- Author, Ana Santi
- Role, BBC Future
Que tal dar uma olhada na lista de ingredientes no verso do seu hidratante? Primeiro, aconselho você a contar quantos são. Depois, pergunte: você conhece todos eles?
O meu hidratante, que é vegano e vem em uma embalagem feita 100% de plástico reciclado pós-consumo, contém 26 ingredientes listados — metade dos quais não consigo nem sequer pronunciar o nome, muito menos identificar o que são.
O mais longo se chama “acrilatos/polímero cruzado de acrilato de alquila C10-30”. Uma rápida pesquisa na internet me diz que este é um ingrediente sintético, comumente usado como agente espessante em produtos de cuidado com a pele.
Mas qual é o impacto ambiental desta substância? Será que foi fabricada utilizando a “química verde”, que visa reduzir produtos químicos e processos prejudiciais ao meio ambiente? É biodegradável ou vai ficar por tempo indeterminado nos cursos de água e aterros sanitários?
Sem um diploma em química, entender como fazer escolhas de cosméticos sustentáveis não é uma tarefa fácil para a maioria dos consumidores.
As informações sobre o impacto ambiental e social dos ingredientes dos cosméticos são escassas, apesar da prevalência do uso desses produtos.
Há poucos dados recentes sobre quantos cosméticos são normalmente usados por dia, mas uma pesquisa realizada com 2,3 mil pessoas em 2004 estimou que as mulheres utilizam cerca de 12 produtos de beleza por dia — e os homens, seis.
Assim como a indústria da moda, grande parte da indústria da beleza, avaliada em US$ 430 bilhões anuais, carece de transparência para permitir que os consumidores tomem decisões conscientes.
“A indústria da beleza utiliza grandes quantidades de ingredientes que são cultivados, colhidos e processados, ou sintetizados em laboratório, mas atualmente não existem números sobre a quantidade de ingredientes utilizados”, diz Lorraine Dallmeier, executiva-chefe da escola de cuidados com a pele Formula Botanica.
Dallmeier oferece cursos online para que as pessoas possam preparar seus próprios produtos botânicos para a pele.
Para iniciantes, a proposta é criar um creme para os olhos, para o qual seria necessário um banho-maria (em um fogão ou chapa quente); dois béqueres (no curso que assisti, um cheio de óleo de jojoba e outro de água de rosas); um batedor de arame, uma balança, dois bastões de vidro, um termômetro e um pote de emulsificante.
“Todo mundo pode formular”, diz Dallmeier.
Decidi experimentar, optando pelo produto mais básico de todos: um óleo facial com dois ingredientes, que não inclui água. Se um produto para a pele contém água ou ingredientes à base de água – como acontece com as loções –, ele precisa de algum outro ingrediente para permanecer estável e seguro para uso.
A “receita” foi dada pela marca de cuidados com a pele Soeder, com sede em Zurique, na Suíça, que controla toda a sua cadeia de fornecimento — desde os ingredientes até a embalagem — em sua própria fábrica e laboratório.
Ela produz a maioria de seus produtos usando óleos prensados a frio e ingredientes naturais, como trigo e mel.
“O maior problema da indústria da beleza [quando se trata de ingredientes] é que as marcas costumam usar pré-misturas em seus produtos, que são combinações pré-fabricadas de matérias-primas técnicas”, diz o cofundador da Soeder, Johan Åkerström.
E os ingredientes contidos nestas pré-misturas não precisam ser listados no rótulo do produto final.
“Por exemplo, se uma pré-mistura contém um tensoativo como o glicosídeo de coco, ela pode ter sido feita com óleo de palma (conhecido no Brasil como dendê). No entanto, o óleo de palma não será listado separadamente como um ingrediente, o que não torna claro para os consumidores o que foi incluído no produto”, explica Åkerström.
A Nomenclatura Internacional de Ingredientes de Cosméticos (INCI, na sigla em inglês) exige que sejam incluídos apenas os ingredientes finais, e não a fonte original desses ingredientes.
Óleo de cânhamo
A falta geral de clareza nos rótulos continua a ser um desafio para os consumidores que querem saber exatamente o conteúdo dos cosméticos que utilizam.
