- Author, Simone Machado
- Role, De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
Enquanto o Brasil vive uma explosão de casos de dengue, uma cidade do interior de São Paulo enfrenta a crise com relativa tranquilidade.
Santa Rosa do Viterbo teve apenas 12 casos da doença neste ano e nenhuma morte.
O município tem pouco mais de 26,7 mil habitantes, o que significa que apenas um em cada 5,34 mil moradores foram infectados em 2024.
Isso representa uma redução acentuada em relação a quando o município ainda não tinha lançado mão de uma nova estratégia de combate à dengue.
As armadilhas, chamadas de “mosquitrap”, foram espalhadas pela cidade no ano passado. Elas imitam um criadouro de mosquitos.
Dentro, é colocada água com um composto químico que libera um odor para atrair o Aedes aegypti. Essa substância é inodora e não é tóxica para o ser humano.
Quando o mosquito entra para colocar os ovos, fica preso em um cartão adesivo na lateral interna da armadilha.
Agentes de saúde fazem uma coleta dos mosquitos uma vez por semana.
Após a captura, os cartões são enviados a um laboratório particular onde são analisados o DNA e RNA para saber se os mosquitos estão infectados com o vírus da dengue e qual a variedade.
É analisado ainda se o mosquito carrega os vírus de zika ou chikungunya, outras duas doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.
Quando um mosquito é identificado com o vírus, a população do bairro é avisada, e um mutirão de limpeza e pulverização é feito em um raio de 200 metros de onde ele foi capturado.
As análises ficam disponíveis na internet para que todos os moradores tenham acesso.
“Antes, era preciso uma pessoa ser infectada para a gente pudesse intensificar o combate ao mosquito naquela área”, explica André Nader, secretário de Saúde de Santa Rosa de Viterbo.
“Hoje, nos antecipamos a isso e já intensificamos assim que o mosquito contaminado é identificado.”
Queda de casos
A Prefeitura espalhou 96 armadilhas por Santa Rosa do Viterbo em abril do ano passado, em casas e estabelecimentos comerciais.
Cada local escolhido fica em um raio de 200 metros de distância um do outro.
De lá para cá, o município registrou uma queda significativa no número de pessoas que tiveram dengue.
Dos 399 casos contabilizados em 2022, passou para 148 em 2023, quando a armadilha foi adotada — uma redução de 63%.
Todos os casos do ano passado foram registrados no primeiro semestre.
O primeiro caso deste ano, registrado em janeiro, foi de um morador que estava em outro Estado, por isso, o caso foi considerado importado.
Em comparação com Santa Rosa de Viterbo, cidades vizinhas com população semelhante ou até mesmo menores que não usam a armadilha registaram mais casos da doença.
Santa Rosa do Viterbo pagou R$ 99 mil na compra das armadilhas no ano passado.
O serviço também tem um custo de R$ 7,5 mil por mês com a manutenção das armadilhas.
O valor inclui a troca dos adesivos e substâncias usadas nos equipamentos e as análises laboratoriais dos materiais recolhidos.
O secretário André Nader diz que esses valores, diz o secretário de Saúde, ficam abaixo dos gastos com pacientes que buscam a rede de saúde pública para tratar a doença — que caíram junto com o número de casos.
“Em 2022, a cidade gastou cerca de R$ 704 mil com tratamento aos pacientes com dengue. Já no ano passado, foi R$ 261 mil”, diz Nader.
Como a armadilha foi criada
A mosquitrap foi inventada por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais há cerca de 20 anos.
Ela foi criada a partir de uma adaptação de uma armadilha de mosquito desenvolvida na década de 1960 por pesquisadores americanos.
Mas, em vez de capturar os ovos, a versão brasileira prende os próprios mosquitos para fazer esse monitoramento.
A armadilha permite assim que a população de mosquitos em uma determinada região seja estimada.
“O princípio de atuação das duas armadilhas é o mesmo. Ambas buscam fazer a busca ativa dos vetores através da coleta, facilitando o mapeamento dos locais mais críticos”, explica Fontes.
Em 2019, a UFMG vendeu a patente da armadilha para o Grupo Rentokil, que hoje comercializa o produto.
