mortes prematuras”.

E o problema, como também apontou a Organização Mundial da Saúde (OMS) no ano passado, é de escala global: um em cada quatro idosos vive isolamento social e entre 5 e 15% dos adolescentes sofrem de solidão no mundo.

Mas, no caso dos homens, sofrer com a falta de vínculos significativos, bem como com a desconexão consigo mesmos e com a sua vulnerabilidade, levou-os à violência, destaca Way.

“As consequências da crise de conexão são depressão, ansiedade e violência. E quando falo sobre violência, incluo a violência pública, como tiroteios, e violência sexual [no contexto dos EUA]. Pesquisas relacionam solidão com violência”, comenta.

Way reitera que os homens, vistos a partir da sua teoria, vivem em uma sociedade que os reprime e não “permite que expressem a sua própria humanidade”.

“São consequências de uma cultura que não valoriza a nossa natureza, que não nos permite nutrir plenamente a nossa humanidade.”

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A professora Way diz que uma ideia de masculinidade branca e heteronormativa foi exportada dos EUA para o resto do mundo

Dickins, em sua busca por quebrar o ciclo que condena o homem à solidão e suas consequências, decidiu se aprofundar nos motivos e, justamente, conversou com especialistas como o professor Dunbar.

Para ele, a resposta era entender como as mulheres administram suas amizades para imitá-las. Entre as mulheres, entendeu o humorista, “há uma troca emocional maior e muitas vezes dizem que têm um melhor amigo que conhecem mais de perto do que o seu par romântico”.

Então a primeira coisa que ele fez foi “se abrir para os amigos mais próximos”, em vez de apenas tratá-los como “parceiros” em algumas atividades que faziam juntos.

“Eu costumava ter todas as minhas amizades definidas completamente pelo prisma do humor e das piadas e isso colocava um fosso de agressividade ao meu redor. Então, tentei demonstrar mais carinho pelos meus amigos, dizer-lhes que queria mudar com eles e tentei ficar vulnerável”, conta.

Mas ele também reforçou as estruturas que unem os amigos, para que com o passar dos anos as relações não desapareçam.

“Uma coisa muito simples que fiz, por exemplo, foi começar a organizar uma liga de futebol de cinco jogadores e depois de jogar íamos beber em um pub. Foi uma coisa muito simples que fez uma grande diferença.”

O escritor também percebeu que precisava “assumir mais controle” de seu mundo social. Ela percebeu que geralmente dependia da parceira para organizar as atividades que realizavam com outras pessoas.

“Acho que muitas vezes tratamos as mulheres nas nossas vidas como um departamento de recursos humanos. Elas organizam amizades e os homens dependem dos seus grupos sociais”, diz.

“Acho que é porque não somos ensinados a fazer aquele trabalho social, aquele trabalho de nos comunicar com as pessoas, de organizar reuniões, de enviar postais, todos os pequenos esforços que são necessários para manter e criar vínculos”.

E, por fim, ele ressalta que, por mais ocupada que a vida adulta possa ser, é preciso reservar tempo para os outros. “Apareça quando solicitado, tome a iniciativa e siga em frente, mesmo quando for difícil”, diz.

A busca pessoal de Dickins o levou a escrever seu livro, mas ele nunca encontrou um padrinho para seu casamento com Naomi, sua parceira.

Então ela decidiu que seus dois melhores amigos ocupariam esse papel.

“Eles assumiram o comando e fizeram um ótimo trabalho”, diz ele.

Alguns conselhos dos professores Way e Dunbar

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Dickins decidiu tornar-se vulnerável para seus amigos, além de apenas tratá-los como ‘amigos’ nas atividades que compartilhavam.

  • Reconheça que o desejo de ter amigos é inerente ao ser humano e não está relacionado com sexo ou gênero;
  • Outros homens também têm interesse em fazer amigos do mesmo sexo;
  • Comece a fazer perguntas que o tornem vulnerável;
  • As pessoas andam por aí com perguntas que gostariam que outros lhes fizessem, mas não se concentre em seus traumas pessoais. Por exemplo, você pode perguntar: qual é a sua lembrança favorita de infância? Em quem você confia e por quê? Quando foi a última vez que você se sentiu ouvido?;
  • Encontre lugares e atividades que você tem em comum com seus amigos para poder compartilhar. É preciso buscar afinidades para que o relacionamento aconteça naturalmente;
  • E lembre-se que tudo isso tem que ser de mão dupla. Se alguém lhe fizer perguntas, além de responder, você também deve perguntar.