A receita de óleo facial de Soeder é relativamente simples: basta combinar cinco gotas de óleo de semente de cânhamo com 15 gotas de óleo de amêndoa doce. Aplicar duas vezes ao dia, após a limpeza e antes da hidratação da pele.
“Os óleos são complicados de usar, por isso é importante encontrar um óleo adequado à sua pele”, esclarece Åkerström.
“O cânhamo é muito leve e rico em ácidos graxos ômega, então essa é uma receita genérica e bem balanceada — e usamos esses ingredientes em nosso sabonete. Massageie primeiro nas mãos, não diretamente no rosto.”
Mas encontrar os ingredientes foi mais complicado. Achei o óleo 100% de amêndoa doce (alguns óleos já são misturados), prensado a frio, em uma loja de produtos naturais na minha rua, onde uma garrafa de 100 ml custava £ 7 (cerca de R$ 44).
Para obter o óleo de semente de cânhamo puro, tive que procurar na internet. Uma garrafa de 500ml custava £ 8, mais £ 3 de taxa de entrega, totalizando £ 11 (aproximadamente R$ 69).
Encontrei um óleo facial equivalente de marca própria sendo vendido em uma loja conhecida por apenas £ 2,50 (cerca de R$ 16), mas uma análise dos ingredientes exigiria o diploma de química que eu não tenho.
Calculo que o produto poderia durar mais de 100 aplicações. Além disso, uma vez preparado e aplicado, o óleo tinha um cheiro delicioso — e deixou minha pele macia e nutrida.
“Você está pagando pela qualidade dos ingredientes, que são nutritivos, em vez de preenchedores sintéticos baratos”, diz Khandiz Joni, ex-maquiadora que virou consultora de sustentabilidade.
“Muitas vezes, são mais concentrados, então você precisa de menos. E compre só o que precisa, termine o que você tem, e opte pelos refis, que costumam ser mais baratos.”
Quando ingredientes de qualidade são mais caros, vale a pena levar em consideração por que as alternativas podem ser mais baratas.
“É como a fast fashion”, compara Joni.
“É necessária energia física, do planeta e das pessoas que fabricam os produtos que usamos – precisamos respeitar isso. Por isso, encontre as marcas mais ambiental e socialmente responsáveis que consiga comprar.”
Joni recomenda procurar marcas que promovam a circularidade — investindo no reaproveitamento, por exemplo, utilizando a química verde na sua formulação e fabricação, e que sejam transparentes sobre seu impacto ambiental desde a produção, embalagem e envio. Vale sempre a pena pesquisar cuidadosamente as alegações ambientais de qualquer empresa.
A marca Ilia, com sede em Los Angeles, fundada por Sasha Plavsic em 2011 e adquirida pela Clarins em 2022, pretende prestar especial atenção à origem dos seus ingredientes.
“A Clarins cultiva muitos dos seus ingredientes, por isso trabalhamos diretamente com sua equipe reguladora para garantir que os nossos produtos cumpram os requisitos regulatórios necessários, que incluem a visibilidade de todos os ingredientes, até os elementos-traços”, afirma Plavsic.
“Cada ingrediente pode ter questões em relação ao fornecimento – não existe um caminho perfeito.”
Danka Tamburic, professora de ciências cosméticas no London College of Fashion, no Reino Unido, argumenta que o efeito do processo de fabricação das matérias-primas é muitas vezes ignorado na determinação de quão sustentável é um produto cosmético.
“Teoricamente, os ingredientes naturais poderiam ser mais sustentáveis, mas na maioria dos casos, a pegada de carbono é, na verdade, maior do que a dos sintéticos”, explica Tamburic.
“As pessoas esquecem que a agricultura exige muito recursos.”
Tamburic estudou o uso de energia na fabricação de emulsões, a forma mais comum de cosméticos, e descobriu que tem um efeito muito maior nas emissões de carbono do que a origem das matérias-primas.
A energia pode ser reduzida em mais de 80% usando um método que requer menos calor para preparar emulsões.
Tamburic acrescenta que muitas vezes existe um mal-entendido de que “natural” equivale a “seguro”.
“Segurança e sustentabilidade são duas coisas diferentes, mas a solução comum proposta para ambas é a utilização de ingredientes naturais. Isso simplesmente não é sempre válido. Os [ingredientes] naturais não são inerentemente mais sustentáveis, nem mais seguros; cada caso precisa ser analisado por mérito próprio.”