Desde a sua criação, cerca de 80 cidades do Brasil já usaram a armadilha, segundo a universidade.
Não há dados sobre quantos desses municípios ainda empregam o equipamento.
Armadilhas são mais eficazes em cidades menores
Santa Rosa do Viterbo conseguiu bons resultados com essas armadilhas porque elas funcionam bem em cidades pequenas de até 30 mil habitantes mais ou menos, explicam especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Em municípios menores, não é preciso espalhar muitos equipamentos, o que facilita no monitoramento.
Cerca de 79,3% dos municípios brasileiros têm até 30 mil habitantes, como Santa Rosa do Viterbo, segundo o Censo 2022.
Vivem nestas 4.419 cidades em torno de 45,74 milhões de pessoas, quase um quarto (22,5%) da população brasileira.
O uso das armadilhas não vale tanto a pena em cidades maiores, explicam especialistas, porque seria necessário um número muito superior de unidades e de agentes de saúde para fazer coleta desses materiais — além do gasto com o laboratório de análise.
“As cidades grandes têm uma quantidade muito grande de focos. O monitoramento com armadilhas seria bastante custoso”, explica Fernando Barbosa Noll, professor do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em São José do Rio Preto.
A estratégia também não seria tão eficaz porque o vírus se prolifera mais rápida em cidades maiores por causa do maior número de habitantes.
“Se tiver um foco do mosquito em um bairro, até esse material ser levado para análise e sair o resultado, moradores já terão se infectado”, diz João Leonardo, professor do curso de Biomedicina da Faculdade Anhanguera.
Uma alternativa nos grandes centros urbanos seria subdividir a cidade em setores e usar a armadilha em áreas específicas onde há um grande índice de infecção pela doença, dizem os profissionais ouvidos pela reportagem.
“O uso dessas armadilhas é uma boa estratégia, mas, nos grandes centros, as pessoas têm uma vida mais corrida e talvez a manutenção delas não seria adequada quando falamos de uso em larga escala”, explica Cláudia Fontes, pesquisadora em Saúde Pública no Instituto Aggeu Magalhães da Fiocruz em Pernambuco.
“Já quando instaladas apenas em ponto crítico, ela vai auxiliar no mapeamento e direcionar outras estratégias de combate.”
Foi o que fez Curitiba, onde vivem 1,7 milhão de pessoas. A cidade teve entre 1º de janeiro e 22 de fevereiro deste ano 426 casos confirmados da doença.
Em dezembro, a secretaria de Saúde espalhou 650 armadilhas em bairros com mais casos de degue.
A cidade alia isso a mutirões de limpeza, à procura de locais propensos a ter focos de mosquito com drones e outro tipo de armadilha que captura os ovos do Aedes aegypti.
A cidade diz que não pode falar do resultado específico conseguido com o da mosquitrap porque todas essas ações se somam.
Explosão de casos
No Brasil, foram registrados de janeiro até agora 1,2 milhão de casos de dengue e 278 mortes pela doença, segundo dados do Ministério da Saúde.
Outras 744 mortes estão sendo investigadas e aguardam confirmação. Sendo as regiões mais afetadas a Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país.
Os profissionais ouvidos pela reportagem reforçam que a melhor maneira de controlar o avanço da dengue ainda é manter a limpeza nas residências, quintais e terrenos para evitar a proliferação dos mosquitos.
“Para controlar a dengue cada um tem que fazer a sua parte, não dá para colocar toda a responsabilidade no poder público”, diz o biomédico João Leonardo.
“Manter os quintais limpos, não deixar locais com água parada e permitir a entrada dos agentes de fiscalização é obrigação nossa.”
Para controlar o avanço da proliferação do mosquito Aedes aegypti e a infecção pela doença, o Ministério da Saúde recomenda algumas ações:
- Remoção de recipientes nos domicílios que possam acumular água e se transformar em criadouros de mosquitos;
- Vedação dos reservatórios e caixas de água;
- Desobstrução de calhas, lajes e ralos;
- Participação na fiscalização das ações de prevenção e controle da dengue, feitas pelo Sistema Único de Saúde (SUS);
- Uso de telas nas janelas e repelentes em áreas de reconhecida transmissão.
Fonte: BBC
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