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O homem e suas circunstâncias. Sonhador acordado desacredita as impossibilidades

O ser humano é um animal político, social, gregário por natureza, por inteligência e por necessidade. Seu âmbito existencial é o das inter-relações sociais, da interdependência, das carências e socorros assistenciais recíprocos do início ao fim da vida.

Os indivíduos perceberam cedo o valor e a força da união como instrumento de sobrevivência e autoproteção, facilitador de ataque e defesa no tocante aos inimigos e aos predadores naturais. Sozinhos, perambulantes, os indivíduos eram extremamente vulneráveis. Substituíram, então, o nomadismo de sua vida cigana, aventureira, tornando-se sedentários.

Apropriaram-se de territórios, agregaram-se em famílias, tribos, nações, permutaram cavernas por habitações que aprenderam a construir, juntando-se em fortificações, vilas, cidades, e criaram o estado com finalidades básicas de segurança, saúde e educação expandidas em razão de sua constitucionalidade, ao garantir os direitos fundamentais da pessoa humana.

Entidades bélicas de terra, ar e mar, também são constitucionais. Note-se que a guerra desmerece o dom da racionalidade quando foge aos limites da legítima defesa. O estado movimenta-se pelo poder político, sociologicamente minoritário porque se todos o atuarem de uma só vez ocorre o caos e a administração pública inviabiliza-se. Segundo Gropalle, em sua Teoria Geral do Estado (TGE) o poder seria “uma possibilidade de mando eficaz” e o mando perde eficácia quando caótica a forma de exercê-lo.

Isolar-se ao convívio social pode ser uma opção de vida, como no caso dos eremitas, mas é um perigo para a sobrevivência das crianças que não têm capacidade para optar, como veremos adiante, e dos idosos fragilizados pelo tempo, carentes de companhia amorosa no caminho que seguem para o desfecho inevitável, esperançosos e felizes ou infelizes a depender das circunstâncias, do desencarne, das crenças ou descrenças de quem se defronta com a morte.

Os neonatos são absolutamente incapazes de optar por lhes faltar entendimento. Nascemos extremamente frágeis, dependendo de outras pessoas para quase tudo, não havendo quem nos ampare, perecemos. Somos lentos em nosso aprendizado. Para alcançarmos o peito materno e fruirmos dele a primeira refeição, precisamos de ajuda, porque nossa mobilidade é quase nula e só depois de meses conseguimos engatinhar, dar os primeiros passos, cair, levantar, caminhar, correr… Um filhote de girafa, com pernas finas e longas parecendo as pernas-de-pau de um palhaço circense, minutos após nascer já se levanta, meio trôpego como se estivesse de porre, e vai às tetas da mãe saciar-se da fome.

As tartarugas ao irromperem dos ovos, nem precisam de mãe para amamentá-las. Elas não mamam e nem amamentam porque não têm peitos. Diminutas, andam rápidas assim que nascem, correm na direção certa da água sem bússola para guiar-se, cada qual célere no seu destino, com nenhuma proteção que não a delas próprias, ágeis na esquiva dos predadores e na superação de outras dificuldades. Poucas escapam da luta desigual, mas restam o bastante para continuarem as espécies.

Às vezes me questiono sobre quem é mais independente, mais inteligente, se a tartaruga que nasce sabendo tudo: direcionar-se, correr, nadar, buscar alimentos, alimentar-se, ou se o ser humano que de tudo precisa ser ensinado. No estudo, na pesquisa e seu compartilhamento, a humanidade evolui, progride, supera, vence a competição com os outros animais. Se carece de asas para voar, constrói aeronaves e voa, se lhe falta fôlego para atravessar a nado os oceanos, concebe embarcações e vence a resistência dos ventos e das águas navegando por sobre os mares.

O homem já foi à lua e voltou, enviou sondas espaciais a outros planetas, pretende fazer turismo em Marte. Enquanto isso, nunca vimos nem veremos as tartarugas calculando distâncias interplanetárias ou construindo máquinas porque não se antecipam no tempo, não vislumbram o futuro, não sonham acordadas. Eis o grande diferencial da humanidade: sonhar acordada, inventar atalhos para o porvir, descrer das impossibilidades.

José de Siqueira Silva é Coronel da reserva da PMPE

Mestre em Direito pela UFPE e Professor de Direito Penal

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29/02/2024 às 20:33

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