Além dos ingredientes, o que acontece com a embalagem depois de utilizada é outro grande desafio para a indústria.
As embalagens dos cosméticos são muitas vezes feitas de plásticos difíceis de reciclar — e mais de 90% delas vão para aterros sanitários.
Todos os anos, a indústria global da beleza contribui com 100 bilhões de unidades para o consumo total de embalagens plásticas. Os EUA, como um mercado único, foram responsáveis por 11,4 bilhões destas unidades em 2023, atrás apenas da China e da Índia.
Algumas marcas participam de programas de devolução, em que os fornecedores aceitam de volta as embalagens que os clientes optam por devolver.
A Ilia, por exemplo, trabalha com a organização sem fins lucrativos Pact Collective para reciclar suas embalagens de difícil reciclagem. Os clientes podem enviar até 10 produtos de beleza vazios por mês para a Ilia – de sua própria linha ou de outra marca –, e a Pact Collective afirma que vai reciclá-los de forma responsável.
Plavsic conta que a parceria desviou mais de 27,7 toneladas de resíduos dos aterros sanitários desde o lançamento do programa.
A marca independente Meow Meow Tweet, com sede na Califórnia, utiliza um sistema de ciclo fechado que recolhe recipientes vazios, os esteriliza e reabastece, antes de voltar a vendê-los.
Todos os meses, a Meow Meow Tweet escolhe uma organização para apoiar financeiramente, priorizando grupos pequenos, de ajuda mútua, voltados para as bases, e aqueles com liderança queer ou BIPOC [sigla para negro, indígena e pessoas de cor, em inglês].
“O que me deixa animada é quando empresas menores rompem com os conceitos de beleza uniformes, manipulados e antiquados, e fornecem produtos que compreendem pessoas reais, como elas existem no mundo e em sua própria pele”, diz a cofundadora, Tara Pelletier.
“Acho que a indústria da beleza tem um longo caminho a percorrer para se tornar social e ambientalmente responsável. A coisa mais significativa que poderia ser feita para causar impacto é produzir menos, mas isso significa vender menos. E a indústria ainda não está pronta para encolher.”
Dallmeier acredita que marcas pioneiras e desafiadoras estão mudando a narrativa em torno da beleza — em vez de dizer às pessoas que elas são inadequadas, estão se concentrando mais na pele e na saúde mental.
“Durante décadas, nos disseram que não somos jovens o suficiente, ou atraentes o suficiente, ou lisinhas o suficiente, que a celulite — uma condição perfeitamente normal — é desagradável e pode ser curada, apesar de uma revisão de estudos baseada em evidências ter concluído que produtos anticelulite não funcionam”, diz ela.
“E sabemos por que eles fazem isso: para impulsionar o consumo em massa.”
Joni concorda e cita as influenciadoras de beleza nas redes sociais mostrando suas prateleiras do banheiro repletas de produtos.
“Como elas conseguem passar todos esses produtos? Pense nas datas de validade!”
Para Joni, grande parte da dificuldade dos consumidores em fazer escolhas melhores está no uso da palavra “sustentável” para definir um tipo de cuidado com a pele. Os preços comparativamente mais elevados dos produtos de beleza “sustentáveis” os posicionam inadvertidamente como artigos de luxo. No entanto, para que qualquer produto seja verdadeiramente sustentável, precisa ser equitativo.
“Precisamos nos perguntar: o que é o cuidado com a pele sustentável ? Em poucas palavras, é uma forma de pensar, e depende tanto do consumidor quanto da marca. Não se trata simplesmente de quão ‘limpo’ ou ‘verde’ ou ‘eco’ um produto é; se você não usar, não é sustentável”, afirma Joni.
“Trata-se de uma mudança completa de mentalidade.”
Aproveito a oportunidade para perguntar a Joni sobre meu hidratante, e o ingrediente de nome extenso: acrilatos/polímero cruzado de acrilato de alquila C10-30.
“Resumindo, é um microplástico”, diz ela.
É hora de trocar de hidratante, mas não antes de usar esse pote todo primeiro.
Fonte: BBC
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